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Escolas particulares ultrapassam carga horária e ofertam mil horas anuais

Quantidade de tempo de ensino está causando polêmica na cidade e categorias dividem opiniões.

25/11/2017 07:59

Em seu processo de desenvolvimento, a Capital do Piauí ganhou diferentes destaques. Os polos de saúde e a educação, por exemplo, fazem parte dos setores de referência de Teresina para o resto do Estado e também de todo o país. Especialmente na área de educação, que levou escolas da Capital a se destacarem anos seguidos entre as melhores do Brasil, uma discussão tem dividido opiniões: o fim das aulas aos sábados. Isto porque uma petição encabeçada pelo juiz federal Márcio Braga Magalhães propõe o fim das aulas durante o fim de semana nas escolas de Teresina.

A discussão mobiliza setores diversos da sociedade, entre elas as escolas, professores, familiares, alunos e entidades de classe. Os aspectos levantados pela proposição perpassam, principalmente, pelo argumento de que a elevada carga horária escolar tem afetado a qualidade de vida dos estudantes e familiares.

Enquanto o Ministério da Educação estabelece, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), o mínimo de atividades letivas de 800 horas anuais, distribuídas em no mínimo 200 dias de trabalho es colar, algumas instituições de Teresina ultrapassam a oferta de mil horas/aulas anuais.

A informação é do presidente do Sindicato dos Professores e Auxiliares da Administração Escolar do Estado do Piauí, Waldemir Menezes. “Essas aulas aos sábados acontecem naquelas escolas que a sociedade elege como as de ponta. Há uma competição inclusive entre as próprias escolas. A média desses locais, que me referi anteriormente, passa de mil horas aula. Temos realmente uma carga excessiva”, esclarece.

Waldemir Menezes defende ampla discussão sobre o tema antes de decisão (Foto: Elias Fontinele/O Dia

Mas o presidente destaca que a discussão deve ir mais além de pontuar a quantidade de tempo de ensino. Apesar da categoria ainda não ter uma posição definida, Waldemir lembra que sua visão é baseada no entendimento que não deve ser algo imposto a obrigatoriedade para o fim dessa carga horária.

“Nós temos hoje em Teresina em torno de 600 escolas particulares, dessas, na faixa de 30 a 40 têm essa carga horária excessiva aos sábados, o que dá uma opção muito grande para quem não quer se submeter a aulas aos fins de semana. Está sendo argumentado que o uso do sábado está tirando o espaço da criança e do adolescente, que em virtude disso está se tornando mais estressado e mais uma série de inconvenientes; pode até ser que seja, mas existem escolas que não têm aulas aos sábados e essas angústias continuam latentes. Então, é preciso pensar de forma global”, considera.

Para ele, o debate deve ser amplo, já que não envolve apenas estudantes e suas famílias, mas também outras categorias profissionais como professores e auxiliares de educação. “Se fala em tirar o sábado pensando no bem-estar do jovem, nesse aspecto, é 100% viável; mas volto a questionar: será que toda a angústia do jovem é devido a isso? Retirar o sábado também envolve consequências quer seja para o professor ou para o auxiliar, porque para um trabalhador horista isso vai trazer perda”, ressalta Waldemir.

Estudantes pedem mais equilíbrio na distribuição da carga horária

É fato que a discussão sobre o fim das aulas aos sábados mobiliza um grande leque de agentes na sociedade, mas são os estudantes um dos entes mais afetados quando o assunto é a carga horária elevada das escolas. Na discussão, os alunos avaliam que há necessidade de um maior equilíbrio entre a possibilidade de uma proposta pedagógica que seja exigente, mas não desgastante.

Pedro Henrique, de 15 anos, faz o primeiro ano do Ensino Médio, mas desde o nono ano, começou a sentir a alta demanda de carga horária no colégio afetar sua qualidade de vida. Aos sábados, por exemplo, além das aulas pela manhã, das 7h às 13h30, o jovem ainda tem simulados no período da tarde.

“As aulas dias de sábado tornam o aluno muito sobrecarregado. No ritmo da minha escola, a gente faz prova durante a semana e ter isso aos sábados torna tudo muito desgastante. Na quinta, às vezes, vou para a escola às 7h e volto para casa 19h. É muito intenso”, considera.


Aos sábados, Pedro Henrique, além das aulas das 7h às 13h30, ainda tem simulados no turno da tarde (Foto: Elias Fontoinele/O Dia)

A mãe do jovem, Marléia Freitas, critica o modelo adotado. “Isso torna muito exaustivo para o estudante e para os próprios familiares, que têm que pegar, deixar e participar da vida escolar. Acho que poderia existir um maior equilíbrio para que eles não se desgastassem tanto”, avalia a mãe. Marléia ressalta que a exaustão reflete inclusive no desempenho dos alunos. “No início do ano, as notas são sempre boas e isso segue até próximo das férias. Eu noto que, já no fim do primeiro semestre, o desempenho começa a cair e é retomado após as férias. Mas agora, no fim do ano, as notas caem porque há um cansaço latente”, destaca.

Fato também lembrado pelo filho. “Tirei notas boas o ano inteiro, mas agora começa a cair”, afirma. João Santos, que faz o segundo ano e enfrenta um ritmo parecido, concorda com o fim das aulas aos sábados. Para ele, a preparação semanal já é suficiente para o aprendizado.

Modelo de educação influencia no processo de ‘adultização’ de estudantes

“O que você quer ser quando crescer?”. A pergunta tão usual na sociedade é feita de forma despretensiosa, mas ela aponta sobre um importante aspecto em que o debate acerca das exigências das aulas aos sábados aponta: a pressão em cima dos estudantes. Para a psicóloga clínica e analista do comportamento, Hadassa Pinheiro, as crianças e adolescentes têm passado por um processo de ‘adultização’ por conta do atual cenário.

“Há todo um contexto por trás do que hoje assumimos como normalidade dentro dos colégios. Em um certo ponto, os pais e os estudantes começaram a ser pressionados por esse contexto, vendo poucas vagas de trabalho, em Estado pobre, poucas vagas em instituições públicas de educação superior. Essa realidade pressiona os pais, no sentido de que, para você ser muito bom, você vai ter que ter um resultado elevado e eles acabam por ver resultado nesse modelo de educação. Isso gera um processo que a gente chama de adultização. Essa pressão por resultados em cima das crianças e adolescentes é um dos fatores da adultização”, considera Hadassa.

A psicóloga lembra que o período da vida escolar por qual passam as crianças e adolescentes é necessário para que se tenha a oportunidade de descobrir a vida lentamente. Mas o atual cenário não abarca a demanda por completo, já que, desde os primeiro anos, é incutido nesse ser humano o que ele deverá e poderá ser com elevada antecedência.

“O problema é que no meio dessa construção têm pessoas. Pessoas que são vulneráveis, pessoas que física e psicologicamente não estão preparadas para essa avalanche de conteúdo, para essa falta de lazer e cobranças exacerbadas”, afirma.


Hadassa Pinheiro destaca importância do repouso nessa fase de aprendizagem (Foto: Jailson Soares/O Dia)

A associação feita pela psicóloga também perpassa pela saúde física dessas crianças e adolescentes. Ao dedicar a maior parte do tempo para atividades curriculares, falta oportunidade não só de um convívio social mais intenso, mas também para práticas esportivas e de interações outras. Isso acarreta o que tem acontecido na sociedade que, cada vez mais cedo, apresenta pessoas com pouca idade com sobrepeso e doenças associadas, como diabetes e pressão alta.

“Hoje, eu vejo que uma fala frequente nos pais, além da falta de oportunidade de interação social e lazer dos seus ilhos, é a falta de repouso. Os pais estão extremamente incomodados porque são crianças que dormem seis, cinco horas por dia. Se eu durmo pouco, eu não vou conseguir resgatar a aprendizagem. Assim, são muitos prejuízos que temos tido”, airma.

Analisando todo esse cenário, para Hadassa, a ideia é que a lei não apenas venha abolir, que ela tenha esse sentido proibitivo, mas que ela possa colocar os pais mais próximos à escola. “Isso vai servir para que todos possam deinir: que educação nós queremos? Como vamos construir daqui para frente? Temos que buscar um modelo mais saudável, que é possível”, inaliza.

Professor destaca necessidade de aproximação dos pais e da escolas

 Muito mais que discutir a retirada de um dia letivo para os estudantes, o debate que se abre a respeito da carga horária excessiva das instituições de ensino em Teresina também aponta para um prisma importante na visão do professor Elielson Santana, que há 16 anos atua em diversas salas de aula. O profissional destaca: é hora das escolas se abrirem para ouvir os pais.

A educação acontece a partir da contribuição dos diversos entes da sociedade e a família e a escola são bases nesse processo. “De acordo com as diretrizes da educação, existe a formação social e emocional do indivíduo no processo de educação, depois que ele vai se preparar para a atividade profissional. Eu não posso tornar a criança um ser que cria a perspectiva da profissão imediatamente. A educação é uma formação contínua, pais, escolas e os demais entes da sociedade têm de estar envolvidos”, afirma.


Elielson Santana diz que é hora das escolas se abrirem para ouvir os pais (Foto: Elias Fontinele/O Dia)

O professor faz críticas ao modelo de competição estabelecido desde que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) começou a ranquear a posição das instituições de ensino pela nota dos estudantes, alcançadas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) - prática encerrada na última edição.

“Toda essa trajetória aconteceu por conta daquele ranking que o Enem cobrava - e deixou de cobrar esse ano - que saía as escolas em níveis de colocação. As instituições passaram a fazer um processo de exclusão, abrindo mais turmas no início do processo escolar que iam se restringindo ao passar do tempo. Ao chegar no Ensino Médio, uma ou duas turmas concentravam os melhores alunos. Por isso, a nossa educação em dado momento passou a se preocupar com a competitividade e não com a formação do indivíduo”, pontua.

Por isso, para Elielson, as demandas discutidas a partir da petição são justas e chegou o momento do debate a respeito do atual modelo de educação ser esmiuçado. “Os pais estão pedindo um pouco mais de relação com a escola, as reuniões têm que acontecer com mais frequência. Eu, como professor tenho que escutar e ser escutado, o clamor dos pais é justo, é necessário e precisa ser compreendido, absorvido e discutido pela escola”, finaliza.

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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