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Sistema "Distritão" fragiliza partidos e individualiza candidaturas

Novo sistema considera eleitos aqueles que tiveram maior votação e não leva em conta votos de legenda

14/08/2017 08:14

O texto base da Proposta de Emenda à Constituição 77/2003, que discute a reforma política foi aprovado em comissão especial que discute o assunto. O relatório do deputado Vicente Candidato (PT) passou por alterações e uma das principais mudanças é a inclusão do “distritão” como modelo para escolha de deputados estaduais e federais já em 2018. O destaque que inclui o distritão foi aprovado por 17 a 15 votos. 
O DIA conversou com advogados eleitorais, cientista político, presidentes de partidos, parlamentares estaduais, senadores e com o governador sobre o assunto. Para valer nas eleições do ano que vem, o texto ainda precisa ser aprovado em duas votações na Câmara, com pelo menos 308 votos em cada, e ser aprovado pelo Senado até a primeira semana de outubro, um ano antes das eleições do ano que vem. PMDB, PSDB, DEM, PP e PSD já declararam apoio ao distritão. Por outro lado, PT, PCdoB, PSOL, PHS e PR rejeitam o modelo. 
Em entrevista, o deputado federal Átila Lira (PSB) comemorou o distritão e afirmou que apesar da eleição acirrada na comissão, de maneira geral, o Plenário é receptivo ao modelo e defende sua implantação já em 2018. O deputado explicou ainda que o objetivo é ter o distritão como transição e em 2022 entrar em prática do distrital misto. 
No distritão, as eleições para deputados federais, estaduais e vereadores se transformam em majoritárias, onde os eleitos são os mais votados, independentemente de partido ou coligação. É um modelo contrário ao que acontece hoje, onde as vagas são definidas pelo quociente eleitoral e muitas vezes, candidatos com menos votos conseguem a vaga, enquanto outros mais votados ficam de fora. 
Ao O DIA, o governador Wellington Dias (PT) demonstrou insatisfação com o sistema atual, o classificando como o pior do mundo, já que tem afastado muitas pessoas qualificadas da política principalmente pelos altos custos de campanhas. No entanto, o governador também demonstrou receio quanto a mudanças já para o ano que vem. “Há uma necessidade de uma reforma. Mas já estive na Câmara e no Senado e a reforma política é uma das reformas mais difíceis de se fazer, porque é como se todo mundo tivesse medo de alterar”, diz Wellington Dias. 
O governador citou ainda que uma possibilidade a ser pensada é discutir regras que comecem a valor só daqui a três eleições, porque haveria tempo suficiente para todo mundo se preparar para as novas regras. “Acho que qualquer alteração para eleição do ano que vem é quase impossível”, pontuou o governador.

Para especialistas, modelo fragiliza os partidos 

Advogada Geórgia Nunes diz que modelo é prejudicial para a democracia (Foto: Assis Fernandes/ O Dia)

Especialistas consultados pelo ODIA apontam que o modelo “Distritão” fragiliza os partidos políticos por não levarem em conta a votação dada à sigla, mas somente aos candidatos. A advogada Geórgia Nunes, que é coordenadora-geral da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABADEP), o sistema é extremamente danoso para a democracia, sobretudo agravando a crise de representatividade política no país. “Com a adoção do “distritão” todas essas discussões a respeito das coligações partidárias perdem o sentido, já que as cadeiras parlamentares serão preenchidas na ordem do mais votados, retirando qualquer caráter de proporcionalidade, participação de minorias ou relevância dos partidos políticos nesse processo” destaca. 

Ela observa que distritão, “joga na lata de lixo” diversos votos que forem atribuídos aos candidatos não eleitos, ignorando a representação de grande parcela do eleitorado. O cientista político Ricardo Arraes corrobora com a tese e destaca que, com esse sistema a figura principal continuará sendo o candidato e não o partido. “Infelizmente, os partidos políticos são em geral apenas agências que colocam candidatos na disputa. Os elos ideológicos e a afinidade para com os cidadãos são mínimos, se não existente”, diz. Ainda, de acordo com ele, os candidatos deverão mudar as estratégias para conquistar melhor o eleitorado. “Eles terão menos espaços para percorrer pois terão que disputar votos em seus distritos específicos”, observa. 

Arraes salienta ainda que para os grandes partidos e para os políticos com mandatos, a mudança não trará grandes modificações ou prejuízos. “Entretanto, para as lideranças locais e para as pequenas legendas as dificuldades serão ainda maiores do que as enfrentadas no atual sistema eleitoral”, pontua. 

Já para o advogado eleitoral Carlos Yuri de Moraes, com o Distritão, o voto é realmente aquilo que vai habilitar o exercício do cargo e aquele que tem mais voto será aquele que irá assumir. “Isso habilita uma fiscalização maior do mandato já que o que teve mais votos passa a ser um líder mais considerado e um capital politico mais consolidado”, diz ele. Yuri comenta ainda que o melhor tipo de sistema para o Brasil seria o distrital puro, onde você zonearia o país, os estados e municípios em distritos, que teriam uma amplitude geográfica menor, criando uma identidade maior entre eleitor e eleito.

“É um retrocesso para o sistema político do país”, diz dirigente nacional do PSTU 
Para os partidos considerados pequenos e de esquerda, a proposta do Distritão não foi vista com bons olhos. Em entrevista ao ODIA, José Maria, presidente nacional do PSTU, destacou que a sigla é terminantemente contra o sistema. “Esse é um retrocesso ao sistema político do país”, avalia, adiantando que buscará um diálogo com outras legendas de esquerda, como PSOL e Rede para tentarem barrar a proposta. 
Segundo ele, a aprovação do Distritão demonstra a estratégia de auto defesa dos parlamentares, sobretudo em um momento de descrédito da classe política, que vem aprovando medidas consideradas “antipáticas” para a população. “Eles só votam coisas que atendam aos seus interesses, impedindo o surgimento de novas lideranças. Essa proposta irá monopolizar aqueles que têm dinheiro”, completa, destacando que os partidos tradicionais vem aprovando propostas que prejudicam os pequenos partidos como, por exemplo, a instituição de cláusula de barreira. “O que eles querem é garantir o monopólio da representação política, centrando em partidos como PMDB, PSDB, PT, que vêm patrocinando a bandalheira no país”, dispara. 
Zé Maria, entretanto, se mostrou favorável à aprovação do financiamento público de campanha, alegando que os últimos acontecimentos políticos demonstram que o financiamento de empresas é nocivo à sociedade. No entanto, para ele, o valor de 0,5% do orçamento, representando R$ 3,6 bilhões, é “astronômico” e não condiz com a realidade econômica do país. “Aprovaram um valor desses porque querem manter campanhas milionárias. A estratégia do PSTU, entretanto, irá permanecer, porque o nosso foco não é a simples obtenção de mandatos, mas sim, apresentar nosso programa. O PSTU sabe que o país não vai mudar por meio de eleições”, finaliza. 
Leia a reportagem especial completa no Jornal O Dia de hoje (14).
Por: Ithyara Borges, João Magalhães, Mayara Martins
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