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NORDESTE: A TERRA, A POBREZA E A CULTURA

Artigo inédito - chico miguel

22/03/2017 17:12

NORDESTE: A TERRA, A POBREZA E A CULTURA

Francisco Miguel de Moura, escritor, membro da Academia Piauiense de Letras.

Sabe-se que o Nordeste é discriminado no Sul e consequentemente os nordestinos, especialmente os que para lá se mudam em busca de trabalho. Embora tenha sido o Nordestino quem construiu São Paulo. Depois do fim da escravidão, nossa emigração começou e foi aumentando. Chegou um tempo, ainda recente, em que os estados do Sul e Sudeste, segundo consta pela imprensa, pensaram e falaram em separar-se do Nordeste. O Nordeste fez um balanço do que eles de lá perdiam e o que, em vista disto, ganhávamos. As cabeças pensantes chegaram à conclusão de que os ganhos e perdas se compensavam e o melhor mesmo seria todos se conservarem sendo o Brasil, este gigante da América Latina.

Neste bolo, é claro, entrava o Piauí, considerado o estado mais pobre da dita federação brasileira. Não sei se nosso Piauí é o mais pobre dos irmãos. Sei das riquezas do Piauí (ou pelo menos adivinho). Começamos como grandes criadores de gado, exportadores, industriais, etc. O início foi na Bahia. No livro “Roteiro do Piauí”, de Carlos Eugênio Porto, encontro o assunto assim resumido: “A criação de gado começou no Brasil, no governo de Tomé de Sousa, revelando-se de grande importância para a Colônia recém-descoberta. Importado da ilha de Cabo Verde, os navios que chegavam ao Brasil traziam novas cabeças que eram distribuídas entre os habitantes, estabelecendo-se o curioso sistema de pagamento às custas do rendimento de seu trabalho”.

Embora o Piauí não tenha nada, talvez somente a origem, com o modo que Portugal colonizou o Brasil, a “Terra de Santa Cruz”, pois os primeiros homens eram os bandeirantes e procuravam ouro e madeira para exportação imediata, abrindo caminhos pelos quais quase nunca mais voltariam. Não, o Piauí foi descoberto muito tarde e demorou muito a ser povoado. Era e continuou sendo uma terra de passagem entre Maranhão e Ceará. O ano 1514 é uma data simbólica. Só quando a cana-de-açúcar com seus engenhos já eram assentados em Pernambuco, o Piauí começou ser falado por causa de alguns dos seus acidentes – o rio Parnaíba, por exemplo. Assim, o apossamento das terras se deu lentamente. A indústria açucareira tinha necessidade de bois para mover as moendas; nas selvas, onde quer que houvesse uma fazenda, a necessidade de bois, também era muita, para puxar os carros e transportar o que precisassem os colonos. No Piauí – entre as serras já conhecidas e exploradas por causa da guerra contra o gentio e o grande rio Parnaíba - descobriram-se imensos campos cobertos de capim silvestre. E ali estabeleceram-se os primeiros currais, fazendas de gado que foram crescendo em número e quantidade de cabeças. Esse gado era exportado para as indústrias de Pernambuco e para a zona de mineração em Minas e Goiás, e daí sendo levado também para o Sul.

Passamos a ser muito falado, embora que não conhecido. A cantiga “O meu boi morreu / Que será de mim? / Manda buscar outro, Maninha, / Lá no Piauí”, tinha sentido: a realidade gritante. Quantos boiadeiros fizeram a vida levando boiadas para mais perto e mais longe deste Brasil?!

O Nordeste e o Piauí foram ricos. Muita gente o procurava para estabelecer-se como fazendeiro, pois a atividade era bastante rentável, embora que perigosa por causa do ataque dos índios e também dos malfeitores que infestavam a região, onde se apossavam da terra e escondiam-se da justiça.

Não se sabe nem quando foi que os fazendeiros começaram a ferrar seus rebanhos com um ferro em brasa – a marca da sua fazenda e do seu proprietário. No caso de haver um roubo, seria mais fácil encontrar o objeto e castigar o ladrão.

Com esses cuidados, os currais se multiplicavam sob a fiscalização dos vaqueiros. Continuava sendo fácil possuir um grande rebanho, pois pasto não faltava, salvo nas grandes estiagens, a partir de 1711, quando os fazendeiros tinham que procurar aonde levar o rebanho ou parte - sítios melhores e aguadas - enquanto vinham as chuvas para soltá-los novamente nos campos. Assim, os currais de criação multiplicaram-se rapidamente. O padre Cardim, em “Tratado da gente e terra do Brasil” registra “a posse, de um só homem, de 500 ou 1.000 cabeças , no seu tempo”.

Foi o engenheiro Gustavo Dodt quem escreveu, em algum lugar de sua obra, que as terras do Piauí não se prestavam muito para a lavoura. Talvez por isto, por intuição ou sapiência, quem veio colonizar o Piauí investiu no gado, inclusive por ser uma mercadoria que por si só se transportava. O historiador Carlos Eugênio Porto, registra que João de Amorim Pereira respondeu ao ministro da Coroa, em 08-04-1798, quando o rei se manifestava a favor da produção de alimentos para a subsistência da cidade: “A situação desta capitania é diametralmente oposta não só ao seu aditamento, mas ainda mesmo a sua conservação; as experiências têm mostrado e as razões seguintes o manifestam; em primeiro lugar, o terreno da capitania (Piauí) é incapaz da produção necessária para a sustentação dos seus habitantes, pois todos os gêneros que se consomem nesta cidade (Oeiras) vêm daqui a 10, 15, 20 léguas, em cavalos que apenas carregam 5 arrobas e fazem por dia 5 a 6 léguas de caminho, o que faz com que sejam mais caros do que em Portugal, sendo por mar conduzidos aos portos deste continente.”

Viu-se, naquele tempo, que ele tinha razão: as terras do Piauí não se prestavam à agricultura. Mas a verdade é outra: hoje está sendo provada. As terras são boas. Claro que não produzem como as do Sul. Não podem fazer concorrência a elas. Mas, para melhorar os efeitos das secas, existem as águas subterrâneas: o Piauí tem um dos maiores lençóis de água no subsolo. Só precisa que haja governos de vergonha, de caráter, de ousadia, juntamente com os trabalhos que estão sendo feitos na transposição do São Francisco, e o Nordeste chegará a ser um novo celeiro para o Brasil. A pobreza material que existe no Nordeste provém das suas políticas voltadas apenas para minoras. Só combatem os efeitos das secas e não suas causas. Políticos para adquirir votos com bolsas-famílias e outros refrigérios que fazem a pobreza dos mais pobres e a riqueza deles, os ricos. Outrora se chama isto de “indústria das secas”. Hoje está claro que é a corrupção da política geral do Brasil, tornando, enfim, o Nordeste como um todo, o filho enjeitado na Nação. Em compensação, o Nordeste é rico de tradições, artes e artistas fazem o Sul importar e deturpar. A cultura é um bem que se deve cultivar (é preciso o pleonasmo) e preservar. Porque é um bem e faz o homem mais feliz nas sociedades civilizadas.   

Fonte: Chico Miguel - Artigo próprio
Edição: Inédito
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