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Declínio de um homem, de Osamu Dazai

Confira também a vídeo-resenha no canal do Coletivo Leituras no YouTube

29/10/2015 11:31

Por meio de três cadernos, que muito se assemelham a um diário, acompanhamos a trajetória de Yozo. No início, uma criança que tenta a todo custo chamar a atenção alheia por intermédio de comportamento abobalhado e cômico. Segundo ele mesmo nos revela, essa é a válvula de escape que encontra para disfarçar a sua personalidade recôndita e deprimida. Acompanhamos, primeiramente, seus relatos da infância, numa cidade no interior do Japão. Sutilmente, ele nos revela o abandono dos pais e um abuso que teria sofrido – por passar muito tempo com os criados, alguém teria se aproveitado para abusar dele.

Aqui está a verdade que eu escondo dentro do peito: por fora, eu rio e faço rir, enquanto, no fundo, ter uma alma sombria é inevitável, dizia em segredo a mim mesmo”. (p. 49)



Quando inicia a faculdade, muda-se para Tóquio e passa a estudar desenho. Pouco tempo depois, acaba desistindo e se tornando um desenhista medíocre.  Chega a se envolver com o movimento comunista – não porque acreditasse em seus ideais ou apreciasse a filosofia marxista, mas, sim, e somente, porque gostava de se sentir subversivo e, até então, relata gostar de agradar as pessoas. Acatando assim, tarefas arriscadas do partido por pura diversão, sem jamais levá-las a sério.

Nesse período, ele conhece Horiki. Pode-se dizer que é a única relação de amizade, ou que se aproxima disso, que Yozo vai experimentar. Além de Takeiche, colega desde a época do período escolar e que parece ter sido a única pessoa a conseguir perceber a verdadeira personalidade de Yozo – com ele nenhum dos seus disfarces parecia surtir efeito.

Era a primeira vez que eu conhecia um típico vadio de cidade grande. Ainda que de formas diferentes, nós dois éramos pessoas perdidas e absolutamente isoladas das atividades humanas. A diferença básica entre nós é que ele agia sem consciência da sua farsa e, sobretudo, sem perceber quanto havia de trágico em sua farsa.” (p. 53) 

O que me marcou?

Faz um tempo que me dedico a ler autores japoneses, na realidade, desde o final de 2014.Comecei com Norwegian Wood, do Haruki Murakami, e, agora, Osamu Dazai. Pude captar alguns pontos recorrentes nos dois autores e que tenho impressão de que são fortes aspectos da cultura e do estilo de vida japonês.

Yozo sofre de profunda inadequação social – não compreendendo as rotinas práticas do cotidiano comum, não conseguindo se encaixar nele e não encontrando razões plausíveis para viver a vida da maneira que vivemos. Um niilista, que procura sentidos. Que perturba o leitor, desafiando-o a encontrar as respostas que ele jamais conseguiu enxergar.Demonstra esse sentimento de desprezo e tristeza, quando conversa abertamente sobre seu medo de gente. Medo de se aproximar, medo de encarar o ser humano como ele supostamente é: cruel e imprevisível. Outro ponto marcante e persistente na narrativa é a incapacidade que o protagonista tem de amar. Especialmente, em relação ao amor romântico. Chegando a questionar, inclusive, a existência do amor. No entanto, muitas mulheres se apaixonam por ele e sua aparente fragilidade desperta nelas um amor quase maternal, com desejos de protegê-lo.

Quando ele passa a ser definitivamente renegado pela família, afunda-se de vez no vício em álcool, prostitutas e drogas.  Apenas no prólogo e no fim temos acesso ao testemunho de outro narrador, que, assim como nós, tenta desvendar o enigma que parecer ser Yozo.

O protagonista contabiliza vários aspectos em comum com o autor, o que faz com que a obra seja classificada como uma produção de forte influência biográfica, pois Osamu Dazai tentou suicídio várias vezes até conseguir o intento, aos 39 anos.  Os vícios, os relacionamentos despedaçados e o sentimento de distanciamento da realidade são alguns pontos em comum. Essas vivências, consequentemente, levaram o autor/personagem a criticar a sociedade – inclusive quando ele percebe que ela não é aquela força invisível e incontestável, mas apenas o resultado de conflitos entre indivíduos que desejam se sobrepujar uns aos outros.Ele passa, então, a encarar a vida com mais atrevimento e menos subserviência ou temor.

Existe a expressão “pária”, que no mundo dos homens é utilizada para se referir a pessoas derrotadas, miseráveis ou perversas. Mas sinto como se eu fosse um pária desde o momento que nasci. Por isso, sempre sinto afeição por aquelas pessoas consideradas párias pela sociedade, afeição tamanha que me deixa num estado de êxtase”. (p. 59)

Aspectos interessantes do estilo de escrita são a sutileza, a economia e a objetividade. Em poucas linhas, Osamu constrói pensamentos coesos e complexos. Ao final, tive a impressão de que passei muito tempo na companhia do personagem. Teoricamente, por ele se abrir tão despudoramente para o leitor; quase num monólogo, vamos conversando com ele, enquanto passeamos pelos guetos, bares e prostíbulos. 

Em meu coração, permaneciam imutáveis meu medos, minhas suspeitas e minhas dúvidas sobre a autoconfiança e a violência dos seres humanos, mas na superfície, pouco a pouco, eu aprendera a cumprimentar outras pessoas com uma expressão séria”. (p. 67)

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Tem vídeo-resenha sobre esse livro AQUI 

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Por: Ananda Sampaio

Revisão: Ceiça Souza

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