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Em 165 anos, sabores de Teresina se consagram nacionalmente

A capital do Piauí comemora mais um aniversário nesta quarta-feira oferecendo o melhor da culinária regional

16/08/2017 07:32

A história de Teresina, ao longo dos seus recém-completados 165 anos, se mistura com a de vários teresinenses que, dia após dia, constroem os sabores tão marcantes da cidade. Afinal, quem nunca ouviu falar no pão de queijo do seu Cornélio, ou do famoso suco do Abraão ou ainda na bomba da Dodoia?

E é este cardápio tão variado e saboroso que chama atenção não só dos teresinenses, mas também dos turistas. A bomba da Dodoia, por exemplo, já foi experimentada por pessoas de diferentes estados do Brasil e até de outros países, como Colômbia, China e Espanha. Da mesma forma, o suco do Abraão é degustado e vendido há exatamente 60 anos na Capital. O empreendedor, hoje com 89 anos, é maranhense, mas foi em Teresina que se consagrou.

Seu Cornélio, falecido em 2014 aos 92 anos de idade, dos quais 43 foram dedicados à sua lanchonete, é outro ícone da nossa culinária. A receita do seu famoso pão de queijo foi repassada zelosamente para seu filho, que hoje toca o negócio bastante procurado pela população teresinense.

E em cada canto da cidade há sempre alguém dedicando tempo e amor à alquimia de harmonizar tantos ingredientes para agradar o paladar exigente de quem aprecia sabor, regionalidade e paixão. Por isso, ODIA conta hoje, neste 16 de agosto, detalhes da trajetória de sucesso desses e de outros empreendedores da gastronomia piauiense.

Suco do Abraão: carisma que conquista, sabor que fideliza

Era 1957 quando o maranhense Abraão Silva Gama construiu, em um terreno baldio, o prédio que abrigaria a lanchonete que, há seis décadas, é referência em sucos na capital piauiense. Mas solidificar este empreendimento não foi tarefa fácil. O dinheiro para levantar a obra veio das vendas de picolé, que o sustentava desde que chegara a Teresina, quando tinha 18 anos.

“Quando cheguei, não tinha mais idade para estudar, tive que diminuir dois anos para conseguir vaga na escola. Não tive muita sorte no começo, logo fui abraçado por uma tuberculose, mas consegui superar. Trabalhei na empresa Três Irmãos e depois vendendo picolé, pois, na época, picolé estava em evidência. E foi vendendo picolé, lutando no dia a dia e prosperando que construí esse prédio”, relembra Abraão.


Seu Abraão diz que hoje trabalha para gastar seu tempo fazendo o que gosta (Foto: Moura Alves/O Dia)

Hoje com 89 anos, sendo 60 dedicados à venda de sucos e lanches, Abraão atribui a prosperidade do seu negócio ao carisma que ele tem ao receber os clientes. A conversa e a boa convivência são o que mais conquistam os consumidores. “Eu era leigo e, no dia a dia, fui me aperfeiçoando ao ponto de hoje ser uma pessoa de destaque em Teresina, por conta da dedicação e da maneira que eu tenho de servir bem a partir da palavra. A prosperidade me abraçou, eu aproveitei e hoje tenho a dizer que trabalho não por necessidade, mas por vontade de gastar o tempo fazendo algo que gosto”, explica.

Todavia, o maranhense nem imaginava que ia ganhar tanta notoriedade através do seu trabalho. “De certo modo, fui convivendo com o pouco e, graças à minha estratégia e meu merecer, o povo de Teresina hoje é minha família. Me sinto bem, feliz, mas estou banhado de humildade. Não me envaidece, mas me alegra por ter feito um suco à altura do contentamento do povo e hoje tenho rendimento para atuar na área da caridade, fazendo o bem quem precisa”, diz.

Miguel Buchada é destaque no preparo de pratos típicos em Teresina

Nos tradicionais almoços de domingo em família, a buchada e a panelada são dois dos pratos mais esperados. Eles fazem tanto sucesso que também se destacam nos restaurantes de comidas típicas da cidade. Um desses estabelecimentos é o Miguel Buchada, de propriedade do antigo goleiro do River (PI), Miguel Pereira, que hoje está com 75 anos de idade, dos quais 40 foram dedicados ao negócio.

Miguel aprendeu a cozinhar os pratos ainda na infância, com seus pais, que eram cozinheiros de primeira linha. Depois de vários trabalhos, dentre eles ter sido jogador do River, em 1964, ele abriu um restaurante muito acolhedor ao lado de sua casa, no ano de 1977. Com suas fotografias distribuídas nas paredes do seu estabelecimento contando a história de vida de sua família, ele conquistou a clientela com sua buchada e panelada e tornou-se referência na cidade.


As fotografias na parede do estabelecimento contam a história da grande família de Miguel (Foto: Moura Alves/O Dia)

Pai de 12 filhos, avô de 22 netos e bisavô de seis bisnetos, o teresinense Miguel Buchada sustenta a família com o que ganha no restaurante e conta que vende até 200 buchadas por semana - prato mais pedido pelos clientes. O empreendedor destaca que as vendas não ocorrem somente em território piauiense, mas também nacional. “Têm deles [clientes] que estão passando pela cidade e levam congelado para seus estados. Quando chegam lá, só esquentam”, fala com alegria.

Com mais de 10 opções de pratos típicos da região, como sarapatel, panelada, assado de panela, dentre outros, Miguel afirma que o local sempre está lotado de famílias que se reúnem no ambiente confortável, simples e cheio de carinho do restaurante. Com preços acessíveis, ele afirma que cinco pessoas degustam um almoço recheado por R$ 50.

Miguel destaca ainda ser muito feliz com a dimensão que seu restaurante ganhou e diz que o segredo é preparar o almoço com muito amor. “O segredo da comida é tratar com carinho aquilo que você vai fazer. Não poupar em verdura e temperar bem a comida. Sou querido por muitas pessoas e me sinto muito feliz por isso. Gosto muito de ajudar pessoas e quero continuar ajudando com as amizades e confiança que ganho”, frisa.

“O diferencial da minha bomba é que faço com amor”, diz Dodoia

As mensagens na parede revelam o carinho que os clientes dos mais variados lugares têm por Dodoia, cuja bomba, assim como o suco do Abraão, ultrapassou os limites das fronteiras de Teresina e foi degustada por pessoas de outras cidades, estados e até países.

Célia Maria, a Dodoia, vem há quase dez anos ganhando muita notoriedade, desde que inovou com a bomba de 1kg, recheada com mortadela e queijo. Sendo mãe de dois filhos, ela sustenta a família com a venda da bomba e de outros salgados. Segundo ela, o segredo do seu tempero está no amor do preparo.

“A bomba já existia, o que eu fiz foi inovar, trouxe um preparo diferente. Porém, o diferencial é que eu faço com amor, não é só para ganhar dinheiro, até porque nem enriquei com isso”, brinca a cozinheira.

Dodoia conta que, antes da famosa bomba, já vendia salgados na porta de casa. Ela comercializava empada e creme de galinha. Com os cursos de culinária, se aprimorou e, em uma brincadeira de produzir um salgado diferente, foi autora da maior bomba da cidade. Segundo ela no início, a procura pelos salgados era pequena, mas a bomba criada pela cozinheira impulsionou as vendas e se expandiu por todo o Estado, e até fora dele.


Bomba da Dodoia trouxe a apresentadora de TV Sabrina Sato a Teresina (Foto: Moura Alves/O Dia)

“A gente começou com uma brincadeira e essa brincadeira até hoje está no auge. Eu não pensei e nunca imaginei que ia ganhar tanta notoriedade, mas me sinto normal com a situação; mesmo sendo referência em Teresina, sou muito simples e só faço o que gosto”, enfatiza.

Para satisfazer o desejo de seus clientes, Célia começa seu trabalho bem cedo, às 6h da manhã. Às 7h, ela já está no Centro da cidade, fazendo as compras para preparar os salgados que vão estar prontos às 15h. Com o valor de R$ 8, a bomba, seu carro-chefe, serve até quatro pessoas.

E foi este salgado especial que trouxe a apresentadora Sabrina Sato a Teresina. Em 2014, ela veio à cidade especialmente para conhecer a especialidade de Dodoia.

Tradicional doce de limão leva quatro dias para ser preparado

Quem imaginaria que limão poderia virar doce? Com um preparo especial que dura quatro dias e o acréscimo de uma calda de açúcar com água, a viúva Maria Marques, de 79 anos, foi pioneira em Teresina ao tirar o azedo do limão e transformá-lo em um dos doces mais procurados do Estado. O doce é tradicional na Capital há 40 anos e é sucesso também em outros estados.

Sendo uma mulher de muita luta e perseverança, foi com a adaptação do doce de limão, feito primeiramente pelos escravos, que dona Maria Marques sustentou nove filhos sem o pai. “O Projeto Piauí da época foi quem me ajudou a produzir o doce. Eles me incentivaram a ir atrás da técnica do doce e trazer para Teresina. Meu marido morreu e fiquei com meus noves filhos sem nenhum emprego. Foi através desse doce que eu consegui botar comida na casa e dar o que eles precisavam”, conta a viúva.

Chegando a ficar famosa em todo o Brasil através de feiras estaduais, hoje a aposentada não tem mais condições de preparar o doce, por problemas de saúde, e passou a especialidade para a filha, Keila Aguiar, de 43 anos, que está dando continuidade à história que a mãe começou.


Maria Marques passou os conhecimentos e segredos do doce de limão para sua filha, Keila Aguiar (Foto: Moura Alves/O Dia)

“Acompanho minha mãe na produção dos doces desde criança. Sempre teve uma boa aceitação, a gente chegou a fornecer em redes de supermercado, temos clientes em Natal, Recife, São Paulo; as pessoas gostam muito. Aqui em Teresina não é tão famoso, porque muita gente nem conhece. Mas ele é um doce daqui e faz muito sucesso em outras cidades”, diz a filha.

Com um processo de preparo demorado e minucioso, Keila relata que o doce é totalmente artesanal e o faz com muito orgulho e gratidão por continuar a história que a mãe começou. Para ela, toda a complicação do preparo vale à pena.

“O processo do doce de limão é delicado. Eu corto, cozinho, limpo tirando a poupa de dentro, enverdeço, escaldo, coloco de molho para tirar a acidez do limão e, por último, é que eu dou o ponto do doce, com a calda de açúcar com água. Ele é um doce que dura um ano e não tem conservante. No fim, é muito gratificante você saber que conseguiu transformar um limão em doce. Tem gente que acha esquisito, resiste, mas quando degustam, experimentam, se apaixonam”, explica ela.

Além do doce tradicional, a filha está apostando em outra inovação, o doce de limão recheado para festas de aniversário. O recheio varia conforme desejo do cliente e já ganhou a preferência da população de Recife. Ela conta que quer divulgar o trabalho da mãe e mostrar a qualidade e competência da culinária da capital do Piauí.

Pão de queijo do seu Cornélio virou tradição na capital

Há mais de quatro décadas, o tradicional pão de queijo do “Seu Cornélio” vem conquistando a preferência dos teresinenses. Embora tenha partido há três anos, o maranhense Cornélio Evangelista continua na memória dos que tiveram oportunidade de conhecê-lo, e segue sendo lembrado toda vez que uma nova fornada do seu famoso pão de queijo ficar pronta.

Natural da pequena cidade de São João dos Patos (MA), seu Cornélio veio para Teresina no ano de 1939 em busca de estudo e trabalho. Ao chegar, morou em uma pensão que dividia com outras pessoas do interior e se formou em Contabilidade, chegando a ser presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Piauí. Foi dono de uma loja chamada Tupã e, depois de ter sido prejudicado por uma obra de saneamento básico na região do seu comércio, comprou um prédio no Centro de Teresina e começou a vender salgados feitos pela esposa, Adélia Salomão.

O filho dele, Alberto Evangelista, conta que a receita do pão de queijo do seu Cornélio é de autoria da mãe. Adélia inovou no preparo do pão de queijo e Cornélio ficou com a parte das vendas. Segundo Alberto, foi com o sucesso do pãozinho que os pais sustentaram a família.

“No início o pessoal começou a experimentar, a clientela era os estudantes de todos os colégios de Teresina da época. Todos eles iam comer desse pão de queijo, até que pegou a fama do Pão de queijo do Seu Cornélio. Como eu não morava em Teresina, estudava engenharia em Belo Horizonte, a lanchonete se chamava Meriluce - a junção do começo do nome das minhas duas irmãs. Mas ninguém chamava por esse nome, eles só chamavam de pão de queijo do Seu Cornélio: a partir daí começou a ganhar fama”, explica Alberto.

Além de virar referência em Teresina, o pão de queijo do seu Cornélio também construiu histórias. Alberto lembra que até casamento o tradicional pãozinho fez. “Os estudantes iam para comer o pãozinho, começavam a namorar e casavam. Até casamento o pão do seu Cornélio fez. Hoje esse pessoal sempre vem aqui e relembra que o papai amava conversar e contar histórias”, frisa.

Com a recepção que os clientes tinham na lanchonete do saudoso Cornélio, era quase impossível não voltar. Com o sorriso largo e sempre com uma boa história para contar, os estudantes adoravam comer o pão de queijo e ouvi- -lo. Era uma verdadeira parada obrigatória para quem estava andando pelo centro da cidade.

Não era somente em Teresina que o pão de queijo fazia sucesso. Turistas e figuras renomadas dos mais diversos estados, quando visitavam a capital, não saiam sem antes experimentar do famoso pão de queijo do seu Cornélio. “O Brizola, na época governador do Rio de Janeiro, veio para cá e disse ao papai: Olha seu Cornélio, se eu tivesse vindo em Teresina e não tivesse vindo comer seu pão, não tinha feito nada. Faça vinte pães que quero levar para o Rio e mostrar o que é pão de queijo de verdade. O papai ficou muito feliz. Foi quando vimos como ultrapassou as fronteiras do Estado”, lembra Alberto.


Alberto Evangelista conta que a receita do pão de queijo é de autoria de sua mãe (Foto: Moura Alves/O Dia)

Com a receita especial protegida a sete chaves, os clientes afirmam que não existe pão de queijo que se compare. A consistência e o sabor são únicos, e mesmo sendo um salgado popular em várias padarias e lanchonetes da cidade, Alberto enfatiza que nenhum se iguala ao produzido pelo seu Cornélio.

“Outras padarias faziam o pão de queijo mas nenhuma tinha ou tem a mesma consistência e sabor do pão de queijo do seu Cornélio. O que fez perdurar por todo esse tempo foi a qualidade do pão, porque sempre foi uma coisa só. A receita é a mesma, assim como a qualidade. Quando a mamãe morreu, ele quem fazia os pães, não deixava nenhum funcionário fazer. Quando faleceu, passou para mim, e eu sigo as indicações dele. É segredo”, diz.

Biscoitos e bolos da tia Dica têm 30 anos de tradição

A boleira Raimunda Barros, mais conhecida como tia Dica, assim como seu Cornélio, do pão de queijo, faleceu em 2014, aos 73 anos, mas deixou sua contribuição na gastronomia de Teresina. Os tradicionais biscoitos e bolos da tia Dica, circulam em Teresina há 30 anos e, mesmo com a partida dela, continua sendo referência na cidade.

Hoje, quem cuida do negócio é a sobrinha da boleira, Laudeci Barros, criada pela tia Dica desde que nasceu. Ela conta que Raimunda veio de Uruçuí para a capital na década de 1980 e, antes de ser uma boleira de sucesso, trabalhou como bibliotecária. “Mesmo trabalhando, ela sempre foi dona de casa e pegou um apreço muito grande por cozinha. Quando se aposentou, começou a fazer bolo na porta de casa para os vizinhos e amigos e eles gostaram. Ela aumentou o espaço e a quantidade de bolo e biscoito, até que montou o tradicional ponto da tia Dica, há 30 anos”, explica.

Segundo a sobrinha, Raimunda teve a ideia da venda de bolos por precisar de uma renda extra. Como gostava de cozinhar, aliou sua paixão à necessidade. Ela começou com dois funcionários e depois já estava precisando de cindo. Os biscoitinhos se tornaram a novidade. Procurando se diferenciar e trazer novidade para seus clientes, ela colocava ingredientes novos no preparo dos biscoitos e conquistava os teresinenses.


Foto: Elias Fontinele/O Dia

“Eles eram de maisena e de goma, não tinha biscoitos assim na época, só mesmo os de polvilho, aqueles tradicionais. E ela fazia com vários sabores, maracujá, laranja. E os bolos, ela fazia mais era de goma, que é o tradicional aqui de Teresina. Para chegar onde chegou, ela ralou bastante e é tudo merecido”, ressalta Laudeci.

De acordo com a nova proprietária da tia Dica, Raimunda nunca pensou que ganharia notoriedade. Para a aposentada, ela era apenas alguém que adorava cozinhar e vendia suas especialidades. “A qualidade era o que ela mais buscava e prezava. Tia Dica jamais deixaria um bolo torto ir para a prateleira. Depois que ela faleceu, nós ampliamos o espaço, mas conservamos essa qualidade, os funcionários e as receitas. A gente tem um livro negro com toda as receitas do jeito que ela fazia e que foi deixado por ela”, enfatiza.

A receita da tia Dica era um aperfeiçoamento das receitas já existentes. Ela deu uma roupagem nova, um toque diferente no preparo dos tradicionais bolos e biscoitos, de forma que se destacou no mercado. Além de suas saborosas especialidades, Laudeci destaca que mesmo a tia tendo a cara mais fechada, sempre conquistou o apreço dos clientes.

“Os clientes gostavam muito dela, ela tinha um coração muito grande. Com ela, cliente era amigo, eles chegavam aqui e ela costumava fazer almoço para família e os clientes se somavam. Sempre foi muito acolhedora. É tanto que conhecia todos eles por nome, assim como a preferência de cada um”, lembra a sobrinha.

Por: Karoll Oliveira - Jornal O Dia
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