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Em entrevista exclusiva, José Eduardo Cardozo fala sobre "juízes partidários"

Ex-ministro da Justiça e advogado de Dilma Rousseff no processo de impeachment falou ainda sobre o Governo Temer e sobre as eleições

16/12/2017 08:36

A corrupção está em pauta não apenas no Brasil, como pode parecer. Na tradicional Universidade de Coimbra, em Portugal, foram realizados dois eventos acadêmicos de forma simultânea sobre esta temática nos dias 4 e 5 de dezembro. 

Além dessa coincidência, os dois eventos tinham como convidados especiais nomes representativos da Justiça brasileira, o juiz Sérgio Moro - da Operação Lava Jato; e o ex-ministro da Justiça no Governo Dilma Rousseff, José Eduardo Cardozo. 

Com Cardozo, foi possível conversar sobre o processo de impeachment no qual atuou como advogado de defesa, sobre o Governo Temer e ainda sobre as eleições de 2018. Sobre esses temas, Eduardo Cardozo falou para uma plateia com forte presença de brasileiros e enfatizou que o afastamento de Dilma Rousseff foi um "golpe parlamentar". 

Confira na íntegra:

O senhor veio ao Congresso a Convite da Universidade de Coimbra para falar sobre Mídia, Corrupção e Crime Organizado. O senhor acredita que percepção da mídia internacional difere da mídia brasileira do processo de impeachment da presidente Dilma e do quadro de corrupção hoje desenhado no Brasil?

Eu não tenho dúvidas que, no exterior, há uma convicção, especialmente nas universidades, de que nós tivemos um golpe no Brasil. Eu acho que, o próprio distanciamento histórico do Brasil irá demonstrar aquilo que se vê na Europa hoje com muita clareza: que nós tivemos um golpe. Sinto que setores da população, cada vez mais, percebem isso. Os fatos estão mostrando, com evidência solar que os principais articuladores do processo de impeachment estão envolvidos em atos de corrupção e queriam destituir a Dilma por várias razões, entre as quais acabar com a sangria da classe política brasileira. Eu acho que é uma questão de tempo para que todos percebam aquilo que nós dizíamos que estava acontecendo e que, infelizmente aconteceu: a ruptura democrática e a investidura de um governo sem legitimidade, que é o Governo Michel Temer, a uma afirmação de um programa que não foi aquele que os brasileiros votaram em 2014, que é um programa que atinge direitos, se volta para os excluídos, e que atende a expectativas de certos setores do mercado. 


Foto: Folhapress

Na sua apresentação, o senhor disse que o poder precisa ser limitado pelo próprio poder. No entanto, vemos no Brasil a aprovação da Lei de Abuso do Poder, que parece de fato ter sido aprovada com o objetivo de proteger posições de poder. Como jurista, qual sua avaliação da lei?

Não há democracia e nem federalismo com poder ilimitado. Isso se fala em relação a um homem, a um grupo de homens. Ou seja, é necessário limitar o poder. Eu, inclusive, cito o pensador francês que formulou a tripartição dos poderes, que é Montesquieu, que fala que “só o poder limita o poder” e que, por isso, é necessário se limitar o poder para que não tenhamos o abuso dele. Até a virtude precisa de limites, ele chegava a dizer. Isso é uma realidade. Enquanto tivermos no Brasil pessoas que se julgam intocáveis, ou que são intocáveis, pessoas que decidem a vida dos outros, mesmo que preconizem ou afirmem que estão fazendo em nome de um virtude, isso não tem sentido, não tem significado. Não se pode ter uma virtude com o aniquilamento de outras. Eu acredito, portanto, que temos que ter uma situação de equilíbrio no exercício do poder e que todos devem ser limitados. 

O senhor afirma que a corrupção foi utilizada ideologicamente para atingir objetivos políticos. O senhor entende que a corrupção foi utilizada como argumento pela iniciativa neoliberal para retirar o PT do Governo?

Na história da política não é nova a história da utilização da corrupção para embate ideológico. Nós temos isso no Brasil no passado, em vários países do mundo também, e acho que, o que houve no Brasil foi o afirmar de algo que está em todo sistema político para carimbar na testa de um setor político, ou seja, se utilizou o que acontece com todos para afastar do poder alguns, mesmo que esses alguns não tivessem culpa, mesmo que não tivessem participado de atos de corrupção como é o caso de Dilma Rousseff.  Situações dessa natureza mostram que, ás vezes, a bandeira de combate a corrupção, que tem que ser erguida, porque temos que combater a corrupção com todas as nossas forças porque ela motivadora da exclusão social. Acontece que alguns, que participam de atos de corrupção, utilizam a bandeira para fazer enfrentamentos políticos e, muitas vezes, para fazer aquilo que o povo não determinou nas urnas. O caso do impeachment da Dilma foi muito claro. O povo elegeu um programa, inventaram pretextos para afastar a Dilma. O objetivo era colocar no governo um programa neoliberal que não tinha sido eleito em 2014. O que fizeram? Inventaram pretextos, uma presidente que não tinha nada e foi acusada, inclusive por órgãos da grande mídia de corrupta, criou-se o clima para seu afastamento, ela foi afastada e um presidente da República, este sim, acusado de corrupção, assume e passa a executar o programa que era do adversário do que foi eleito em 2014. Um programa neoliberal, de supressão de direitos. É uma situação que só não vê quem não quer. Utilizaram-se pretextos para afastar uma presidente eleita legitimamente pela população.

O senhor diz que o combate à corrupção não requer a instalação de um Estado de Exceção. O Governo Temer leva o Brasil a um Estado de Exceção?

Ele é uma decorrência do Estado de Exceção. Temer é um vice-presidente que nunca deveria ter exercido a Presidência pelo afastamento sem motivo da presidente da República. 

Para o senhor a Justiça é míope, já que a mesma teria uma visão distorcida apenas em determinadas situações. O senhor acredita que, além de míope, a Justiça Brasileira hoje é também mais política?

Há um processo de politização entre membros da Justiça, ao mesmo tempo em que há uma política de judicialização. Infelizmente, eu não acredito que tenha poderes que são acéticos do ponto de vista político. Juízes jamais serão neutros porque seres humanos jamais serão neutros, mas eles não podem ser partes. E nós temos visto juízes sendo partes, partidarizados em ofensa clara aquilo que deveria ser o papel de um bom magistrado. 

O senhor diz que o Estado de Direito está em xeque no Brasil. Como o senhor avalia a aprovação das reformas propostas pelo Governo Temer, a exemplo da Trabalhista?

O Governo Temer é um governo ilegítimo, seja nas pessoas que o compõem, porque não foram eleitas para isso e só assumiram porque houve um afastamento ilícito da presidente da República legitimamente eleita, ao mesmo tempo em que ele executa um programa que não foi o resultado das urnas. Eu tenho um golpe objetivo e um subjetivo. Subjetivo porque os sujeitos que deveriam exercer o poder foram afastados ilegitimamente e objetivo porque o programa que foi objetivamente eleito, não está sendo implementado pelo Governo.

Citando Karl Marx, o senhor diz que a democracia brasileira parecia sólida, mas agora desmancha no ar. Como o senhor vê o rápido retrocesso em questões que pareciam ter avançado nos últimos anos - a exemplo das questões de gênero?

A marcha civilizatória lembra um pouco um castelo de cartas, ou seja, é difícil se construir esse castelo, tem que ter muito cuidado, planejar cada carta que se planeja colocar, evitar que um lado destrua o todo. Agora, destruir é muito fácil, basta um sopro, um vento. Então, tudo aquilo que se foi construído de afirmação de direitos, de cidadania, e consolidado na constituição de 88 está sendo colocado em xeque. 

Para finalizar, o senhor será candidato em 2018? E o senhor acha que um possível retorno do ex-presidente Lula ao Planalto seria capaz de reunificar o país tão dividido após o impeachment da ex-presidente Dilma?

Eu não pretendo ser candidato. Já tenho mais de 30 anos de atividade pública e pretendo me dedicar um pouco mais para minha carreira acadêmica e advocacia. Então, não pretendo disputar eleições. Mas se há uma pessoa que possa resgatar, nesse momento, a dimensão de pacificação em torno de um programa de combate a exclusão social, esse nome é Luís Inácio Lula da Silva. Eu não vejo outro que possa pacificar e compactar o país num processo de recuperação ao desastre democrático que foi feito a partir do impeachment. 

Por: Elizângela Carvalho (especial para ODIA, de Coimbra)
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