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Melhor que o silêncio

O mundo, como se sabe, anda excessivamente ruidoso.

15/07/2019 16:16

Reza a lenda que o músico sofria de uma enfermidade rara: ouvido absoluto, daí a necessidade de reclusão, de isolamento. Para os que padecem deste mal, o que não for música é insuportável ruído. E o mundo, como se sabe, anda excessivamente ruidoso. João deve ter sofrido muito...

Na vida de João Gilberto, é praticamente impossível saber o que é verdade e o que não passa de lenda. É certo que tinha o seu próprio tempo que não se media pelos cronômetros convencionais. Consta que, no meio da noite, poderia ligar para um amigo e “alugar-lhe” o ouvido por horas a fio com o objetivo de mostrar-lhe, em primeira mão, as sutilezas de um acorde diferente numa velha melodia. Para o ouvido comum, era impossível perceber a filigrana que tanto entusiasmo provocara no violonista. Mas ninguém ousava desligar.

Para o público em geral, João era “maluco”, “excêntrico”, “irresponsável”, “ranzinza” ou simplesmente “genial”. Antes de cada apresentação do artista, pairava no ar um incômodo suspense. “Será se vai acontecer mesmo?”. Quando acontecia, a plateia, aliviada, saia do show como que comungada. Ouvir João Gilberto ao vivo era um privilégio para poucos.

Consta que gostava de se apresentar no Japão: o silêncio da plateia o fascinava. João, deliberadamente, espichava as canções, mesmo que fosse a sintética “Bim Bom”. Ao terminar a interpretação, o público fazia alguns segundos de silêncio para, em seguida, derramar dilúvios de aplausos. Com um sorriso discreto, o músico agradecia.

A trajetória de João Gilberto sempre foi marcada por incidentes de toda ordem. Quando surgiu no cenário musical, pontificavam entre nós Orlando Silva, Vicente Celestino, Cauby Peixoto, entre outros monstros sagrados. O músico baiano até tentou cantar à Orlando Silva. Não funcionou: sua voz limitada não lhe permitia maiores voos. Além do que que ficou registrado, consta que, desencantado com o Rio, “exilou-se” na casa de uma irmã em Minas onde passava os dias trancado no banheiro, repetindo, ad nauseam, os mesmos acordes. A acústica do local teria permitido ao violonista descobrir a batida que o imortalizaria. Ao sair da hibernação, estava pronto para conquistar o mundo. E conquistou.

O mais é do conhecimento de todos: João Gilberto, na companhia de um punhado de músicos geniais, lançou a Bossa Nova, e o Brasil nunca mais foi o mesmo. O novo gênero musical não cabia no país e espraiou-se pelos Estados Unidos, Europa, Japão... Influenciou músicos de todas as latitudes, projetou a música brasileira no cenário internacional. Caetano Veloso tem razão: “Melhor que o silêncio só João”.

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