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Carta para um aliciador

A sua vítima, hoje aos 30 anos, me contou chorando o que você fez. "œEle estragou o único sonho que eu tinha na vida"

16/05/2017 10:47

Acho que você vai se surpreender de estar recebendo essa carta. Afinal, isso aconteceu há pelo menos 15 anos e talvez nem lembre mais. É que pra você não teve importância nenhuma. Mas, mesmo assim, eu decidi te escrever. É como uma forma de exorcizar o que você fez na vida daquela menina. Ou de muitas outras que você provavelmente aliciou. Ou será que ainda alicia? Você ainda é professor de educação física?

A sua vítima, hoje aos 30 anos, me contou chorando o que você fez. “Ele estragou o único sonho que eu tinha na vida”, disse ela, com um sentimento de tristeza que rasgou meu coração e encheu ele de revolta.

Logo você, que deveria alimentar sonhos, que deveria descobrir potenciais atletas e estimulá-los a serem campeões, acabou com a carreira de uma menina antes que ela começasse. E tudo por causa dessa doença que homens como você possui. Uma doença de caráter, pra dizer o mínimo.

Acho que ainda não conseguiu identificar sobre o que estou falando, então vou ser mais direta. É sobre uma menina magrinha, de cabelos longos cacheados, que sonhava em ser uma grande corredora. Tinha chegado a São Paulo recentemente, vinda do Nordeste para fugir da fome. De tão pobre, ela não poderia comprar um tênis novo. Usou o do primo, até rasgar.

E foi aí que você, com sua mente doentia, decidiu se aproveitar. Se ofereceu para remendar o tênis. Tão bondoso, né? Até parecia um cidadão de bem. Pois é, mas aí você chamou a menina pra longe das pessoas e começou a passar suas mãos sujas nela. Disse que tinha dinheiro, que poderia ajudá-la... Você é nojento, sabia!

Assustada, ela nunca mais voltou pra sua aula. Também não contou nada à mãe, que até hoje não entende por que a filha não quis mais correr. “Ele estragou o único sonho que eu tinha na vida”... Essa frase se repete na minha cabeça o tempo todo.

Eu não sei o seu nome, mas isso não faz tanta diferença agora. Me interessa mais saber que tipo de gente é você? Será que tem filhos? Filhas! O que seria capaz de fazer com elas? Quantos sonhos você já estragou?

Me preocupa imaginar que você pode ser qualquer um que anda por aí vomitando regras para sociedade. Pode ser considerado um pai de família, um bom marido, um bom filho. Pode nem ser tudo isso, mas dificilmente foi desmascarado como um abusador, aproveitador, estuprador (?), destruidor de sonhos.

O bloqueio que você causou naquela menina há 15 anos, só começa a ser desfeito agora, mas ainda lentamente. “É como uma coisa me segurando, dizendo que eu não sou capaz”, diz.

Mas ela é capaz, sim. Ela é maior do que o dano que você causou. E um dia você ainda verá aquela menina, hoje uma mulher, voltando a competir e, melhor, vencendo. E eu espero que você olhe pra ela, no topo do pódio, e lembre de tudo que fez. E que o remorso seja tão grande, a ponto de transformar você em um ser humano de verdade.

*Essa história é real. A vítima autorizou o blog a contá-la e leu o texto antes da publicação. "É preciso se libertar para dar continuidade ao meu sonho", disse ela.

Fonte: Nayara Felizardo
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