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A vida imita a arte na Ucrânia

Celso Pires - Advogado

18/04/2019 06:54

Em 2016, uma série intitulada "Servo do Povo"; começou a ser exibida em uma rede de televisão na Ucrânia. No papel de um professor, o comediante Volodymyr Zelenskiy acidentalmente se torna presidente depois que seu personagem faz um efusivo discurso sobre a política ucraniana e viraliza nas redes sociais. Passados três anos, como as vezes acontece, a vida decidiu imitar a arte. O comediante, que é presidente na ficção, está agora a um passo de liderar, de fato, o país europeu onde poderosas oligarquias dominam a política há muito tempo. Zelenskiy está liderando a contagem de votos no primeiro turno, com 30% da preferência dos eleitores que foram às urnas escolher um dos 39 candidatos ucranianos. Ao que tudo indica, o comediante deve ir para a segunda fase da disputa presidencial com o atual líder do país, Petro Poroshenko. O segundo turno da eleição na Ucrânia está marcado para o dia 21 de abril. Neófito na política, Zelenskiy transformou sua inexperiência em ponto forte da campanha. Explorou o fato de ser um outsider e desafiou a política convencional do começo ao fim. Não fez comícios oficiais, tampouco adotou um discurso padrão. Além disso quase não deu entrevistas. Usou, principalmente, as redes sociais para divulgar vídeos e atrair o voto dos mais jovens. Aparentemente a forma de fazer política em todo o mundo vem mudando. Aos 41 anos, Zelenskiy não fez questão de demonstrar conhecimento aprofundado sobre nenhum tema. Limitou-se à narrativa do novo e do diferente. E levantou a bandeira do combate à corrupção. Discurso mais vago, impossível. "Se não tem promessa, não tem decepção"; é uma das frases memoráveis que marcaram a campanha do comediante. Zelenskiy é contra o sistema, um comediante contra o modelo de Estado posto na Ucrânia. Um estereótipo político que cada vez mais vem se disseminando pela sociedade internacional. O candidato se destaca por falar fluentemente russo e ucraniano, num momento em que os direitos linguísticos são um tema extremamente sensível para o país. A habilidade linguística do ator atraiu apoio no leste da Ucrânia, região onde a maior parte da população fala russo. Zelenskiy, contudo, tem um ponto fraco que gera muita controvérsia. Pois conserva uma relação próxima com Igor Kolomoisky, um dos mais controversos oligarcas da Ucrânia. Kolomoisky é dono do canal de televisão “1 + 1”, emissora que apoiou Zelenskiy e que começou a

exibir a última temporada da série do comediante a quatro dias da eleição ucraniana. O oligarca, que vive em exílio auto imposto, enfrenta inúmeras investigações na Ucrânia que apuram a licitude de seus negócios. Durante a campanha, contudo, Zelenskiy reiterou diversas vezes não se tratar de um fantoche de Kolomoisky. O sensível contexto social da atualidade ucraniana é de busca pela estabilidade. Essa é a segunda eleição na Ucrânia desde a queda do governo pró-Rússia. Em fevereiro de 2014, o ex-presidente Viktor Yanukovych foi derrubado depois de fortes protestos que custaram mais de 100 vidas. Logo depois veio a anexação da Crimeia pela Rússia e uma insurgência apoiada pelos russos no Leste do país. Em maio de 2014, o magnata Petro Poroshenko, um dos homens mais ricos da Ucrânia e empresário do setor de confeitaria, venceu a disputa no primeiro turno, com quase 55% dos votos. Agora, Poroshenko, de 53 anos, tenta a reeleição focando no voto dos mais conservadores com o slogan "Exército, Língua e Fé", ao mesmo tempo que seu governo enfrenta escândalos de corrupção. Na Ucrânia, o sistema de governo é classificado como semipresidencialista e o presidente tem poderes significativos nas áreas de segurança, defesa e política externa. O próximo presidente vai herdar um conflito travado entre tropas ucranianas e separatistas orientais. Espera-se ainda que o líder mantenha os esforços da Ucrânia para cumprir requisitos exigidos União Europeia e, assim, estreitar os laços econômicos com o bloco. Segundo a U.E., cerca de 12% das 44 milhões de pessoas que vivem na Ucrânia estão privadas de direitos fundamentais mínimos, em grande parte aqueles que vivem na Crimeia, anexada pelos russos em 2014. Diante de tantos desafios, o comediante-candidato teve de ceder e buscar a ajuda de profissionais na reta final da campanha. Nas últimas semanas, depois de algumas reuniões desastrosas a portas fechadas com diplomatas, ele trouxe para a sua campanha assessores com credibilidade para tentar tranquilizar as pessoas e passar a imagem de que, mesmo parecendo não ter muita noção de como administrar a Ucrânia, vai governar cercado de pessoas experientes. Resta aguardar e torcer para que os ucranianos não aceitem que seu governo se transforme em uma ópera bufa.

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