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Ambição e desilusão

O aceite de Sérgio Moro para assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública desvenda a alma de homem comum do magistrado

08/11/2018 14:01

Tenho opiniões formadas acerca do universo da política, não como expert, mas, sobretudo, como cidadã. Não sou filiada a nenhum partido político, até porque, como tenho repetido ao longo da vida, eles se assemelham no que mantêm de mais negativo, em especial, a inconsistência ideológica que cerca seus adeptos e seguidores. Se assim não fora, não seria tão fácil “pular de galho em galho”, num atestado nítido de que os “legítimos representantes do povo” pouco se diferenciam em sua ambição de poder, de modo que o termo – ideologia – no campo da política, se esvazia no sentido de sistema de ideias consolidado como instrumento de luta em prol das coletividades e desmotiva a ida dos cidadãos às urnas. É um banho de desesperança e de desilusão. 

Como sempre falo, acredito que ninguém, em sã consciência, tem noção de quais são os partidos políticos que existem em território nacional e os mais atuantes. O Tribunal Superior Eleitoral reconhece 35, além de 73 (pasmem!) em processo de formação junto ao TSE. Trata-se de característica da política brasileira de difícil compreensão para os cientistas políticos de outras nações. Dentre as sopinhas de letrinhas, estão PTB, PDT, PT, DEM, PCdoB, Avante, Partido Novo, Solidariedade, Patriota, Pode, etc. etc. Por exemplo, o presidente eleito Jair Messias Bolsonaro, em seus sete mandatos como deputado federal, entre 1991 e 2018, esteve filiado a sete diferentes partidos – PSC, PP, PFL, PTB, PPB, PPR, PDC – até se agarrar a um partido nanico, o Partido Social Liberal ou PSL. 

Até aqui, nenhuma novidade. A instabilidade do sistema político. O elemento novo, em minha percepção (respeito profundo às ideias divergentes), fica por conta do magistrado, escritor e professor universitário Sérgio Fernando Moro ter aceito integrar a linha de frente do Governo Bolsonaro. Não sou petista. Não concordo com a onda de corrupção que tomou conta do país, nos conduzindo a um mar de lama, que não salpica, mas enxovalha e emporcalha os Poderes Executivo, Legislativo e, vez por outra, vem à tona desmandos, excessos, abusos e transgressões do Poder Judiciário. 

Ao vasculhar os porões das instituições públicas brasileiras e expor suas vísceras no que mantêm de mais repugnante, um nome ganhou destaque no decorrer dos anos. Retoma-se, aqui, o nome de Sérgio Moro. Como Juiz Federal da 13a Vara Criminal Federal de Curitiba desde 1996, assumiu, com brilhantismo, uma série de casos, como o escândalo do Banestado, além de se envolver com o julgamento de crimes alusivos ao famoso Mensalão. Porém, a notoriedade nacional e internacional veio, quando, em março de 2014, tomou para si o julgamento em primeira instância dos delitos da chamada Operação Lava Jato, considerada como o maior registro de corrupção e de lavagem de dinheiro descoberto em território nacional, envolvendo políticos de diferentes instâncias, personalidades do high society, empreiteiros e grandes empresas. O longo trabalho desenvolvido com seriedade ímpar conquistou a admiração de milhões de brasileiros, que, ingenuamente, como eu, lhe posicionaram como mito ou superdeus, por seu poder, sua decência e sua honorabilidade. 

O Presidente eleito, por sua vez, representa o oposto. Literalmente, é uma incógnita em qualquer acepção: sua instabilidade política partidária; seu temperamento distante de qualquer traço do que se chama estadista; sua vida militar obscura; sua formação intelectual duvidosa; sua parca produção e ações em prol dos brasileiros durante tantos anos na Câmara Federal. Tudo isto aliado a estigmas que lhe são atribuídos, como homofóbico, racista, intolerante no campo religioso, misógino (não importam os casamentos, as mulheres e os cinco filhos), nada pacifista e assim seguem adjetivos a ele imputados, que surgirão (ou não) durante seu mandato. 

Assim, após este parêntese, o aceite do magistrado ao apelo de Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, ou seja, uma pasta poderosa, desvenda a alma de homem comum de Moro. Pela primeira vez – espero que seja a única e a última – sou obrigada a concordar com a truculenta Dilma Rouseff, quando diz: “o rei está nu”, referindo-se ao “juiz do Brasil.” Ao acatar com tanta facilidade e rapidez o perigoso convite, ele se desnuda e expõe sua fragilidade humana. Permite-me questionar até que ponto sua ambição desmedida e sua vaidade exacerbada lhe roubaram a capacidade de raciocinar e de avaliar como está pondo em risco uma história de vida sem máculas e a conquista da honorabilidade, numa época em que espertos e indignos estão rastejando por toda parte. 

Não duvido da coerência e da retidão de suas sentenças. A centena de provas irrefutáveis aponta a culpabilidade dos presidiários, incluindo Luís Inácio Lula da Silva. Ao que parece não há inocentes. A Lava Jato prosseguirá. Torço para que Moro se salve nesse novo universo tão fétido quanto o bando de transgressores com quem conviveu. Não lhe desejo mal. É tão somente um sentimento meio ridículo de desilusão intensa com gosto de orfandade – a minha ou a nossa: os tolos que acreditaram na existência, ainda, de super-heróis! Eis um pulo no escuro! Eis um tiro no pé! 

*Maria das Graças TARGINO é jornalista e pós-doutora em jornalismo pela Universidad de Salamanca / Instituto de Iberoamérica

Edição: Adriana Magalhães
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