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Mochilando pelo Piauí

Caravana Piauí do Meu Querer percorre municípios e mostra a cultura, as belezas naturais e a história de nossa gente

26/12/2014 12:01

Texto e fotos: Samuel Brandão

O primeiro que luta é o Piauí - Monumento aos Heróis do Jenipapo em Campo Maior

Um baú de histórias e imagens se abre entre a imensidão do céu e a linha do horizonte, revela a expressão de vida de um povo forte e trabalhador, cordial e cheio de prosa. Uma terra vasta, cheia de campos marcados por ipês, rios, morros e santos, em cada lugar do Piauí se encontra um recanto, uma história esmaecida pelas tardes, esquecida muitas vezes do registro formal porém eloqüente se contada pela via da oralidade. Em comemoração aos 192 anos do Piauí, o jornal O Dia realiza a caravana Piauí do Meu Querer que percorreu ao todo vinte municípios do estado revelando parte de nossa cultura, as belezas naturais, a cordialidade do povo e a riqueza dessa terra sob o sol.

Campo Maior

Nossa viagem começa pela "Terra dos Carnaubais", a cidade de Campo Maior, uma terra que tem sua história marcada a sangue e glória pois foi lá que aconteceu a única batalha sangrenta pela independência do Brasil, a �€œBatalha do Jenipapo�€, apesar do derramamento de sangue e da influência desse conflito, esse episódio ficou muito tempo esquecido da historiografia nacional. Quem quiser conhecer mais dessa história deve visitar o monumento aos heróis do Jenipapo, um museu que contém muito da artilharia e instrumentos usados nessa batalha, além das indumentárias.

No Monumento do Jenipapo jazem os que lutaram pela nossa liberdade

Quando chegamos no município, em uma breve visita ao centro da cidade e ao mercado central, conhecemos o Sr Antônio Gomes da Silva que é deficiente visual de �€œnascença�€ e diz ter 5 empregos. Além de tocar vários instrumentos musicais, inclusive a rabeca, ele diz ser consertador de rádio e televisão, mecânico, pintor e por incrível que pareça, eletricista.

Senhor Antônio Gomes é rabequeiro, consertador, mecânico, pintor e eletricista.

Quem vai pela BR- 343 não tem como não se maravilhar com as planícies alagadiças tendo ao fundo a floresta de Carnaubais, esse é um dos principais símbolos do município, logo no começo da cidade somos recebidos pela imponente Serra de Santo Antônio uma formação rochosa que singulariza o horizonte campomaiorense e que no período chuvoso forma diversas quedas d�€™água e cachoeiras tornando-se o principal destino de ecoaventureiros. Pra quem quer conhecer mais, a cidade ainda possui o Açude Grande, a Barragem dos Corredores e a Catedral de Santo Antônio.

Pedro II

Jóias feitas com Opala em Pedro II

A cidade de Pedro II é terra de tesouros, se destaca pela produção de jóias feitas a partir da Opala, uma pedra preciosa presente em poucos lugares do mundo, a cidade também é cheia de grandes artistas como o casal Mestre Araújo e Verônica Amorim, os dois são artesãos, ele mestre santeiro, ela escultora, enquanto ele faz o sagrado, ela faz o profano. Mestre Araújo é dos principais nomes da arte santeira do Piauí e do Nordeste, é sobrinho de Mestre Expedito e muito de suas obras ganharam o mundo, inclusive, segundo ele, a  casa do Papa, o Vaticano. Dona Verônica aprendeu vendo o marido trabalhar, mas diferente dele suas temáticas são mais profanas, carnais, cotidianas como cenas de sexo, mulheres buchudas ou parindo, vendedoras de coco babaçu e pessoas trabalhando.

A simplicidade e beleza da obra de Mestre Araújo em Pedro II 

O mestre Araújo tem obras até no Vaticano

Pedro II é um verdadeiro exemplo para todas as outras cidades do Piauí, pois fez da cultura e da preservação dos seus casarios históricos, um meio de renda e de incentivo à apropriação histórico-cultural por parte dos seus cidadãos. Além da arquitetura bem preservada, a cidade é abençoada pela natureza pois no seu entorno existe um circuito ecoturístico de encher os olhos representado pelo Morro do Gritador, a Cachoeira do Salto Liso, o Olho d'água Buritizinho e a cachoeira do Urubu Rei, a mais alta do estado com cerca de 75 metros e esse nome não foi dado à toa, lá é local de descanso para inúmeros aves dessa espécie, o nosso condor piauiense.

Piripiri

Praça da Matriz de Nossa Senhora dos Remédios em Piripiri

Nossa próxima cidade é Perypery, ou mais facilmente chamada de Piripiri, terra de Chico dos Romances, poeta popular e cordelista. Pra encontrar ele é fácil, basta perguntar no mercado central onde fica sua barraca. Chegando lá, ele lhe recebe com toda cordialidade e �€œdá-lhe�€ verso, com seu microfone a pilha ajustado ao pescoço, que mais parece um rádio, ele abre o baú de sua vida e muito versa sobre o Piauí.

Com um microfone a pilha seu Chico dos Romances poetiza Piripiri

O Piauí de Hoje - Autor: Francisco Peres de Souza (Chico dos Romances)

"Oh! Deus, autor das ciências

Me proteja de per sí

Pra eu fazer um folheto

Sobre o nosso Piauí

A terra da carnaúba

Onde canta o bem-te-vi

�‰ um folheto que eu

Há tempos tinha vontade

De apresentar ao público

Essa grande novidade

Sobre o nosso Piauí

Para toda a humanidade

�‰ uma grande riqueza

Que o nosso Piauí tem

Aqui os homens trabalham

E as mulheres também

Pelo pão de cada dia

Pra não pedir a ninguém

Pois o Piauí é rico

Digo com toda certeza

Bonitos canaviais

Desta terra de grandeza

E garimpo de opala

Assim quis a natureza".

Piauí era Piauy e Piripiri era Perypery

Piripiri é uma cidade muito graciosa, quem for lá precisa conhecer o açude Caldeirão, a cachoeira de Bota Fora e a igreja de Nossa Senhora dos Remédios. O museu de Perypery também é uma boa pedida mas está passando por reformas e seu acervo está guardado em outra residência improvisada, em visita à essa residência conhecemos muito da história dessa cidade e de suas famílias, porém parte do acervo, principalmente alguns documentos antigos escritos à mão, estavam sendo guardados dentro de um banheiro em más condições, reflexo do descaso para com sua história e memória.

Esperantina

Praça da Matriz de Nossa Senhora da Boa Esperança em Esperantina 

Em Esperantina conhecemos Chico Museu ou só �€œMuseu�€, ele guarda tudo, toda sobra de história da cidade contada através de utilitários domésticos e outras quinquilharias tem seu lugar especial: ferro de passar à carvão, televisões e rádios, lampião, ex-votos, pele de cobra e uma �€œruma�€ de tralhas necessárias à memória da cidade. Outra figura muito interessante de Esperantina é o seu �€œZé Potin�€ que herdou a mesma profissão do pai, o Zé do Pote. Ele passa o dia sentado no seu barracão erguendo jarro, travessa e pote de barro. Depois de feita a peça, ele ainda usa uma argila especial de cor vermelha para dar o acabamento final. Quando perguntado se seus filhos seguirão sua profissão, ele diz que os meninos de hoje só querem saber é de videogame.

Filho de Zé do Pote nasceu o Zé Potin herdando a profissão

Ferro de passar à carvão, pele de cobra, rádio velho, aliás, tudo de velho. Qualquer sobra de história Chico Museu coleciona em Esperantina.

A cidade de Esperantina também foi agraciada pela natureza, é terra de várias cachoeiras entre elas a do Urubú, a maior do Piauí em volume de água. Formada pelo rio Longá, ela é divisa entre os municípios de Batalha e Esperantina e com evidência é uma das principais maravilhas das terras piauienses.

Cachoeira do Urubu 

Parnaíba

Porto das Barcas

Sossego é o sinônimo das cidades de Parnaíba, Luís Correia e todo nosso litoral, principalmente na época de baixa temporada. Depois de visitar algumas cidades bem calorosas do nosso Piauí, chegar em Luís Correia e sentir aquele vento incessante, além de banhar em praias límpidas pra tirar o famoso�€œcaé�€ é mais que satisfatório. Diferente de outras grandes cidades do nordeste, o litoral piauiense não é tão explorado turisticamente nesse período, exemplo disso são os poucos visitantes na orla de Luís Correia e as avenidas soterradas de areia da praia, mesmo assim, inúmeras são as possibilidades de turismo na região entre elas, o Delta do Parnaíba que entra na coleção de principais belezas do nosso estado.

Delta do Parnaíba, lugar onde o rio encontra o mar

O delta do Parnaíba é o único das Américas e se origina das ramificações do rio Parnaíba ao se encontrar com o mar formando diversas ilhas, mangues, lagoas naturais, igarapés e sendo o habitat de uma fauna silvestre bem diversa como macacos, caranguejos, peixes de quatro olhos e cavalo marinho. Uma visita ao Porto das Barcas em Parnaíba também está no roteiro, o lugar é cheio de bares, lojas de artesanato e um belíssimo centro histórico.

Castelo do Piauí

A magnifica e misteriosa Pedra do Castelo

Depois de vivenciar essa variedade de biomas e pontos turísticos de nosso estado com a visita ao litoral, novamente, descemos para o sul seguindo para Castelo do Piauí, conhecida como a Terra da Cachaça, da Pedra do Castelo, do Cânion do rio Poti e da cachoeira das Arraias, além de inúmeras outras belezas. Lá visitamos a casa de seu Antônio Cabôco que faz um trabalho muito interessante, a arte em couro. Tudo que é vestimenta de couro, ele faz: gibão, celas, chapéus para os vaqueiros da região e até capa de celular.

A indumentária do vaqueiro, Antônio Cabôco sabe fazer em Castelo do Piauí

O cânion do Rio Poti é uma carta na manga das belezas naturais do Piauí, pois se trata de uma fenda geológica formada pelas correntezas desse rio durante milhões de anos que deu origem à inúmeros paredões rochosos com formatos e texturas bem peculiares alguns chegando a 60 metros de altura. O Cânion é uma carta na manga para o turismo piauiense por que tem um difícil acesso e quase nenhuma infra-estrutura para receber o turista, porém, é indiscutível a sua magnitude natural em meio ao cerrado piauiense.

Cânion do rio Poti 

Quem quiser conhecer um pouco da história de Castelo tem que visitar o museu do Tito, Francisco Nilo Cardoso Filho, um �€œfiguraça�€ que por iniciativa própria reuniu um grande acervo de instrumentos e materiais que informalmente contam parte da história do município, sua grande reclamação é não ter um bom lugar para guardar tanto objeto. No momento, o museu se encontra em uma casa alugada e o seu Tito pede encarecidamente ao novo governador ou outra entidade, um terreno para que possa construir a sede do museu de Castelo do Piauí. Em visita à alguns municípios piauienses percebemos que muitos museus são criados por iniciativa particular e são benefício para toda a comunidade, porém não é dado o devido valor à preservação da história e memória dessas cidades e não existe um incentivo de apropriação disso por parte da sociedade, e parafraseando Paulo Machado, poeta piauiense,  �€œo crescimento de uma cidade é como um estilingue, quanto mais se volta ao passado, mais a cidade se projeta ao futuro�€.

Oeiras

Igreja de Nossa Senhora da Vitória em Oeiras 

Saindo de Castelo, nosso destino agora é a primeira capital do Piauí, Oeiras, nela encontramos dona Antonieta, a �€œNieta�€ do grupo Bandolins de Oeiras que nos recebeu muito bem em sua casa e falou das conquistas que o grupo teve durante suas apresentações, entre elas as inúmeras viagens pelo Brasil, a visita ao ex-presidente Lula e a entrevista no programa do apresentador Jô Soares. Hoje devido à idade avançada das �€œbandoleiras�€ o grupo já não se apresenta mais e outros músicos na cidade tentam seguir o caminho trilhado por elas, para reavivar a tradição.

Dona Maria Antonieta do Grupo Bandolins de Oeiras

Oeiras é uma cidade que respira história, foi tombada pelo IPHAN no ano de 2012 e hoje é patrimônio cultural nacional. Um passeio por suas ruas, igrejas, museus e casarões nos reporta ao período de desenvolvimento econômico da cidade enquanto capital do estado e das famílias oeirenses, hoje essa história faz parte da memória saudosista e silenciosa das tardes do Piauí. Quem quiser conhecer mais sobre o seu apogeu enquanto capital deve visitar o Solar das Doze Janelas, o museu de Arte Sacra, a Casa da Pólvora e a Igreja Barroca de Nossa Senhora da Vitória.

Picos

Igreja de Nossa Senhora dos Remédios em Picos

Uma das igrejas mais lindas e majestosas do Piauí, senão a mais bonita, se encontra na cidade de Picos, é a catedral de Nossa Senhora dos Remédios que foi construída seguindo um estilo neogótico, uma raridade aqui no Piauí. Ela foi eleita uma das grandes maravilhas do estado e impressiona pelo tamanho e pelo seu conjunto de vitrais.

Em Picos conhecemos um entusiasta da religiosidade e da história do município, o seu Albano Silva, diretor do museu Ozildo Albano, que conhece e cuida de cada pedacinho do acervo do museu de sua família e que, diferente de outros do Piauí possui uma ótima estrutura física, com um acervo bem organizado e salas climatizadas. Entre as peças principais do acervo estão imagens sacras do período Colonial, do Império e da República, utensílios rupestres e documentos que revelam não só a história do município mais a de todo o estado.

Imagens sacras do período do Império no museu Ozildo Albano 

Floriano

Inspiração árabe na arquitetura de Floriano

A princesa do sul, como é conhecida carinhosamente Floriano é uma das cidades mais prósperas do estado, tem uma arquitetura muito peculiar com uma forte influência da cultura árabe, exemplo disso são os vários casarões no centro da cidade com o arco das portas e janelas com esse formato. Outra grande peculiaridade da região é a cerâmica branca, lá em Floriano conhecemos o senhor Manoel Pereira que é ceramista e nos mostrou o impressionante estado da argila que ele extrai na cor preta e que durante o processo de queima fica incrivelmente límpida e ganha a cor branca, seu Manoel ao explicar diz que é �€œcoisa de Deus�€.

A argila negra que vira cerâmica branca em Floriano

Quem vai a Floriano também não pode deixar de visitar o cais do Rio Parnaíba com seu flutuante, o Espaço Cultural Maria Bonita e o Terminal Turístico Beira-Rio.

Amarante

A vista imponente do Morro de Santa Cruz em Amarante

Depois de longos e bem calorosos oito dias de viagem chegamos a nosso último destino, Amarante, a cidade que tem o mais belo cais do rio Parnaíba com vista para o imponente morro de Santa Cruz no lado do Maranhão. Por conta do relevo acidentado, da perspectiva do Morro de Santa Cruz e do rio Parnaíba passando pelo município, a vista da cidade cativa o viajante como quem pudesse abraçá-la com todo o olhar. Amarante tem uma arquitetura de encher os olhos, vários são os seus casarios históricos com forte influência portuguesa, com seus azulejos e janelas, e que remontam à história do desenvolvimento econômico da região que era um dos principais entrepostos comerciais no século passado.

O museu Odilon Nunes conta muito da história das famílias amarantinas e tem esse nome em homenagem a um dos mais representativos historiadores do Piauí, nessa casa podem ser encontrados diversos objetos, móveis e instrumentos, além de fotografias e livros do poeta Da Costa e Silva, que escreveu a letra do hino do Piauí.

Piauí é chão, terra, natureza, gente e história, é sina, há muito ainda o que revelar nosso estado, o que plantar e o que colher, o que preservar e o que escrever, o que lutar e o que unir, o que trabalhar e o que produzir, nosso povo é forte para isso, desejamos que os novos gestores vejam com cuidado e responsabilidade a sua gente, pois potencial temos, gente trabalhadora também e uma história marcada a ferro, a fogo, a sangue e glória, parabéns pelos seus 192 anos Piauí.

Fonte: Mochileiros do Piauí
Edição: Samuel Brandão
Por: Samuel Brandão e Camila Carvalho
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