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O amargo sabor do envelhecer

Maria das Graças Targino - ([email protected])

21/02/2019 18:06

A posição da grande repórter e apresentadora de imprensa brasileira, ênfase para a TV Globo, Glória Maria Matta da Silva, ou, simplesmente, Glória Maria, 69, faz parte do anedotário nacional, quando o tema é idade. Em entrevista à revista “Veja” (8 de abril de 2018), quando questionada acerca do porquê de sua aversão declarada ao tema, responde literalmente: “tenho uma teoria de que, quando [se] fala muito em idade e no tempo, atrai o tempo contra você.” Prossegue: “Para evitar problema, esqueço que ele existe”, acrescentando não ter aderido a qualquer tratamento estético, como plástica ou botox, nem mesmo a exercícios em academia de ginástica. Em sua opinião, pilates e orientação de bons profissionais no campo da nutrição e da dermatologia são suficientes, até porque, ao que parece, ela possui boa herança genética, mas, sobretudo, lhe resta muito o que fazer ao lado das filhas. E conclui: “você acha que vou me preocupar com o tempo?”

Decerto, essa mulher de inteligência inquestionável e de profissionalismo para lá de reconhecido, se iguala às mulheres mais frágeis e vulneráveis, até porque sua teoria inexiste: o tempo não para. O tempo não é tacanho ou miserável com quem o repudia da mesma forma que não é pródigo ou “bonzinho” com quem o acaricia, ao costurar lembranças ou bordar com fio de ouro sonhos e devaneios. Simples assim: ele existe. Deixa marcas no corpo e na alma. Deixa cicatrizes visíveis e invisíveis. Está ao nosso lado todos os dias, todas as horas, todos os minutos.

Estou entre os seres humanos – não importa o gênero – que defendo a ideia de que é melhor ser velha sem remendo do que velha remendada, mas respeito quem adere à plástica, até porque há sempre chance de mudar de ideia (risos!). No entanto, combato, com vigor, a violenta pressão social que cobra, sobretudo, das meninas, uma beleza ímpar, nem que seja fabricada em clínicas estéticas ou em cirurgias precoces. É importante ser magra, corpo perfeito, rosto angelical, para se enquadrar na imagem de sexo frágil e maleável, e, então, perfeito para servir ao outro. Isto é, se beleza hollywoodiana ou global e juventude eterna não se fazem possível, lutar contra o tempo fingindo ignorá-lo, alcança o outro lado extremo da questão.

As reações das mulheres que envelhecem e já deixam a chamada meia idade (seja lá o que isto signifique) para adentrar na velhice são múltiplas e variáveis. Num momento qualquer de minha vida, viajei lado a lado da atriz Fernanda Montenegro [Arlette Pinheiro Esteves da Silva Torres], 89 anos, num assento de uma aeronave qualquer. O rosto sereno e pleno de marcas de uma vida produtiva me encantou. Nenhuma maquiagem. Nenhum artifício. Seu porte alentador exala tanta beleza que nega (sem ocultar) o envelhecimento corporal.

Do outro lado, eis Maria Odete Brito de Miranda Marques ou a mirabolante Gretchen, 59 anos declarados, que exala vigor num corpo encapado por mil plásticas, como se fora outra pele. Não lhe atiro pedras. É sua opção de vida e um exemplo de quem crê nos benefícios supérfluos de driblar o tempo, como na teoria de Glória Maria. Cláudia [Maria Patitucci] Jimenez, 60, atriz, humorista, dubladora e roteirista, por sua vez, mostra-se publicamente incomodada com quem a vê e exterioriza, mesmo sem palavras, preocupação diante da possibilidade de sua morte iminente, devido a problemas cardíacos. Ela diz: “não posso ter uma enxaqueca, uma dor de barriga, que já acham que estou morrendo [...]”

Ainda mais recentemente (13 de fevereiro de 2019), também à “Veja”, Maria da Graça Xuxa Meneghel declara: “[...] queria que as pessoas aceitassem que estou velha, vai doer menos para elas, porque para mim não dói mais. Eu me olho no espelho e me aceito do jeito que sou.” Isto porque se sente cansada das polêmicas que rolam nas redes sociais acerca de seu processo de envelhecimento, não obstante cuidados contínuos com o físico ao longo de toda uma vida.

Há, ainda, o posicionamento de Marília Gabriela [Baston de Toledo Cochrane] ou Gabi, 70 anos. A brilhante jornalista, eventual atriz e cantora, escritora e excelente apresentadora confessa: “eu virei um animal solitário mesmo. Leio, vejo série, fico em silêncio. Meu celular não toca mais.” Não acreditei no que estava lendo! Era eu quem falava. Estou, a cada dia, mais silenciosa (não mal-humorada), mais só, mais agarrada aos escritos, mais ciente de que fracassei em tudo a que me propus. Não consegui manter uma união estável e uma família enlaçada. Lutei por uma universidade séria e de cunho social, não consegui. Tentei reconhecimento do que fiz no campo da educação pelas sementes que plantei, falhei: carecia de padrinhos políticos...

De qualquer forma, segundo o grande educador Darcy Ribeiro, “meus fracassos são minhas vitórias. Detestaria estar no lugar de quem venceu.” Afinal, acredito e acreditarei até o fim de meus dias que vencer na vida não significa vencer os outros, tripudiar os outros ou pisar nos outros. Vencer, ainda que com gostinho de derrota, é ser capaz de exercer a gratidão rumo aos que permanecem a nosso lado, de sorrir para quem se alimenta da ilusão de uma gargalhada, de exercitar a complacência e a generosidade e de amar os que ainda nos restam.

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