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SELEÇÃO DE POEMAS DE "Poesia in Completa" - 1a. edição

Poemas selecionados - Chico Miguel

16/07/2017 15:42

 O HOJE

Francisco Miguel de Moura

(seleção de Poesia in Completa – 1a. edição


certamente inda te adias

pois teus olhos se clareiam

ante a brisa e a paisagem

- que o horizonte é um presente

velejado por rostos escolhidos

mas não atrases teu amor

ao irmão que sofre o preterido

alegria, alegoria

o coração pede ritmos e pulsos

não é nenhum covarde

nem guarde restos e pedaços

de impressentidas elegias

o hoje é tudo o que se tece,

que bem tecido é odor, sabor e prece

em indistintas simetrias.

o amanhã não é teu dia

se hoje não tiveres empatia

com o razoável mundo e o sem-razão.

o ontem não tem clave se te agravas

em sentimento de ódio e entropia

como veio

de teu canto, em toda a via.

colhe a flor que está à mão.


O ONTEM


ontem foi o tempo emocional

assim, como passar

uma esponja

sobre o mal?

e o passado seria mortal

mas uma esponja

embebida do homem

embeberia a coisa:

- na verdade, o mal

um tempo sonâmbulo

que se gravou como um sinal

(esquecer não precisa

nem pode, é tão real)

ontem: eis o tempo que fica

como fundo do tempo

e sem rival.

O AMANHÃ

o amanhã virá

compor-te na teia

do in(completo)

nunca tecido

olho-boca-ouvido

seja fala ou prece

seja foto ou fluido

de luz desejada

paixão não vivida

é limbo incriado

é amor temido

poeta, recia

sem receio

- e recria

teu inteiro futuro

quando o hoje não for mais

essa será a glória

do teu dia.


E O SEMPRE


o hoje se esfume

o ontem se de/pedra

o amanhã quem sabe?

não há sempre

e há o sempre

sempre

sempre

não é começo

não é fim

não é processo

é um tempo sem tempo

nem temporal

nem tem/porão

semper

semper

sem-

per-

seguição

o tempo neutro

dá cacetadas no infinito.


ANTES E DEPOIS


quem saberá se um dia fomos?

e por que auscultar o passado

se se passa

adiante

sem liame de gostos ou de falas?

quando as luzes se apagam

quem diz para onde e a que vamos?

para o vazio e para a morte

de onde deveremos voltar como visões?

vamos para onde não vamos

para além da vida e da morte

onde não há sábios.

quem saberá se um dia fomos?


O RÉU


o corpo se gelou virtualmente

naquela tarde tropical

o sangue ferveu

depois sumiu

depois choveu no coração deserto

o fértil das sementes

de espinho

foi triste o engano de quem viu

com alegria

o par absorvido em «eus» e «vaidades»

e falto de carinhos

a nuvem do negrume

duns olhos que ofuscavam as estrelas

inclusive a vênus (derrotada)

encontrou formas tão belas

do pré-parado engano:

- era o segmento do caminho do céu

era o melhor inferno

de amor na contramão

do que seria eternamente grato

e réu.


APOCALIPSE


disperso o orvalho

secas as lágrimas

do homem

condenado ao mal

vai o mundo sem vau

como no início

flores fedidas nascem

num espelho opaco

e mulheres desamadas

desamam após

e clamam

por voz

mas

no deserto

até a hora da noite imóvel

com seu fundir sem fundo

e sobre os torturados

os demônios rolarão

na dança desfinos.


O CHEIO E O VÁCUO


o nada e o tudo soam nardo

e ab(sinto):

- ab(surdo) na amplidão

dos homens e dos bichos satisfeitos

(inseto ou dinossauro)

cai sobre mim uma poeira

cósmica coceira

de saber

o que constante me devora

e a paciência

me explode em palavrão

palavras vãs, palavras vão

e vêm

cortar o silêncio amplificado

de tudo quanto é voz

não há imposturas, há correntes

de sangue, sabor, gestos(contrários) parados

água e calor que luzem

nardo é nada

ab(sinto) é liberdade:

- um nome sem tempo e com paixão

palavras vêm, palavras vão

soltas ao vento e zunem no telhado

das nuvens e dos astros

mas nada produzem:

- falta espaço

e como vêm, se vão

o mundo em seu bailado, no universo

é impiedade

e tudo cala.

a fala morde a dor do falante

entre dentes, trovões, cometas...

e outras tralhas.

deus se evola e bebe as águas

do abismo

onde se banha

e não há vácuo - falta tempo

e não há cheiro - falta onde pairar.

só deus explora o esquecimento

 do existir.

Fonte: Livro "Poesia in Completa - Chico Miguel
Edição: Poesia de Chico Miguel
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