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A desserviço da informação e da cidadania

Maria das Graças Targino - ([email protected])

30/01/2019 20:30

Inexiste tom demagógico quando se ressalta a informação como elemento inerente ao exercício da cidadania, cujo conceito incorpora três elementos: o civil, o político e o social. O elemento civil congrega os direitos essenciais à liberdade individual, como: liberdade de ação; liberdade de associação; liberdade de consciência e de crença; liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; liberdade de iniciativa; liberdade de locomoção; liberdade de trabalho, ofício ou profissão; e liberdade de acesso à informação. Os direitos políticos referem-se ao direito de vivenciar o exercício do poder político, como membro de organismo investido da autoridade política ou como eleitor. Por elemento social, entende-se tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança ao direito de participar da herança social e viver de acordo com os padrões sociais prevalecentes.

Sem detalhar a concepção de cidadania, vale lembrar que, nos diferentes países, suas respectivas constituições, no mínimo, em termos teóricos, garantem à sua gente bens e serviços essenciais, como educação, assistência médica, moradia, trabalho, segurança, lazer, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Quer dizer, um mínimo de direitos legalmente reconhecidos é (deveria ser) concedido pelo Estado, mas o que interessa ao cidadão é a superestrutura das expectativas legítimas. Pode ser relativamente fácil fazer com que toda criança frequente a escola. Difícil, porém, é satisfazer as expectativas de um sistema educacional apto a reduzir ou pôr fim ao analfabetismo em suas várias nuanças, de modo que todos se sintam aptos a compartilhar da vida pública de seu país, de forma consciente.

No caso da educação, base elementar dos direitos sociais, é útil lembrar que as crianças exercitam a formação da cultura cidadã desde cedo, na família e na escola. Sua educação vincula-se à concepção de cidadania, pois o objetivo do processo educacional durante a infância é formar o adulto em perspectiva. Considera-se não o direito da criança à escola, mas o direito do cidadão adulto ter sido educado e informado. O termo educação não se restringe ao preparo do indivíduo para o previsto, o que está próximo do adestramento. Prepara-o para o imprevisto. Tudo isto dentro de um processo global de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, com vistas à integração individual e social, o que demanda informações.

Diante desses argumentos, depois de lutas incessantes ao longo de décadas, no caso do Brasil, a Lei de Acesso à Informação n. 12.527, de 18 de novembro de 2011, foi, enfim, promulgada e posta em prática desde maio de 2012, quando do primeiro mandato da ex-presidente Dilma Vana Rousseff. A LAI regula o acesso previsto a informações na Constituição

de 1988 e dispõe sobre os procedimentos previstos para União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir a demanda informacional e, portanto, a prática cidadã.

O mérito maior da Lei em pauta é estabelecer a transparência da administração pública. No entanto, como necessário, resguarda os interesses do Estado. Isto porque, permite, em casos excepcionais, que alguns documentos sejam considerados reservados ou secretos, numa escala em que o sigilo varia de cinco a 25 anos, competindo tão somente ao Presidente e/ou Vice-Presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior fixar tal categorização.

Em meio a pouco alarde e muito silêncio – talvez por falta de compreensão da gravidade do que significa a medida e da procedente tragédia de Brumadinho de proporções ambientais e humanas que, como natural, desvia a atenção de todos – o general Hamilton Mourão, no exercício da Presidência, por meio do Decreto n. 9.690, de 23 de janeiro do ano em curso, altera a LAI, de tal forma que, na prática cotidiana, ela dificilmente alcançará o Governo Federal. E mais, ao longo de seu Artigo 30, Parágrafos 1o, 2o e 3o, o Decreto permite que servidores comissionados, dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas determinem o sigilo secreto e ultrassecreto às informações públicas.

Trata-se de agressão à conquista de 2011 e nítido desserviço à informação e à cidadania. Afinal, a concessão para a classificação de documentos oficiais a um número elevado de servidores públicos, é, em sua essência, a fragilização da tão sonhada transparência, com vistas a reduzir a improbidade administrativa e mil outras formas de corrupção. É realmente uma lástima. Rememora-se que a informação está contida no bojo do processo educacional como direito social, previsto no Artigo 5, Inciso XIV da Constituição Cidadã: "É assegurado a todos o acesso à informação [...]”, como fator de integração, democratização, igualdade, cidadania, libertação e dignidade pessoal. Em suma, a máxima – informação é poder – não é mera retórica!

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