Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

"Havia caixa 2 com recursos captados de empresas e agora é que vai ter"

Em entrevista a O Dia, o novo procurador eleitoral do Piauí, Patrício Noé da Fonseca, pediu cautela aos promotores eleitorais para ajuizar ações apenas quando obtiverem provas robustas.

20/11/2017 06:45

O novo procurador regional eleitoral do Piauí, Patrício Noé da Fonseca, conversou com O DIA. Ele será o responsável por liderar o Ministério Público na fiscalização de ilícitos eleitorais ano que vem.  Na entrevista, ele defendeu que os promotores eleitorais tenham cautela para poder ajuizar ações apenas quando obtiverem provas mais robustas. Falou que as organizações criminosas que desviam recursos públicos estão diretamente ligadas com os crimes eleitorais. O novo procurador eleitoral também acredita que com a criação do Fundo Partidário, o Caixa 2 vai aumentar nas campanhas. Patrício Noé também criticou o comportamento cultural dos eleitores relacionado ao clientelismo político e afirmou que vai estreitar parcerias com órgãos de controle para aumentar o máximo a fiscalização de irregularidades nas eleições.

As organizações criminosas que atuam no sentido de desviar recursos públicos, elas geralmente começam cometendo ilícitos eleitorais (Foto: Jailson Soares/O Dia)

ODIA: O senhor assumiu agora a Procuradoria Regional Eleitoral. O que o senhor deve pautar como prioridade?

Eu tomei posse dia 03 de outubro e dá lá para cá acumulo a Procuradoria Eleitoral com as minhas funções normais. A partir de março que ficarei exclusivamente na Procuradoria Eleitoral. Até lá tenho que dar expediente nos dois locais. Estou me ambientando e tentando me equilibrar para que tudo funcione bem. Além dos processos que temos que apresentar o parecer, temos que peticionar, tem as sessões do TRE, todas as sessões ordinárias e extraordinárias temos que estar presentes. Tanto as investiduras de Ministério Público quanto de juízes eleitorais são temporárias, embora a Justiça em si atue permanentemente. Para as eleições do ano que vem estamos nos articulando com os órgãos de controle externo, tribunais de contas do Estado, União, com o Ministério Público estadual, que também faz parte do Ministério Público Eleitoral através dos promotores que estão lá nas zonas. Eles são nossos representantes e vão me ajudar. Como as eleições são gerais, todas as ações, a não ser as de candidato a presidente, elas serão todas no âmbito dos tribunais regionais eleitorais, somos nós que vamos ter que ajuizar e precisamos de provas para entrar com essas ações. Fizemos uma reunião de trabalho na semana passada com os promotores para ter um primeiro encontro, me apresentar aos colegas que exercem a função eleitoral nas zonas, e já para trocar ideias e estabelecer diretrizes.

ODIA: A minha segunda pergunta é neste sentido. Na última semana teve essa reunião com os promotores eleitorais de todo o estado e na oportunidade o senhor chegou a defender que se buscassem provas mais robustas para ingressar com ações contra os candidatos. Na sua avaliação, a dificuldade de conseguir comprovar os ilícitos tem sido um empecilho para combater a corrupção?

Com certeza. Nessa oportunidade eu até defendi que nós devemos utilizar as técnicas mais avançadas de investigação criminal de combate ao crime organizado também para atuar nos ilícitos eleitorais. Mas o que ocorre: na Justiça Eleitoral existe uma série de limitações procedimentais e a própria celeridade que o processo eleitoral tem, acaba inviabilizando você aplicar diretamente esses mecanismos, porque a própria Justiça Eleitoral tem empecilhos legais. Um exemplo: uma organização criminosa pela definição legal vigente o crime tem que ter pena superior a quatro anos, e os crimes eleitorais a pena maior é que são quatro anos.  Então fica difícil do direito eleitoral utilizar isso. O que acontece: tradicionalmente, a prova de uma captação ilícita de sufrágio, a chamada compra de voto, em geral, se comprova com testemunhas, se apreende candidatos com dinheiro trocado nos envelopes.  Mas por si só, fica difícil você sustentar porque para ter compra de voto, tem que ter o eleitor que tá sendo comprado. Então quando você apreende o dinheiro, e tem casos de repercussão no Piauí, de que candidatos cujo assessores e parentes foram presos com quantias. Estou tomando ciência disso agora porque não sou daqui, agora que estou atuando e começando a estudar e por coincidência teve o caso do deputado com dólar na cueca, em que atuei e acabou que não foi possível comprovar nada porque prenderam o dinheiro e não tiveram como conectar aquilo com ato de corrupção e acabou ficando só na sonegação fiscal. Então, tradicionalmente, se confia muito em testemunhas e a prova testemunhal, nesse tipo de processo, até pela gravidade, em cassar um mandato eletivo outorgado pelo povo só com base em testemunhas que muitas vezes são contraditórios e você ver que a pessoa tem um interesse por um partido, então se só tem essas testemunhas e não tem outros elementos, fica difícil cassar o mandato. A tendência é não conseguir. Quando apreende grandes quantidades de dinheiro e não se conecta com a compra do voto, lógico que você sabe que pela circunstância que ali provavelmente é pra comprar voto ou é caixa 2 de campanha. Mas muitas vezes você não consegue comprovar. Então, existe nos processos do mensalão, por exemplo, revelou que existe imbricação entre embora seja exagero falar com organização criminosa na seara eleitoral, mas as organizações criminosas que atuam no sentido de desviar recursos públicos, elas geralmente começam cometendo ilícitos eleitorais. Geralmente as duas estão vinculadas. No processo do mensalão muita gente escapou com a defesa: era caixa 2. Nós podemos nas outras searas que não a eleitoral, usar todas essas técnicas. Uma pessoa que frauda uma licitação direcionando para uma empresa e em contrapartida partida essa empresa faz uma farta doação de campanha. E quando não entrega na forma de caixa 2. São ilícitos que a gente pode enquadrar sim como organização criminosa e na seara criminal comum, na parte de improbidade administrativa e aí sim temos todos os aparatos para obter essa prova e depois trazê-la para Justiça Eleitoral para que a gente possa aplicar. Mas existe um problema: muitas vezes até pela complexidade dos crimes, a investigação as vezes demora e é tardia e quando sai a sentença, no direito eleitoral as ações que podíamos ter ajuizado já passou o prazo, porque na Justiça Eleitoral tem prazo para tudo e são muito curtos. Então passou de janeiro do ano seguinte acabou-se. A gente não consegue cassar registro de candidatura por causa de uma corrupção praticada no período eleitoral. Quando conversei com meus colegas na necessidade de robustecer nossas investigações, é buscar auxílio nesta outra área. Porque também temos poder de investigar nas outras áreas. Então é buscar os esquemas de corrupção que por experiência, já sabemos que existem, e que servem para financiar campanhas ilicitamente, até mesmo compra de votos, nós já temos que investigarmos para que a gente possa obter a tempo as provas para que quando chegar na oportunidade de cada tipo de ação eleitoral possível, a gente já ter prova robusta para utilizar aquilo. Outra coisa, não se precipitar. A gente sabe que o cidadão tá com o carro cheio de dinheiro, mas andar com dinheiro não é crime. O crime é você comprar votos, oferecer, prometer. E a prova tem que ser robusta. Então a gente precisa usar e lógico, muitas vezes, esse dinheiro para comprar votos ou financiar ilicitamente a campanha já é conexo cm outro crime, que este sim nos autoriza a utilizar todo o aparato que temos de ação retardada. É importante monitorar, já existe algumas situações básicas em que os órgãos de controle já sabem e investigam pelo dever de ofício. Muitos colegas promotores já alertaram. Então já tem coisa sendo investigada para que a gente possa usar isso para garantir a normalidade e legitimidade das eleições.

ODIA: O senhor defendeu junto aos promotores a uniformização e padronização de procedimentos que apuram as doações acima do limite legal. Que tipo de ações estão sendo pensadas neste caso?

Isso já é um trabalho que vem de antes, do meu antecessor, que já tinha pensado nisso. Basicamente tá na fase de ajuizar as representações e arquivar as situações em que se vê que não tem irregularidade. Foi um trabalho idealizado pelo grupo nacional da função eleitoral que é coordenado pela Procuradoria Geral Eleitoral, envolve todos os procuradores regionais, que visa subsidiar a atuação tanto nossa quanto dos promotores eleitorais. Já há convênios, parcerias e articulações com órgãos de controle como a Receita Federal para que a partir do cruzamento de dados, se conseguir detectar situações em que haveria grande probabilidade daquela doação estar acima do limite. Por exemplo, uma pessoa cadastrada no Bolsa Família doando R$ 2 mil em dinheiro. Se for doação de serviço tudo bem. Agora doação de dinheiro não pode. Como é que o cara recebe R$ 200,00 e doa R$ 1000,00. Tem alguma coisa errada. Tem pessoas mortas que aparecem como doadoras.  Através do cruzamento de dados criou-se um sistema que o promotor entra, gera os relatórios e sabem naquela zona quem são os doadores sob suspeita e daí ele pode investigar entrar com ação ou pedir arquivamento. O prazo está se vencendo então, temos trabalhado nisso. O processo eleitoral tem muitas fases e existe um calendário a ser cumprido. Na fase das convenções, a gente precisa ver eventuais campanhas antecipadas. As próprias caravanas, já recebemos representação aqui, contra um político que teve aqui. Mas como ele é possível pré-candidato a Presidente da República, mandei para a Procuradoria Geral Eleitoral em Brasília. Nesse ponto a orientação que damos para os promotores e cidadãos que podem encaminhar denúncias, é de a gente instaurar procedimentos para coletar essas situações, documentar, porque além da campanha antecipada, que a jurisprudência ela reluta em reconhecer como propagando ilícita, mas há uma tendência para reverter essa jurisprudência. Sabemos que o direito eleitoral é dinâmico e temos esperança de reverter isso e estamos tratando as caravanas como campanhas antecipadas.

ODIA: Além dos pré-candidatos a presidente, tem também as caravanas de pré-candidatos a governadores. A Procuradoria acompanha isso?

Muitas vezes acontecem de nível regional e não temos nem acesso. Dessa forma, dependo muito dos colegas de Ministério Público e denúncias formuladas pela população. Nem sempre em relação apenas a campanha antecipada, porque normalmente acaba em multa e essa multa volta pro partido, porque vai pro fundo do TSE que volta para os partidos. Então não vai ter uma pena. Mas pode servir, dependendo da repercussão e da influência dessa propaganda antecipada no pleito, você pode entrar com ação para cassar o registro ou o diploma do candidato.

ODIA: Neste ano tivemos uma espécie de minirreforma eleitoral. Dessas mudanças que ocorreram na Legislação Eleitoral, o que mais vai exigir atenção do Ministro Público Eleitoral por risco de descumprimento?

Basicamente questões relacionadas ao financiamento da campanha. Isso ainda é uma incógnita. É uma coisa nova, e se quando podia captar recursos das empresas havia caixa 2, agora é que vai ter mesmo. O Fundo é público, acabaram com a propaganda partidária gratuita, justamente porque os recursos que eram compensados por renúncia fiscal agora serão carreados para o fundo de financiamento das campanhas. Com certeza esse fundo não vai ter dinheiro suficiente para sustentar campanhas milionárias como as que já vimos na nossa história. Então, existe um risco muito grande de aumentar e ter muita captação ilícita de recursos na campanha. Isso vai ser um desafio.

ODIA: E o Ministério Público Eleitoral tem estrutura de pessoal e tecnologia suficientes para fazer o devido acompanhamento e fiscalizar o processo eleitoral? Sabemos que apesar de estarmos a um ano das eleições, há crimes eleitorais que já podem estar acontecendo?

Existem ilícitos eleitorais que podem ser praticados muito antes do pleito. E tem as fases. Fase de registro de candidatura, vamos atuar para ver a questão das inelegibilidades e entrar com as impugnações se for o caso. Aí quando começar o período da propaganda, é fiscalizar. Então cada fase tem o tipo de ação que vai se desenvolver de acordo com o cronograma e metodologias próprias e tem outras que é o tempo todo. Agora por exemplo pode muito bem ter campanha antecipada. Estrutura nunca é suficiente.  A gente realmente tem que se sacrificar. Estrutura nossa da Procuradoria Regional Eleitoral é pequena, temos servidores do próprio quadro, outros no TRE a nossa disposição, mas existe propostas de diminuir a carga de trabalho dos procuradores regionais eleitorais no período que não é obrigatório. A nossa equipe é pequena em número, mas não em valor. E além disso, nós temos aqui no Piauí uma situação privilegiada que é a rede de controle da gestão pública que é uma espécie de cooperação técnica entre as instituições de controle que é uma das melhores do país. Em qualquer evento neste sentido a daqui é elogiada sempre. Tem operações em andamento fruto do trabalho dessas instituições. Então a gente conta muito com as parcerias. E essas instituições parcerias podem nos subsidiar nesse trabalho. Embora nós temos essas limitações, a gente também tem auxílio externo dessas instituições de controle externo. Mesmo com parcos recursos, a gente acaba conseguindo criar essa rede para combater a corrupção.

ODIA: Como o senhor avalia do ponto de vista político a criação do Fundo Partidário?

Eu acredito que isso não vai impedir que haja caixa 2. As coisas deveriam ser às claras, as empresas doam, fica registrado o que elas doaram efetivamente e depois cobra-se responsabilidade se houver algum desvio.  O Fundo Público vai acabar prejudicando alguns partidos que não vão receber suficiente para fazer suas campanhas.  Não vai evitar por si só a captação ilícita de recursos para campanhas. Mas vamos ver, como é uma coisa nova em nosso país fica difícil da gente fazer o prognostico de como vai funcionar.

ODIA: Ainda há ações de 2014 que precisam ser julgadas? Como está o acompanhamento delas?

Eu já vi ações de 2014, algumas ainda em julgamentos no TRE.  O que que acontece, tem um processo, tem lá uma nulidade ou alguma coisa que é alegada e aí recorre-se, quando chega lá no Tribunal Superior Eleitoral ele resolve uma pendencia e processo volta a ser julgado de novo. É por isso que as vezes os processos sobrevivem além do tempo. E a Justiça Eleitoral tem esse problema porque ela é muito dinâmica, a composição está sempre mudando e muitas vezes um erro processual acaba anulando tudo. Vou dar um exemplo, você entra com ação de cassação de mandato eletivo só com o prefeito e não coloca o vice. Essa ação tem prazo para ser ajuizada, que é 15 dias após a diplomação. Em geral, é pelo dia 9 de janeiro que vence. A coligação adversária ou o proprio Ministério Público só entrou contra o prefeito e esqueceu o vice. Quando passa o prazo não se tem mais a oportunidade de chamar o vice, que obrigatoriedade tinha que tá na lista. E também não pode julgar um sem o outro e o processo então é extinto, entra em decadência. Qualquer erro ou falta de cautela com as formalidades acaba prejudicando tudo. Às vezes você ver que tem casos que se fossem investigados mais a fundo, tivesse sido aprofundado, você conseguiria bons resultados e por conta da pressa não consegue. Teve o caso de candidato que o parente foi preso com dinheiro, às vésperas da eleição, foram presos em flagrante. O inquérito policial não deu em nada, foi ajuizada uma ação e acabou a gente tendo que dizer para absolver porque não tinha provas. Apreenderam o dinheiro mas e aí, onde tava o eleitor. Vamos supor então que não era pra comprar voto, e sim para financiar campanha, mas o valor era tão pouco comparado com o montante da campanha. Existe uma jurisprudenca consolidada que apreensão de até 10% aplica-se a questão da proporcionalidade. Então campanhas de R$ 10 milhões, por R$ 10 mil encontrados ali não se pode encarar como financiamento ilícito. A gente precisa buscar provas robustas, porque qualquer coisinha você pode botar tudo a perder.

ODIA: A gente tem uma parcela muito significativa da população que é muito dependente da classe política. Ou seja, muitos acabam sendo alvos fáceis de políticos, na hora da compra de votos, da troca de votos por favores. No entanto, ainda não temos casos de impacto que mostra a punição de eleitor, caso haja corrupção eleitoral. Na sua avaliação, o eleitor também deve mudar sua postura?

Com certeza. Se você tem o corrupto, você também tem o corruptor. Tudo bem, se o candidato oferece é porque tem alguém que pede ou aceita, e que está cometendo o mesmo crime. É por isso que é até estranho o eleitor ser testemunha em processo de captação ilícita de sufrágio porque ele mesmo diz que vendeu o voto. Como é que o cara confessa um crime na frente da Justiça, é a troco de quê? Então isso já descredibiliza o testemunhal. Se não tiver outros elementos que dê credibilidade fica difícil. As pessoas devem evitar. Infelizmente faz parte da nossa cultura o clientelismo político. Mas a gente está aqui para combater e as novas gerações, através da educação, da própria atuação das instituições, da Justiça, do Ministério Público, da Policia Federal, isso mostra para as pessoas o quanto o clientelismo é errado e essa atuação contribui para mudar a cultura. E não só a questão da compra de voto com dinheiro, mas a utilização de certas ações estatais para poder criar ali um curral eleitoral. As situações que possam suscitar isso já estão sendo apurados na seara da improbidade, do crime, e pode ser aproveitado também no direito eleitoral porque não deixa de ser abuso de poder político e econômico que desequilibra as eleições.

Por: João Magalhães - Jornal O Dia
Mais sobre: