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Três contos fora do comum

Amor ou Os anjos também choram

18/11/2016 12:04

Lembrei de um provérbio que diz que “o amor é para os tolos”. E é. E para os sábios,  e para os loucos, para os comunistas, para os cegos, para os poetas e a comunidade em geral. Só não é para os solitários - pobres de nós ou que sorte a nossa! - que os desejam tanto; que torturam-se pela menor desventura que seja, a qual possam chamar amor. 

Pois bem. Alguns vivem a própria história de amor. Outros apenas escrevem...

O amor um dia pegou a rota contrária a que sempre fazia e, ao cruzar a esquina, encontrou um anjo triste. Quis aproximar-se, mas antes ficou observando a fisionomia angelical, lânguida, sem expressão alguma. “É de cera?”- pensou consigo. 

O anjo gemeu: 

-Ai!

-Que houve? – perguntou o Amor.

-Perdi a vida!- o Anjo lhe disse.

-Perdeu?

-Perdi! Agora não consigo encontrá-la. Decidi ficar aqui para ver se ela passa.

- E por que disse “ai”? 

-É que dói viver sem vida! – respondeu o Anjo.

-Quanto dói?- quis saber o amor.

-Tanto quanto a morte!

-A morte!? 

-Sim! O que é a morte senão ausência de vida?

-Então você morreu?

- Morri. Preciso encontrar a vida. Você por acaso não a viu? - perguntou o Anjo ao Amor.

- Na verdade não. De que outra forma poderia ajudar?

-Chore comigo, quem sabe a vida não volta – o Anjo com ar de súplica.

Foi assim que o Amor sentou-se ao lado do Anjo e choraram juntos toda uma tarde. O Anjo a ausência de vida, o Amor por solidariedade. E depois saíram cambaleando pela rua, ainda embriagados pelas lágrimas, isso por volta da meia-noite.

A Lua viu toda a cena. Ficou preocupada, pois em todas as suas fases jamais vira o Amor tão convalescente, ainda mais por uma vida qualquer. Ficou cheia de tudo aquilo, e desceu do céu para compreender melhor o que se passou. O Amor lhe contou, pois o Anjo estava tão compenetrado e absorto em sua falta que não conseguia falar, tampouco bater as asas.

A Lua entendeu tudo. Entendeu a dor do Anjo melhor que o Amor. Ela sabia exatamente o que era viver sem vida; apenas ficar em algum lugar do universo, reinando sozinha em meio à escuridão. Aproximou-se do Anjo e tocou delicadamente sua face dourada, agora sem brio. Não lhe disse nada. Sentou-se ao seu lado e beijou-lhe a testa. O Anjo pousou a cabeça em seu colo e cobriu-se com seu manto de cristal. Por fim, a Lua o levou consigo. Levou o Anjo sem vida para o céu, para adormecer para sempre em seus braços. 

Mas então foi o Amor quem se viu sozinho. Sozinho em plena madrugada. Todos passavam à sua volta, mas ninguém se interessou por sua dor. Ninguém lhe perguntou o que houve, nem chorou com ele. Ele chorou só e seguiu sem rumo até chegar a uma plataforma de trem. O último expresso passou e o Amor entrou, e se acomodou no último vagão. No banco em frente ao seu, uma criatura deslumbrante olhava pela janela. Ele teve a impressão de conhecê-la, mas não teve coragem de se aproximar. Mas reconheceu. Era a Vida. O Amor pegou o trem da Vida, com ela dentro. Ele não acreditava. A Vida que deixou o pobre Anjo em prantos e acabou por lhe acarretar parte daquele sofrimento por ter sido deixado só. 

O Amor foi então cortado por um sentimento frio, que de súbito tomou-lhe conta e o fez levantar-se sangrando. Ferido, aproximou-se dela, da Vida e indagou-lhe furioso:

- Apenas diga por quê? Por que o deixou? 

-Para morrer- respondeu-lhe secamente.

-Morrer? Você o queria morto?

-Não, eu é que queria morrer.

Amor ficou confuso.

-Para que queria morrer? 

-Para subir ao céu. Para morar na Lua! 

Vida olhou bem para Amor e viu que este sangrava. Então perguntou-lhe estremecida:

-O que houve?

-O Anjo morreu. Morreu por tua causa. A Lua o levou, e eu fiquei só. Uma dor atravessou-me  e me feriu profundamente.

-Por minha culpa...

-Sim, por tua culpa. 

Vida chorou, chorou tão alto e tão forte que sua alma se rasgou.

-Agora os dois sangramos. Abraça-me! Abraça-me Amor! - suplicou estendendo seus braços trêmulos.

O Amor a abraçou e choraram juntos. E beijaram-se. Estavam gelados quando foram encontrados pela manhã. "O Amor morreu pela vida. A vida morreu por Amor", era a manchete do jornal.

Aldenice Sousa


Por: Aldenice Sousa
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