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Kafka à beira mar

Romance lançado em 2008 é considerado por muitos críticos o mais fantástico do escritor japonês

13/07/2015 14:59

Em “Kafka à beira-mar”, Haruki Murakami mescla elementos da realidade e do fantástico. Há quem diga que é seu romance mais mirabolante. Uma obra que pode ser lida e apreciada também pelos leitores que desejam adentrar no mundo do japonês pela primeira vez. Mesclar elementos das culturas oriental e ocidental e produzir uma escrita mais global fazem dele um fenômeno de vendas e de adoradores.


Neste livro, em especial, pode-se observar a capacidade de fundir mundos numa só história. O destino de Kafka Tamura muito se assemelha ao de Édipo Rei. Há na obra uma influência explícita da tragédia grega. Temos um herói trágico, que parece já ter seu destino traçado, embora lute vertiginosamente contra ele.

Kafka, no seu décimo quinto aniversário, decide fugir de casa. A relação distante e fria que tem com o pai e a falta de familiares fazem com que o adolescente coloque em prática o plano que há anos deseja realizar. Com uma mochila nas costas e acompanhado de seu alter ego, Menino Corvo, Kafka pensa estar lutando contra seu destino, no entanto, aproxima-se dele cada vez mais.Em paralelo, desenrola-se a história do idoso Nakata, que após um misterioso acidente na infância adquire a capacidade de se comunicar com gatos. Em contramão, ele não consegue mais ler e escrever tendo em vista que muito da sua capacidade cognitiva foi prejudicada.

As duas trajetórias estão relacionados e, ao longo do livro, vamos encontrando pontos convergentes, que conectam os dois personagens. A escrita de Murakami é muito versátil, o leitor pode se surpreender com diálogos simplistas e autoexplicativos em excesso, bem como com diálogos profundos e filosóficos. Ambos permeiam todo o enredo.

A solidão pode ser um sentimento e também um estado difícil de reverter. Para o jovem Kafka, que cresceu apenas com o pai, que o criou de maneira totalmente isolada, a solidão foi basicamente uma imposição, uma circunstância difícil de lidar. Fez com que ele se fechasse para as pessoas e se tornasse inapto em relacionar-se socialmente. Para o velhinho Nakata, a própria linguagem, que se tornou amplamente difícil após o acidente, foi uma prisão. A dificuldade em se expressar e se fazer compreender fez com que Nakata se tornasse alguém peculiar, que terminava aliviando a solidão através das companhias dos gatos. Kafka, assim como o herói da tragédia grega, é uma figura grande e valente. Ele percebe o mundo por meio de uma ótica muito madura e fria, até mesmo desinteressada para um adolescente. O que conserva do estereótipo adolescente são os impulsos sexuais.

A meu ver, a narrativa tem um tom sombrio, que vez ou outra alterna com resquícios de esperança e de  bondade. É um livro que fala sobre sacrifícios – sobre as coisas que nos são tomadas enquanto vivemos. Como diz o arguto Oshima para Kafka, “o mundo é uma metáfora”. No universo de Murakami tudo que há a nossa volta sempre parece querer nos dizer mais, como se nada se bastasse pelo o que aparenta ser. Por isso, é tão complexo saber viver, porque a compreensão do mundo parece ser feita de muitas sombras e nuanças. Habitamos mundos, na verdade. Assim também nos explica o Menino Corvo quando diz para olhar o quadro e sentir o vento, quando nos aconselha a adormecermos, que o mundo que viveremos da próxima vez que abrirmos os olhos já não será mais o mesmo.

Por: Ananda Sampaio

Revisão: Ceiça Souza

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