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Centrais de atendimento de urgência têm estrutura modesta no Piauí

PM-PI faz pesquisa de satisfação e estuda lançar aplicativo. Samu tem poucos trotes, mas transferência de pacientes entre hospitais atrapalhava serviço.

20/08/2017 08:04

A qualidade dos serviços de atendimento de emergências via telefone foi colocada em xeque nos últimos dias depois que vieram a público dois exemplos de completo despreparo dos profissionais responsáveis por auxiliar os cidadãos nos momentos em que eles mais precisam.

O primeiro caso ocorreu no Rio de Janeiro. Um homem que testemunhou um assalto ligou para a central 190 da Polícia Militar do estado para solicitar a presença de uma viatura no local do crime, mas acabou desistindo do pedido de ajuda depois que o atendente fez uma série de perguntas desnecessárias, esgotando a paciência do cidadão que estava do outro lado da linha.

A testemunha do assalto relatou com precisão o local onde o crime ocorreu, informando como ponto de referência o cruzamento de duas vias conhecidas da capital carioca. Mesmo assim, o atendente continuou a pedir que o cidadão informasse outros pontos de referência.

O outro caso ocorreu em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Um advogado foi baleado numa tentativa de assalto, e, ao entrar em contato com o Samu, uma mulher que ajudou a vítima acabou sendo destratada pelo médico responsável pela liberação das ambulâncias. 

O profissional, cuja função é prestar socorro às vítimas de forma ágil, fez justamente o contrário. Mostrando-se bastante impaciente, o médico chegou a usar palavras de baixo calão e disse que a ambulância do Samu só seria enviada depois que uma equipe da Polícia Militar chegasse no local da ocorrência.

Diante desses dois eventos que deixaram a população perplexa e revoltada, o portal O DIA decidiu fazer um levantamento para averiguar a qualidade do funcionamento das principais centrais de atendimento ao cidadão no Piauí.

O major Moisés Marcius de Moura Andrade, chefe do Copom (Centro de Operações Policiais Militares), informou que a corporação chegou a contratar uma empresa de telemarketing para realizar os atendimentos aos cidadãos por meio do 190 - como ocorre no Rio de Janeiro. Porém, a PM-PI não ficou satisfeita com o serviço prestado pela empresa e decidiu cancelar o contrato. O setor, então, voltou a ser operacionalizado pelos próprios PMs. 

O major Marcius Andrade, chefe do Copom, comanda a central 190 (Foto: Letícia Santos / O DIA)

"Nós já tivemos essa terceirização aqui. Entretanto, nós percebemos que o terceirizado não trabalha com o mesmo compromisso que o policial militar é obrigado a ter. Então, há cerca de dois anos nós deixamos de usar terceirizados aqui no 190. Porque muitos dos terceirizados, inclusive, não têm o senso de responsabilidade com a segurança pública. Alguns chegavam até a discutir com a pessoa que estava ligando. E hoje isso dificilmente acontece, porque os policiais sabem que, até quando são incompreendidos, eles precisam manter uma linha de atendimento satisfatório para a sociedade", afirma o major.

Boa parte dos policiais lotados na central 190 da PM-PI são mulheres (cerca de 70%) e estão em início de carreira, mas há também policiais mais experientes. 

Por questão de segurança, o chefe do Copom optou por não informar a quantidade de policiais que se revezam no trabalho de atendimento aos cidadãos. Mas a reportagem observou que, no momento da entrevista, feita na manhã da última sexta-feira (18), menos de vinte policiais realizavam atendimentos na sala reservada para a central, que fica no primeiro andar do Quartel do Comando Geral (QCG) da PM-PI.

PM-PI chegou a contratar empresa de telemarketing para atender a chamados via 190, mas serviço não correspondeu às expectativas e contrato foi cancelado (Foto: Letícia Santos / O DIA)

O major reconhece que nem sempre a equipe consegue realizar um atendimento com total eficiência, mas ele enfatiza que todos os militares lotados no setor trabalham com extrema dedicação, buscando agilizar a resposta da PM aos cidadãos que pedem ajuda por meio do 190.

Mesmo com o número reduzido de policiais atendendo à população na central 190, o chefe do Copom garante que o tempo médio de ligação é satisfatório.

"Claro que há falhas. Todo profissional está sujeito a falhas. Acontece. Mas o compromisso em atender de forma eficiente é o que deve prevalecer", opina Marcius Andrade.

No Piauí são realizados entre 9 e 10 mil chamados por mês. Desse total, em cerca de 10% dos casos as equipes deslocadas não conseguem encontrar a ocorrência relatada - na maioria das vezes por se tratar de trotes. "Eu entendo que esse índice é elevado, porque a gente quer conscientizar essas pessoas que brincam com isso para a gravidade desse comportamento. É um ato muito irresponsável, mas que infelizmente ainda acontece", afirmou o major Marcius.

Mesmo tendo amargado um crescimento dos índices de violência neste início de século, o Piauí ainda possui, em números absolutos, um número de crimes bem inferior ao do Rio de Janeiro. Uma das razões pelas quais a PM-PI pôde dispensar a utilização dos serviços de uma empresa de telemarketing, colocando exclusivamente policiais para atuar na central 190.

Por outro lado, o trabalho de policiamento ostensivo nas ruas acaba sendo prejudicado quando se destina parte do efetivo da corporação para se dedicar exclusivamente ao recebimento chamados. E este problema só pode ser solucionado através do aumento do efetivo de policiais militar, com a realização de novos concursos públicos.

Segundo o major Marcius Andrade, a PM-PÌ não planeja voltar a terceirizar a central 190, mesmo que a demanda cresça muito - o que, naturalmente, pode ocorrer ao longo dos anos. 

Nesse processo, a Polícia Militar acaba contando com a ajuda da tecnologia. No início de 2016 a corporação passou a divulgar os números de Whatsapp dos celulares funcionais que ficam com as equipes de todos os batalhões. A medida, de acordo com o chefe do Copom, ajudou bastante na prestação do serviço.

PM-PI estuda lançar aplicativo

O chefe do Copom revelou ao portal O DIA que a PM-PI estuda, juntamente com o secretário Fábio Abreu, a possibilidade de lançar um aplicativo para smartphones com a função específica de realizar denúncias à Polícia Militar. 

O app teria um funcionamento semelhante ao do "Salve Maria", destinado a comunicar atos de violência contra a mulher. Neste caso, porém, todo tipo de crime poderia ser informado por meio da ferramenta.

Oficiais fazem pesquisa de satisfação

Andrade informou também que um grupo de capitães da corporação está realizando uma pesquisa de satisfação externa e interna, justamente com o intuito de avaliar se o serviço de atendimento via 190 está sendo prestado de forma satisfatória pela PM-PI. A pesquisa é uma das atividades que está sendo desenvolvida pelos oficiais num curso de especialização em "Gestão da Segurança Pública" oferecido pela SSP.

"Eu enviei para esses capitães os números de telefones de vários usuários que ligaram pra cá. Eles vão ligar de volta para essas pessoas e vão peguntar o que elas acharam dos atendimentos que receberam. Além disso, os capitães vão conversar com os próprios atendentes. Isso já será um passo para nos nortear, detectar falhas e saber como podemos melhorar. Nosso objetivo é melhorar sempre", enfatiza Marcius Andrade.

Samu realiza média de 3.500 atendimentos por mês

O diretor-médico do Samu, Dr. José Ivaldo, informa que, atualmente, a central conta com cerca de 350 funcionários, incluindo os profissionais que ficam na central, atendendo às ligações, e as equipes de para-médicos que se deslocam até os locais das ocorrências.

Cada plantão do Samu conta com oito profissionais atuando na central de atendimento, fora aqueles que integram as equipes de paramédicos que prestam os primeiros-socorros (Foto: Samu Teresina / Divulgação)

A central do 192 conta com cinco telefonistas, três médicos e um rádio-operador por plantão. A presença dos médicos é necessária para que eles possam passar as orientações iniciais às pessoas que estão ao lado do paciente, inclusive sobre a realização dos procedimentos de primeiros socorros. Ademais, apenas os médicos podem autorizar a liberação da ambulância, já que eles estão capacitados a discernir quais casos precisam, de fato, da assistência de uma equipe do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência.

"Temos dois tipos de ambulância. As básicas contam com o condutor do veículo e um técnico de enfermagem. Enquanto as avançadas, que são UTI móveis, possuem também um médico e um enfermeiro, além do técnico e do motorista, totalizando quatro pessoas na equipe", explica José Ivaldo.

Apenas no Samu sob responsabilidade da Prefeitura de Teresina, que também atende solicitações de Piripiri e de Campo Maior, são realizados 3.500 atendimentos por mês. Desse total, em 85% dos casos ocorre a liberação de ambulâncias. Nos demais, quando se constata que não se trata de uma situação de urgência ou emergência, a equipe da central 192 dá as orientações necessárias de como proceder com o paciente, permitindo que ele possa se deslocar até uma unidade de saúde por conta própria, assim que possível, sem a necessidade de uma ambulância.

"Às vezes as pessoas ligam achando que precisa de uma ambulância, mas aí o médico observa que não precisa. Então, ele fala o que a pessoa deve fazer inicialmente, e orienta que o paciente procure posteriormente o serviço ambulatorial de alguma unidade de saúde", destaca José Ivaldo.

Central do 192 tem poucos trotes, mas transferência de pacientes entre hospitais atrapalhava serviço

O número de trotes feitos para o Samu é bem inferior ao observado na central da PM-PI. De acordo com José Ivaldo, apenas 0,5% dos chamados são de falsas ocorrências. Ainda assim, o diretor ressalta que o ideal seria que o Samu não recebesse nem um trote sequer, pois cada equipe que se desloca para falsas ocorrências acaba deixando de atender pessoas que realmente estão precisando de ajuda, o que pode resultar até na morte desses pacientes.


Do total de chamados, cerca de 30% referem-se a ocorrências clínicas (pessoas com crises de diabetes ou que sofrem AVC, por exemplo), outros 25% são resultantes de acidentes ou ferimentos provocados por armas brancas e de fogo.

Outros cerca de 30% dos chamados correspondem a solicitações de transferências de pacientes entre hospitais, o que acaba atrapalhando o atendimento a pacientes que estão em situação mais grave.

Todavia, este problema parece ter sido solucionado. De acordo com o diretor José Ivaldo, a partir de agosto a rede municipal de saúde passou a contar com ambulâncias voltadas exclusivamente para essa finalidade, o que vai permitir que as equipes do Samu dediquem-se exclusivamente ao atendimento dos casos de urgência e emergência - que é sua função primordial. "Nós retiramos do Samu a responsabilidade pelo transporte de pacientes não-críticos. Então, a partir deste mês, apenas pacientes graves serão atendidos pelo Samu. Isso deve permitir que a gente dê um melhor atendimento, uma melhor resposta às ocorrências de rua, já que nós realizávamos em torno de mil transferências por mês", afirma o diretor-médico. 

Tempo médio de resposta é de 13 minutos na zona urbana, segundo diretor

O Samu Teresina conta hoje, aproximadamente, com 35 médicos e 30 enfermeiros, além dos técnicos de enfermagem e motoristas das ambulâncias. O revezamento das equipes ocorre em plantões de 12 horas, e, segundo o diretor José Ivaldo, o quadro de pessoal disponível é suficiente para atender de forma satisfatória aos cerca de 3.500 chamados/mês.

O médico José Ivaldo, diretor do Samu Teresina (Foto: Moura Alves / O DIA)

O diretor-médico do Samu Teresina explica que os profissionais que atuam na central do 192 são capacitados para atender a população da melhor forma possível. Mas Ivaldo ressalta que, em algumas situações, o telefonista precisa mesmo pedir que sejam informados pontos de referência, como ocorreu no caso do atendimento mal-sucedido da PM carioca. 

Isso, no entanto, não compromete a qualidade do serviço, assegura o médico. "Quando percebemos que se trata de uma ocorrência grave, nós já liberamos a ambulância sabendo apenas o bairro da pessoa. Enquanto ocorre o deslocamento da equipe a gente tenta pegar com o solicitante o endereço mais detalhado. Isso é importante porque se não tivermos a localização precisa a equipe pode ficar procurando por vários minutos, atrasando o atendimento. Então, aqueles segundos que o solicitante perde dando o endereço com mais ênfase nos ajudam a encontrar a ocorrência mais rápido", pondera o diretor do Samu Teresina.

O tempo-resposta médio do Samu Teresina é de cerca de 13 minutos na zona urbana, e ultrapassa os 20 minutos em ocorrências na zona rural. As noites de sexta-feira, sábado e de domingo concentram o maior número de chamados - em geral relacionados com acidente de trânsito, brigas, agressões físicas e tentativas de homicídio.

"Durante a semana os chamados são mais intensos nos horários de rush, no início da manhã, no horário do almoço e no final da tarde - por conta de pequenos acidentes. Já de sexta a domingo as ligações para nossa central são mais intensas no turno da noite, em função da violência.

"Nós somos um Samu regional. Coordenamos o próprio Samu de Teresina, bem como os de Piripiri e Campo Maior. O Governo do Estado também tem uma sede do Samu aqui em Teresina e regula o serviço nos demais municípios piauienses. Quando alguém de Floriano, por exemplo, liga para o Samu, vai cair na regulação estadual. Quando liga de Teresina, Campo Maior ou Piripiri, aí cai na regulação municipal. É automático, as empresas de telefonia que fazem essa regulação", detalha José Ivaldo.

O médico explica que essa divisão não foi feita por critério de localização geográfica, mas sim pela ordem de credenciamento do serviço em cada município.

"O Samu Teresina é o mais antigo de todos. Foi o primeiro a ser organizado. Os municípios menores precisam de uma regulação, pois não têm como regular o serviço, porque ficaria muito caro. Então, eles se associam a uma regional. Como Piripiri e Campo Maior receberam o serviço logo depois de Teresina, eles se associaram à nossa regional para regulá-los. Fizeram uma cooperação conosco. Algum tempo depois é que o estado foi criar a sua regulação própria", acrescenta o diretor do Samu.

Por: Cícero Portela
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