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Nenhum dos poderes pode considerar-se autoimune e autossuficiente

O Judiciário é (deveria ser) a última instância de segurança do cidadão. Seja jargão ou não, o certo é que essa sentença tem uma representatividade democrática sobremodo importante.

18/04/2019 06:46

É que o Judiciário é o poder, dentre os três (Executivo, Legislativo e Judiciário) que dá o equilíbrio, garantindo a necessária harmonia e independência entre eles, tal como preconizado no artigo 2º da Constituição Federal de 1988. Um Judiciário enfraquecido é como se ter uma Democracia fragilizada, sem anticorpos que garantam a sua saúde por ocasião de eventuais ameaças. 

A independência, autonomia, seriedade e, acima de tudo, o exemplo de retidão no “cumprir e fazer cumprir” a Constituição, sem desviar um átimo sequer dos princípios e fundamentos nela própria estabelecidos, funcionam como esses anticorpos, imunizando a Democracia de ser acometida por mazelas que poderiam fazê-la colapsar. Ao se ver envolto nos últimos dias por problemas que podem minar essas defesas, o Poder Judiciário adoece, e com ele a Democracia.

Ao instaurar um procedimento investigativo próprio, e determinar que o site "O Antagonista" e a revista "Crusoé" retirem do ar reportagens e notas que citam o presidente do STF, Dias Toffoli, o ministro Alexandre de Moraes pode ter atentado contra o sistema imunológico que dá sustentação à Democracia brasileira. 

Quando o Executivo ou o Legislativo praticam atos que discrepam dos comandos constitucionais, ao Poder Judiciário cabe exercer o controle democrático, impedindo que os demais poderes atuem em dissonância com o estabelecido na Constituição, funcionando como o necessário anticorpo em defesa do sistema Democrático de Direito. 

Todavia, quando é o Poder Judiciário, diga-se STF, que fere o estabelecido na Constituição, é o próprio sistema imunológico da Democracia que se esvai, propiciando que diversas ‘doenças’ possam aparecer, colocando em risco o sistema que ao Judiciário cabe proteger. Tudo isso é por demais perigoso.

De fato, colocar em risco a Democracia, fragilizando-se a si próprio, só se justifica com base em uma autoconfiança extremada, ao ponto de considerar-se autoimune e autossuficiente. A decisão do ministro Alexandre de Moraes denota um pensamento de poder máximo e de que nada pode atingi-lo. 

In medio stat virtus! Aristóteles assim preconizou: A virtude está no meio. É um princípio de ascética, que desaprova a negligência, da mesma forma que condena o excesso de rigor (ou de autoconfiança).

Achar-se invulnerável numa Democracia, onde há um sistema de freios e contrapesos, onde todo o poder emana do povo, é desconhecer aquela máxima aristotélica. Numa Democracia, efetivamente, é preciso saber que os poderes constituídos não são nunca autossuficientes ou autoimunes. Este deve ser um princípio básico, que não pode ser relegado a segundo plano, já que mesmo que possa se colocar em risco o Sistema Democrático de Direito, esse próprio sistema pode rebelar-se contra quem assim o colocou. É a autopoiese no (do) Sistema Democrático de Direito.

Segundo a Enciclopédia Jurídica da PUC/SP, a “autopoiese foi utilizada no campo do direito pela teoria dos sistemas para resolver o fundamental problema de delimitar externamente um sistema nos confrontos do seu ambiente, sem excluir a própria capacidade de introduzir ao seu interno mudanças que assegurem a sua sobrevivência. (...) Em suma, o direito como organismo vivo é capaz de produzir-se e de sobreviver mudando a si mesmo de modo autônomo para ser sempre mais adaptado a desenvolver a própria tarefa numa sociedade que muda.”

As consequências da decisão do ministro Alexandre de Moraes são difíceis de se prever, mas não se pode deixar de reconhecer que coloca em risco a credibilidade (já fragilizada) do Poder Judiciário, além de ameaçar a Democracia. É preciso reconhecer, também, que pode significar uma mudança de paradigma sem precedentes, colocando o Poder Judiciário numa difícil missão de reinventar-se. Na Democracia, em verdade, nenhum dos poderes pode considerar-se autoimune e autossuficiente.

O STF se fragiliza

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), classificou como censura e "retrocesso em termos democráticos" a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou à revista digital "Crusoé" e ao site "O Antagonista" a remoção de reportagem que menciona o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli a suposto pagamento de propina pela Odebrecht.

"Isso, pra mim, é inconcebível (a remoção do conteúdo dos sites jornalísticos). Prevalece a liberdade de expressão, para mim é censura", disse Marco Aurélio ao Broadcast Político.

"Eu não vi nada de mais no que foi publicado com base em uma delação. O homem público é, acima de tudo, um livro aberto. (A remoção de conteúdo) É um retrocesso em termos democráticos", avaliou Marco Aurélio Mello.

Segundo o Broadcast, pelo menos três ministros do STF também criticaram reservadamente a decisão do ministro por avaliar que o entendimento de Moraes contraria entendimentos recentes do tribunal sobre a liberdade de imprensa e abre margem para excessos. Fonte: brasil247

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