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Franklin Jorge, um escritor escatológico

Artigo de Chico Miguel

18/01/2017 16:26

FRANKLIN JORGE, O ESCRITOR ESCATOLÓGICO

Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras

Quando digo escatológico é metaforicamente significando o que, realmente, na filosofia grega, tinha o sentido de buscar o fim das coisas, das almas, do mundo, do universo. Franklin Jorge é um desses escritores que não medem distâncias nem sacrifícios para alcançar o sumo, a súmula da nossa cultura e civilização.

Franklin Jorge é, indiscutivelmente, um dos escritores brasileiros ainda em boa idade de produção, Portanto, não é nenhuma promessa. É, de fato, um mágico da palavra. Embora tenha nascido no Brasil e aqui permaneça, pelo seu estilo e modo de ver e sentir o homem e sua real situação como o enigma do Universo, é internacional, bem poderia ser francês ou inglês como Edgar Alan Poe, Balzac ou mesmo Shakespeare. E não brasileiro, escrevendo nessa língua tão doce e gostosa que é o português e por isto digamos que fora da imprensa internacional, como costuma fazer a mídia.

Meu espaço diga-se que é mais fechado ainda. Ele é jornalista da maior envergadura e eu vivo muito fechado, em virtude dos anos, dos males que me fustigam, das obras que também quero terminar, morando neste cubículo de mundo que é o Piauí. Não sei se vale a pena escrever alguma coisa. Espero que sim, pois está reunindo as matérias que falam sobre ele, numa espécie de fortuna crítica e, quem sabe, eu pudesse ter um cantinho lá no seu tesouro, nem que fosse pela amizade que nos une desde já um bom tempo.

É isto, afinal, que me move dar um depoimento crítico, uma opinião sobre o poeta, o romancista, o cronista, o crítico literário e o crítico de jornal, como um batalhador incansável na escavação da verdade que nos atormenta e terminamos por enganá-la pela força dos discursos intercalados da sociedade e a confusão que eles nos fazem.

Somos amigos, da forma como foi dita, ou seja, por escrito, visto que pessoalmente não nos encontramos. Talvez por isto me considere insuspeito. Ele é um poeta tão original que desiguala a poesia e os poetas contemporâneos. Com um Fernando Pessoa ou um Nietsche, pela força com abriram as portas do verbo, embora depois de passagem elas sejam novamente travada, eis os dois escritores que me vêm à lembrança quando me deito a ler os livros de Franklin Jorge. São tantas as suas obras que nem seria possível enumerá-las aqui. Mas “O livro dos Afiguráves” e “Spleen de Natal”, são os dois que me vêm à memória. Tem também “Gente de Ouro” e os tantos livros de poesia, uns poucos editados e outros ainda inéditos (pelo que tenho notícia, são dez). Editor de tantos jornais, sejam os normais ou os denominados “on line”, sua escrita é profunda e variada, sinal de que tenta abarcar o mundo pela arte, o que não é uma má ideia desde que os potentados comecem a sentir o fenômeno.

Sabemos ainda muito pouco de nós e muito menos das artes, das letras, da literatura, pois são tantos e ínvios os seus caminhos. Se pelo que sabemos for suficiente para que a nossa obra fique, a de Franklin Jorge ficará, com certeza. Eu disse, num poema, certa vez, que "tudo quanto existiu há sempre de existir" . E é nesta crença que nos baseamos, escritores e artistas.

Gostei muito de uma frase que Franklin Jorge escreveu, falando sobre Faulkner, aliás, outro autor que lhe é, em tamanho, semelhante ; em estilo, seguro; em imaginação, fabuloso: “Um escritor, se for um bom escritor, será arrastado por demônios, perderá a paz a decência, o orgulho, a honra, a felicidade e a segurança, desde que possa escrever, pois a arte não tem nada a ver com paz e alegria”. E acrescenta: “A impiedade seria um dos atributos mais notáveis do escritor que se compraz em sua arte e se mantém, permanentemente, ocupado” (Chatham, pg. 11/12).

Sua prosa, conforme referi num artigo de antes, sobre “O livro dos afiguráves”, sobre a cidade que estuda e sente suas pessoas (almas) mais significativas em popularidade e singularidade, é uma prosa vigorosa, de quem sabe o que faz, de quem se finca no que faz.

Finalmente, para saber quem é Franklin Jorge havemos que ler, reler e treler suas obras nem que seja porque duvide de Deus ou do Diabo, nem que seja porque duvide que a leitura vale a pena. Vale ser vivida em letra e espírito, mais do que a imagem de cores que desbotam. Ao contrário, a cada vez que abrimos uma página de Franklin Jorge, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, lá o encontra, lá duvida, lá espera, lá desespera, lá se vê também como um ser inacabado, embora vivo. Vivo por que? Vivo porque escreve, vivo porque lê, vivo por que ama desse amor esquisito que não precisa de nada - a não ser do som, da letra, da luz, do sentir em todos os sentidos.

  Desculpem-me, os leitores meus e de Franklin Jorge, pela pressa, se a conversa está comprida, corte-a, se o sono e o cansaço já chegaram sente-se, deite-se, pois sua obra é incomparável. Por isto mesmo, de propósito não falei em nenhum contemporâneo. Poderia ter lembrado O.G. Rego de Carvalho, mas como ele já se foi, respeitemos o seu silêncio, pois o que não é silencioso, o que é medo e o que não é mentira, tudo isto foi escrito e não passa. Embora diga a Bíblia que tudo passa. Mas a palavra não passará, justo por ser o que somos. E se fomos e se somos, não sumiremos. Assumiremos, nas nuvens, no céu ou na terra, na lua, no sol ou em qualquer estrela onde entraremos sem pedir licença, com a nossa luz, a “Irene”, do poema de Manuel Bandeira.

Fonte: Artigo original de Francisco Miguel de Moura
Edição: Inédito
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