Lembrei de um provérbio que diz que “o amor é para os tolos”. E é. E para os sábios, e para os loucos, para os comunistas, para os cegos, para os poetas e a comunidade em geral. Só não é para os solitários - pobres de nós ou que sorte a nossa! - que os desejam tanto; que torturam-se pela menor desventura que seja, a qual possam chamar amor.
Pois bem. Alguns vivem a própria história de amor. Outros apenas escrevem...
O amor um dia pegou a rota contrária a que sempre fazia e, ao cruzar a esquina, encontrou um anjo triste. Quis aproximar-se, mas antes ficou observando a fisionomia angelical, lânguida, sem expressão alguma. “É de cera?”- pensou consigo.
O anjo gemeu:
-Ai!
-Que houve? – perguntou o Amor.
-Perdi a vida!- o Anjo lhe disse.
-Perdeu?
-Perdi! Agora não consigo encontrá-la. Decidi ficar aqui para ver se ela passa.
- E por que disse “ai”?
-É que dói viver sem vida! – respondeu o Anjo.
-Quanto dói?- quis saber o amor.
-Tanto quanto a morte!
-A morte!?
-Sim! O que é a morte senão ausência de vida?
-Então você morreu?
- Morri. Preciso encontrar a vida. Você por acaso não a viu? - perguntou o Anjo ao Amor.
- Na verdade não. De que outra forma poderia ajudar?
-Chore comigo, quem sabe a vida não volta – o Anjo com ar de súplica.
Foi assim que o Amor sentou-se ao lado do Anjo e choraram juntos toda uma tarde. O Anjo a ausência de vida, o Amor por solidariedade. E depois saíram cambaleando pela rua, ainda embriagados pelas lágrimas, isso por volta da meia-noite.
A Lua viu toda a cena. Ficou preocupada, pois em todas as suas fases jamais vira o Amor tão convalescente, ainda mais por uma vida qualquer. Ficou cheia de tudo aquilo, e desceu do céu para compreender melhor o que se passou. O Amor lhe contou, pois o Anjo estava tão compenetrado e absorto em sua falta que não conseguia falar, tampouco bater as asas.
A Lua entendeu tudo. Entendeu a dor do Anjo melhor que o Amor. Ela sabia exatamente o que era viver sem vida; apenas ficar em algum lugar do universo, reinando sozinha em meio à escuridão. Aproximou-se do Anjo e tocou delicadamente sua face dourada, agora sem brio. Não lhe disse nada. Sentou-se ao seu lado e beijou-lhe a testa. O Anjo pousou a cabeça em seu colo e cobriu-se com seu manto de cristal. Por fim, a Lua o levou consigo. Levou o Anjo sem vida para o céu, para adormecer para sempre em seus braços.
Mas então foi o Amor quem se viu sozinho. Sozinho em plena madrugada. Todos passavam à sua volta, mas ninguém se interessou por sua dor. Ninguém lhe perguntou o que houve, nem chorou com ele. Ele chorou só e seguiu sem rumo até chegar a uma plataforma de trem. O último expresso passou e o Amor entrou, e se acomodou no último vagão. No banco em frente ao seu, uma criatura deslumbrante olhava pela janela. Ele teve a impressão de conhecê-la, mas não teve coragem de se aproximar. Mas reconheceu. Era a Vida. O Amor pegou o trem da Vida, com ela dentro. Ele não acreditava. A Vida que deixou o pobre Anjo em prantos e acabou por lhe acarretar parte daquele sofrimento por ter sido deixado só.
O Amor foi então cortado por um sentimento frio, que de súbito tomou-lhe conta e o fez levantar-se sangrando. Ferido, aproximou-se dela, da Vida e indagou-lhe furioso:
- Apenas diga por quê? Por que o deixou?
-Para morrer- respondeu-lhe secamente.
-Morrer? Você o queria morto?
-Não, eu é que queria morrer.
Amor ficou confuso.
-Para que queria morrer?
-Para subir ao céu. Para morar na Lua!
Vida olhou bem para Amor e viu que este sangrava. Então perguntou-lhe estremecida:
-O que houve?
-O Anjo morreu. Morreu por tua causa. A Lua o levou, e eu fiquei só. Uma dor atravessou-me e me feriu profundamente.
-Por minha culpa...
-Sim, por tua culpa.
Vida chorou, chorou tão alto e tão forte que sua alma se rasgou.
-Agora os dois sangramos. Abraça-me! Abraça-me Amor! - suplicou estendendo seus braços trêmulos.
O Amor a abraçou e choraram juntos. E beijaram-se. Estavam gelados quando foram encontrados pela manhã. "O Amor morreu pela vida. A vida morreu por Amor", era a manchete do jornal.
Aldenice Sousa