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Apartheid social: muro divide duas realidades na zona Leste de Teresina

Desigualdade acentuada é exposta por realidades completamente distintas entre ricos e pobres que vivem lado a lado.

04/06/2017 08:43

De um lado um conjunto habitacional construído pelo Programa Minha Casa Minha Vida para famílias de baixa renda. Do outro um residencial com imóveis avaliados em torno de R$ 150 mil. Apesar de ocuparem o mesmo espaço geográfico, as duas realidades são distintas.

Famílias humildes sofrem com descaso do poder público (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

Com 224 casas, o residencial Jardins do Leste é habitado, predominantemente, por famílias de classe média. De acordo com o presidente da associação de moradores, Paulo Amorjales, os proprietários se organizam para resolver os problemas que vão surgindo, sem esperar pelo poder público. “Nós que fazemos a manutenção do poço que abastecesse o residencial e do calçamento, além disso, também contratamos um segurança particular para fazer o reforço aqui no residencial”, conta o presidente.

Enquanto isso, no conjunto habitacional Árvores Verdes, a falta de água, de segurança e a precarização do transporte público são problemas recorrentes. Segundo a doméstica Maria José, moradora do conjunto Árvores Verdes há seis anos, assaltos e furtos são comuns no local. Para garantir a segurança dos imóveis, boa parte das residências possuem grades instaladas nas portas e janelas.

Já os moradores do residencial Jardins do Leste foram além. Após uma série de arrombamentos em imóveis, eles decidiram construir um muro – que chega a interromper algumas ruas. A ideia surgiu como “solução” para separar o residencial e o conjunto, uma vez que os moradores do Jardins do Leste acreditavam que os invasores estariam vindo do Árvores Verdes.

Famílias humildes e de classe média moram lado a lado na zona leste, mas são separadas por muro (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

Paulo Amorjales explica que, apesar da cerca de arame que separava os residenciais nos primeiros anos após a inauguração do Jardins do Leste, várias casas foram invadidas e delas foram subtraídas eletrodomésticos e bens pessoais dos moradores. Segundo ele, os invasores utilizavam pés de cabra para arrombar os portões das casas. “O pessoal pulava a cerca e arrombava as casas. Por isso, nós fizemos uma assembleia e decidimos substituir a cerca pelo muro”, justifica o presidente, acrescentando que desde a instalação do muro, há cerca de sete meses, não houve mais arrombamentos nos imóveis do Jardins do Leste.

O presidente da Associação argumenta ainda que não há motivos para os moradores do conjunto habitacional frequentarem o residencial, pois não há estabelecimentos comerciais no local. “Não há porque deixar aberto, porque só entra no residencial quem vai visitar. Nós não temos nenhum ponto comercial dentro do residencial, todos os imóveis são residências, então, a não ser que você vá visitar um dos moradores, não há por que entrar”, alega.

Muro construído interdita algumas ruas, segundo moradores (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

A socióloga Diana Duarte explica que a construção do muro demonstra um fenômeno de segregação residencial urbana. Para ela, a violência é usada como retórica para justificar a separação por meios materiais (através de muros ou cercas) ou por meios simbólicos (através de marcadores sociais que dividem pobres e ricos).


“Em função do medo e da violência, os cidadãos adotam estratégias de proteção que modificam os padrões da residência e da própria trajetória da paisagem urbana, como um muro que interrompe ruas. Esse medo é usado como justificativa para modificar o espaço de interação pública, dividindo os que devem ser protegidos dos que causam a sensação de insegurança”, esclarece. 


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Os pobres moram longe

A socióloga Diana Duarte destaca que a segregação residencial urbana é um fenômeno aliado a questões de desigualdade social. A pesquisadora explica que a marginalização urbana constrói uma forma de organizar as diferenças sociais.  Temos como exemplos o fato de conjuntos habitacionais e residências de pessoas de classe baixa e classe média baixa (como o conjunto Árvores Verdes) estarem, em sua grande maioria, localizados longe dos centros urbanos.

Para a assistente administrativa, Vanessa Alencar, moradora do residencial Teresina Sul, a falta de transporte público é o principal problema para quem mora no conjunto habitacional. Ela precisa sair de casa todos os dias às 6 da manhã, para chegar ao trabalho localizado na Avenida Frei Serafim às 8 horas. “Esse é o maior problema, os ônibus demoram demais para passar”, conta.

Assim como para Vanessa, a professora Hildene Alencar, moradora do residencial Eduardo Costa, também acredita que os principais problemas para quem vive no local é a falta de segurança e de transporte coletivo. Ela explica que também não há escolas ou postos de saúde nas proximidades. “Às vezes aqui é bastante perigoso, já houve vários assaltos. Sempre falta água e luz demora muito para voltar”, diz a moradora.

A construção de imóveis em zonas periféricas se dá principalmente pelos baixos valores dos terrenos onde foram construídos. No entanto, a localização dessas moradias muitas vezes não proporciona acesso a serviços básicos como escolas, postos de saúde e espaços de lazer. 

Por: Nathalia Amaral
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