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A vida da elite venezuelana em Caracas

Celso Pires - Advogado

30/05/2019 06:28

Conforme descrito em uma interessante reportagem feita pela BBC, existem raros sinais da crise pela qual passa a Venezuela nas regiões nobres da capital do país, Caracas. Nestes locais existem restaurantes onde pulsam uma vibração que destoa da realidade venezuelana. Bares modernos, muitas opções de vinhos caros para os clientes, cardápios sofisticados repletos de itens tais como carpaccio, poke e azeite trufado. Resta evidente que esta aparente ficção jaz a anos-luz de distância de uma real vivência da legítima Venezuela, onde cerca de 90% das pessoas vivem na pobreza e a inflação atingirá 10.000.000% neste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional – F.M.I. Com o salário mínimo em torno de US$ 5 (R$ 20), a maioria das pessoas tem dificuldades em comprar uma dúzia de ovos ou um simples saco de arroz. Enquanto isso, no lado mais abastado da cidade, existe um pequeno supermercado que vende produtos importados para uma casta de privilegiados que vivem em uma realidade paralela à da imensa maioria dos cidadãos venezuelanos. Tais clientes são estrangeiros e venezuelanos ricos, pertencentes a uma oligarquia que se deu bem sob a "revolução bolivariana" de Hugo Chávez (19564-2013) e Nicolás Maduro. Nas prateleiras, os comensais se labuzam de iguarias como pasta de queijo gourmet, azeitonas e caviar. Uma perna de jamón serrano, um tipo de presunto espanhol curado, custa US$ 1,8 mil (ou quase R$ 7,2 mil). Em um país que já foi um dos mais prósperos da América Latina, restam poucos lugares como este. No entanto, o que mais choca, é o fato de ainda existirem mesmo em uma Venezuela arruinada como a de hoje. No contexto econômico venezuelano, apenas três

tipos de fregueses ainda sustentam esse segmento de negócio; os que recebem dinheiro de parentes no exterior, aqueles que auferem salários em outras moedas e os que fazem parte do mecanismo governamental. Existiu um período, resultado de épocas anteriores, quando as receitas do petróleo eram altas e os venezuelanos podiam economizar, que possibilitou uma abundância consumista. Entretanto, atualmente, tais costumes têm mascarado uma realidade difícil mesmo para os mais privilegiados. Hábitos arraigados de consumo fazem com que pessoas ainda comam em restaurantes, contudo, isso não significa que elas consigam planejar a educação de seus filhos, morar dignamente ou ter esperanças para futuro. Desde 2013, quando Hugo Chávez morreu, a economia da Venezuela encolheu mais de 50%, milhões de venezuelanos foram embora e os que ainda comem em restaurantes estão enquadrados nas categorias supracitadas. Todavia, a recente escassez de energia em todo o país tem dificultado mais ainda vidas que já estavam difíceis. Dentre elas, as dos donos de restaurantes e cafés que sobrevivem em meio a toda essa confusão. Apesar do caos econômico, as pessoas necessitam de tempo de lazer, socializar, tomar um café, carecem de um refúgio para manter a sanidade. Quando se pensa em crise econômica imagina-se estatísticas e números, mas a individualidade e principalmente a dignidade de cada pessoa transcende a isso. A Venezuela é um grande modelo de como a corrupção e o descaso arruinaram um país rico, grande produtor de petróleo. Aniquilaram despudoradamente as expectativas e o futuro de milhares de jovens e crianças. Nada é mais devastador do que sufocar as esperanças de um indivíduo, relegá- lo ao torpor de uma sobrevivência anestesiada, que, quando muito lhe conduz a migração. A crise econômica conduz a tais consequências e ao manter a passividade e aceitação somos tragados a uma rota de complicado retrocedo. Dito isso, devemos aprender com o triste exemplo de países que no passado já foram tão pujantes, para evitarmos uma rota de tamanha degradação.

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