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O golpe dentro do golpe

Confira o texto publicado pela colunista Ana Regina Rêgo no Jornal O Dia.

28/11/2019 08:05

Conhecido como o Golpe dentro do Golpe, o Ato Institucional de número 5, AI-5 foi promulgado em 13 de dezembro de 1968 pelo então Presidente Artur da Costa e Silva, cujo governo potencializou a violência de Estado, dando início aos conhecidos “anos de chumbo” da ditadura civil-militar brasileira. Costa e Silva morreria alguns meses depois. O AI-5 nasceu dentro da ala mais conservadora e reacionária dos militares em disputa pelo poder no Brasil e veio como resposta a uma parte da sociedade que protestava e desejava o retorno da democracia e das liberdades civis e individuais. Mas, o AI-5 seria nas palavras de Carlos Castello Branco, um ato completo, não deixando nenhuma área do governo descoberta, abrangendo o setor econômico, com a unificação das caixas de poupança, abrangendo a previdência, o trabalho, a censura, autorizando a violência de Estado já mencionada e dissolvendo o Congresso e os partidos políticos. Em outros moldes, mas com motivações similares, o governo de Costa e Silva instaura a seu modo, um governo mais que ditatorial, um governo autocrático, totalitário e violento, em que o pensar diferente, passa a ser o maior crime. 

Nesse meio, a educação, a cultura e o esporte, são chamados a participar de um projeto de Brasil, cuja visão de mundo, muito se assemelha à dos ocupantes dos cargos do poder em nosso país, nos dias atuais. Os valores cristãos, tanto quanto hoje, foram acionados para justificar a violência contra os que pensavam diferente, como na atualidade se propõe fazer em nosso país, com as declarações dos filhos do Presidente Jair Bolsonaro e de seus Ministros, em favor de um novo AI-5. 

A censura na época, terminou por provocar o exilio dos nossos artistas, enquanto que o projeto de cultura a partir de uma visão ditatorial unificada trabalhou em prol da manipulação do pensamento de uma sociedade cega, por não ter acesso a realidade, visto que a imprensa e a mídia como um todo, não podia divulgar ou denunciar os abusos do poder, visto que a censura prévia seria detalhada dois anos depois do AI-5 e intensificada em todo o Brasil. 

A música, o teatro, o cinema tudo vai ser controlado e as narrativas passam a ser as narrativas desejadas por um governo que pautado nos valores positivistas primitivos que enfeitam nossa bandeira, Ordem e Progresso, deseja pela força, construir as bases de um país conforme seus valores, não considerando o pensamento e os valores dos demais, perseguindo e matando os dissidentes. 

O projeto educacional pautado em um nacionalismo exacerbado que acionou valores do passado das nações, a exemplo, do nazismo procurou forjar um sentimento nacionalista, um senso de responsabilidade sobre a pátria e um envolvimento com os valores cristãos conservadores, a partir de um conjunto de ações acionadas a partir dos projetos pedagógicos e de disciplinas como EMC-Educação Moral e Cívica, que intentava plantar nas crianças a alma de um país que ainda hoje se engana como democrático e forte moralmente.

Há que se considerar que o projeto de nação dos militares e dos civis que os apoiavam, cooptou os grandes conglomerados midiáticos, assim como, muitos artistas e fez do esporte, sobretudo, do futebol um elemento constituinte de uma identidade, que forjada no contexto das ditaturas do século XX, segue como elo de ligação e afetividade entre os brasileiros, mas que na verdade se constitui, como o ópio do povo, tendo desempenhado e ainda desempenha na atualidade, um papel importante na formação das almas do povo deste país de desiguais, onde a hegemonia econômica, masculina, branca se consolida como natural e, onde, sobretudo, os dominados defendem os seus dominadores consolidando visivelmente o conceito de hegemonia. 

Nesse complexo contexto em que a sociedade foi agente e vítima, ao mesmo tempo, de um processo político ditatorial, o AI-5 se constituiu como o marco que aprofundou as divisões e permitiu a abertura de feridas profundas em nossa sociedade. Feridas nunca curadas, visto que a absurda lei da Anistia de 1979 se constitui como um perdão estatal que nivela assassinos de Estado às vítimas de seus crimes. 

Para conhecer mais sobre o AI-5 deixo as próximas palavras para Carlos Castello Branco, jornalista piauiense e apoiador do que denominava de revolução de 1964, que nos anos seguintes ao AI-5 passa a ser preso e perseguido, embora tenha sido uma das poucas vozes da imprensa brasileira  a falar abertamente sobre os atos dos governos ditatoriais, sobretudo, por sua ligação com uma das alas dos militares.

No dia 14 de dezembro de 1968 na Coluna do Castello no Jornal do Brasil, Castelinho asseverou: 

Ao Ato Institucional de ontem não deverá seguir-se nenhum outro ato institucional. Ele é completo e não deixou de fora, aparentemente, nada em matéria de previsão de poderes discricionários expressos.                                                      [...].

O Congresso, posto em recesso por tempo indeterminado, está praticamente fechado e tudo indica que se cumprirão as profecias de um expurgo no Poder Judiciário. A possibilidade, mantida pelo Presidente, de convocar o Congresso sem compromisso de data indica que somente para resolver uma crise eventual ele o fará. Mais provavelmente, contudo, Câmara e Senado somente voltarão a se reunir para constituir o Colégio Eleitoral que, no tempo próprio ou no momento designado pela revolução, formalizará a escolha do sucessor do Presidente Costa e Silva.

Os partidos não foram expressamente suprimidos, mas perderam a função. A Arena está praticamente dissolvida, pois nos considerandos do Ato se afirma que ela falhou na sua missão de defender no Congresso o movimento revolucionário. O Governo dissociou-se do seu Partido, e o despediu, sem agradecer os serviços, antes pelo contrário. Uma conseqüência, que não estava inicialmente prevista, desse novo Ato Institucional será a intervenção federal nos Estados, na forma que se estabeleceu. Somente na tarde de ontem circularam informações relativas à disposição do Governo revolucionário de afastar governadores que são dados como comprometidos no processo contra-revolucionário. Tudo indica que algumas intervenções estão em vias de ser consumadas.

A imprensa aparentemente foi poupada. Na realidade, deverá o tema ser tratado num ato complementar, tal como antecipavam ontem deputados do esquema situacionista.

O Ato também autoriza o Governo a confiscar bens adquiridos ilicitamente, numa ameaça que vem cobrir antigas decepções dos militares encarregados de IPMs.

A medida estancou todas as fontes políticas de resistência ao Governo, não deixando nenhuma válvula. A Oposição não terá a menor possibilidade de produzir-se, a não ser que seja respeitada, e até quando o for, a liberdade de imprensa. Mesmo assim os políticos estão de tal modo contidos que seu acesso aos jornais importará num risco certo para cada um deles. ( Para saber mais leiam a Coluna do Castello de 14 de dezembro de 1964, disponível em http://www.carloscastellobranco.com.br/sec_coluna_view.php?id=6950).

Conhecer o passado, conhecer a história é sempre importante! Fica a dica! 

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