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Pela volta do Ministério da Desburocratização

Confira o texto publicado pelo colunista Celso Pires na edição desta quinta-feira (25) no Jornal O Dia.

25/07/2019 09:02

A burocracia promove privilégios e cria obstáculos na vida do cidadão. As dificuldades surgem a partir dos carimbos, dos selos, dos balcões, dos guichês, dos protocolos, dos processos e de uma série de procedimentos que se prestam para penalizar os cidadãos honestos e facilitar a impunidade dos fraudadores e dos estelionatários. A falsificação avança ferozmente, desde os diplomas universitários, aos remédios, identidades, alvarás, carteiras de motorista. Não são os carimbos, os reconhecimentos de firmas, as autenticações e outros serviços burocráticos que evitam a prática disseminada da falsificação e da fraude. 

O cidadão em sua rotina diária enfrenta a violência, o trânsito caótico das grandes cidades, os altos valores dos estacionamentos, as complexidades da legislação brasileira, o tempo de espera, as senhas e as filas nas repartições públicas, nas emergências dos hospitais, nos bancos e ainda pagam altos tributos. O custo dessas atividades, muitas delas dispensáveis, porque eminentemente burocráticas, é muito alto em termos econômicos e emocionais. A era colonial nos deixou de legado os cartórios que prestam, dentre outros, os serviços de certidões de nascimento, casamento e óbito; registro de imóveis, protesto de títulos, escrituras, procurações públicas, notificações, reconhecimento de firmas e autenticações. 

Um dos favoráveis atributos dos cartórios se posiciona em seu baixo custo operacional da atividade, no risco zero da operação, seguido de altos rendimentos. O cartório mais rentável é o de Registro de Imóveis, onde se anota compra e venda de imóveis. A título de curiosidade, o cartório com maior arrecadação bruta em 2016, segundo dados do CNJ, foi o 9º Ofício de Registro de Imóveis do Rio de Janeiro, com um total de R$ 81,4 milhões. Em seguida, vem o 11º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, com R$ 57,3 milhões. Fazendo uma pesquisa histórica, remete-se ao então Ministro da Desburocratização, Hélio Beltrão, idealizador da desburocratização no país, que ainda na década de 70, trabalhou para mudar tudo que a Coroa Portuguesa havia criado em termos de burocracia. Iniciou uma empreitada contra uma série de atos e documentos desnecessários para o cidadão. Acerca do reconhecimento de firma foi editado o Decreto 63.166/68 pelo qual se dispensou "o reconhecimento de firmas em documentos que transitem pela Administração Pública, direta e indireta". Se o cidadão necessitar de "fazer prova perante repartições e entidades públicas federais da administração direta e indireta", está dispensado do reconhecimento de firma. Algo aparentemente simples, a bem da verdade suavizava sobremaneira a vida do cidadão honesto.

No início do período da criação do Ministério da Desburocratização editou-se o Decreto 83.936/79 que, logo no primeiro artigo, aponta a desnecessidade dos documentos enumerados, nos órgãos e entidades da Administração Federal, Direta e Indireta, tais como: atestado de vida, atestado de residência, atestado de pobreza, atestado de dependência econômica, atestado de idoneidade moral e atestado de bons antecedentes. Todos esses documentos foram banidos e substituídos por declarações dos interessados ou de seus procuradores, no entanto não demorou muito para a assombração da burocracia retornar e novamente insurgir com as exigências dos mesmos atestados, no cotidiano do cidadão brasileiro. O

 reino da burocracia não se mostra fácil de ser aniquilado, e tome-lhe atestado, comprovante de pagamento de conta, declaração para comprovar a residência que “vence com 03 meses”, recibos, certidão de casamento que precisa ser atualizada, “taxas” de demarcação, de averbação da demarcação, de “pré-notação”, cartões de autógrafos que “vence” e por último uma falta de compreensão e dúvida na interpretação da lei 13.726/2018. Essa lei afirma que o cidadão que lidar com órgãos dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios não precisará mais reconhecer firma nem autenticar documentos. Imploro a todos que leiam seu artigo terceiro. Ainda neste contexto da burocracia, ocorre um terrível fenômeno no Brasil, as normas são descumpridas pelo próprio Estado, sofrendo assim um exercício de descontinuidade e por isto não indo adiante, surgindo atualmente novas leis objetivando exatamente a finalidade daquelas editadas há cinquenta anos. 

O Decreto 8.934/94, art. 63, reitera claramente a dispensa do reconhecimento de firmas nas Juntas Comerciais: "Os atos levados a arquivamento nas Juntas comerciais são dispensados de reconhecimento de firma, exceto quando se tratar de procuração". O Decreto 6.932/09, revogou o Decreto 63.166/68, e reeditou medidas sobre a simplificação do atendimento público prestado ao cidadão, nas quais dispensa o reconhecimento de firma em documentos federais produzidos no Brasil. Determina ainda que "documentos comprobatórios que constem base de dados oficial da administração pública federal deverão obtê-los diretamente do respectivo órgão ou entidade". Como se vê a norma de 2009 prevê exatamente o que já se tinha desde 1968 e os governos que se sucederam não cumpriram a medida altamente desburocratizante. A burocracia do reconhecimento de firmas deve-se mais à cultura burocrática do brasileiro, porque ainda se acredita que os cartórios são órgãos públicos, vinculados ao Judiciário e que os documentos passados por eles asseguram credibilidade; na verdade, os cartórios constituem-se em negócio altamente rendoso. 

Apesar das leis e dos decretos, não se vê interesse de uns nem vontade de outros no sentido da busca de facilidades. O reconhecimento de firmas é o ato pelo qual o notário, que recebe delegação do Estado, declara que a assinatura aposta no documento que se exibe é da pessoa que se apresenta. De qualquer forma, para que haja reconhecimento de firma, indispensável que a pessoa compareça a um cartório, pague uma taxa, deixe cópia autenticada de sua carteira de identidade ou CPF, registre sua assinatura num cartão de autógrafos, onde ficam os modelos que poderão ser reconhecidas por semelhança naquele cartório. A cada reconhecimento que é feito, o serviço notarial presta-se a confirmar que a assinatura aposta no documento que se vai reconhecer é autêntica e foi colocada na presença do tabelião, se o assinante não estiver presente, e, na maioria das vezes não está, declara o tabelião que a assinatura é semelhante à que está no cartão de assinatura. A ação para reconhecer a firma é rápida, mas o cidadão não suporta o tempo perdido com esta burocracia centenária. Sem falar que este ato notarial não gera a segurança jurídica buscada pela parte, já que somente oferece presunção de verdadeira a assinatura. A utilização maior do reconhecimento de firma se situa nas atividades do setor privado entre pessoas físicas e empresas, em busca de segurança no negócio ou no contrato celebrado. 

O Estado burocrático brasileiro prefere desacreditar o cidadão honesto, criar controles para dificultar sua vida e considerá-lo fraudador, ao invés de punir os desonestos, os verdadeiros fraudadores e os estelionatários. Ficam os questionamentos se o reconhecimento da firma atesta no mundo real a certeza de que o papel foi assinado pela própria pessoa que apôs sua assinatura no documento, ou se no caso de o reconhecimento não consignar a realidade, ou seja, se o reconhecimento foi indevido ou contiver alguma falsidade, quem responderá pela fraude. Se houver erro, naturalmente o tabelião. Todavia, será que valerá a pena enfrentar uma luta judicial para se conseguir demonstrar a falsificação? Neste caso seriam duas batalhas jurídicas, uma contra o servidor para demonstrar o erro no reconhecimento da firma e outra para anular o documento que se originou da fraude. Resumindo, não vale a pena judicializar, pois o resultado tardará por acontecer. O governo tem a obrigação de buscar eficiência e segurança jurídica para o cidadão, além, evidentemente, de comodidade; e a exigência de reconhecimento de firmas em todos os documentos em cartório, criado especificamente só para esta atividade, contribui sobremaneira para a morosidade e para dificultar a vida do cidadão comum.

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