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Desafios da Formação Docente

Gostaria de iniciar esse artigo com uma indagação: o que vem a ser "œvalorização do magistério"?

29/05/2019 17:36

Decididamente é um conceito amplo e perpassa uma multiplicidade de temas dos quais, de maneira sucinta, tentaremos elucidar alguns pontos fundamentais. Da maneira como é entendida no Brasil, a valorização do magistério está fortemente vinculada à questão pecuniária, notadamente aos reajustes do piso nacional do magistério. Certamente a remuneração, como em qualquer outra profissão, assume papel decisivo na valorização das atividades desempenhadas.

Porém, questões como melhoria da infraestrutura das escolas, reforma curricular, convergência entre o que se ensina nas universidades (mormente nos cursos de pedagogia e licenciatura) vis-à-vis as necessidades pedagógicas dos docentes em sala de aula, reestruturação do plano de carreira e remuneração, capacitação específica para diretores escolares, além da integração entre as diversas áreas administrativas (Secretarias de Assistência Social, Transportes, Esportes...) com a Secretaria de Educação, constituem-se em desafios que ainda carecem de maior eficácia na gestão pública.

Nesse conjunto de fatores, insere-se o conceito de “valorização do magistério”. As condições para o exercício do magistério não se restringem à sala de aula, pelo contrário, invocam uma série de processos correlatos: transporte escolar, alimentação adequada ofertada pelas escolas, segurança no entorno escolar e assistência social para as famílias mais vulneráveis socialmente. A junção e harmonização desses fatores podem propiciar ao docente a genuína “motivação”, na medida em que a prática pedagógica, neste contexto, reveste-se da necessária estrutura escolar. Como nas demais 

profissões, a “motivação” constitui-se na mola-mestra para a sedimentação de um contínuo processo de aperfeiçoamento.

Ao lado disso, permitam-me relembrar uma instituição há muito extinta nesse país, e que viveu seu apogeu na primeira metade do século passado. Refiro-me aqui à “Escola Normal”. Consistia em um centro de formação para o magistério, voltado prioritariamente para a docência da Educação Infantil e “Nível Primário” (nomenclatura predecessora dos anos iniciais do ensino fundamental). Os professores egressos dessas escolas cursavam até quatro anos letivos, com especialização no magistério. A “Escola Normal” surgiu no Brasil logo depois da sua independência, porém foi no início do século XX que tomou grande impulso, dada a constatação, já naquela época, que não se dispunha de professores em quantidade e qualidade necessárias ao crescimento populacional. A “Escola Normal” trazia um currículo pautado na instrução cívica, exercícios de análise sobre pequenos trechos lidos, escrita, aritmética elementar, ensino prático do sistema legal de pesos e medidas, desenho à mão livre, exercícios de redação de cartas, faturas e contas comerciais, noções de geografia geral e física, ginástica, canto oral e trabalhos manuais. Várias “Escolas Normais” foram alçadas à condição de “Escolas-Modelo”, nas quais os futuros professores aprendiam conteúdos efetivamente ministrados em sala de aula, e, vivenciavam, por meio da observação in loco de professores-tutores, como esses conteúdos eram trabalhados com os alunos. Adicionalmente, os professores-formandos também tinham a oportunidade de praticar a docência durante seu período de formação, acompanhados e orientados pelos professores-tutores. Essa prática garantia a capacitação necessária, replicando um ciclo de qualificação contínua dos docentes. As cidades mais prósperas dessa época, São Paulo e Rio de Janeiro, galgaram importantes avanços na

alfabetização, decorrente da manutenção desse modelo até meados dos anos 60.

Apesar de não ser universalizada, a escola pública nesse período era vista como centro de excelência, no qual o professor era admirado não só pelos alunos, como também pela sociedade civil. Existia até então uma valorização social do magistério. Na década de 70 aconteceu movimento inverso, ou seja, a escola pública experimentou (salvo raríssimas exceções) uma decadência contínua dos seus processos pedagógicos e administrativos, muito em função de uma universalização do ensino fundamental mal planejada. A promulgação da segunda Lei de Diretrizes e Bases da Educação em 1971 (Lei 5692, que vigorou

até 1996), acabou com o caráter “prático” da formação inicial dos professores dos anos iniciais do ensino fundamental, ao esvaziar os pressupostos da “Escola Normal” e instituir diretrizes curriculares eminentemente teóricas. A partir desse momento as grades curriculares dos cursos de pedagogia e licenciatura adquiriram um formato mais acadêmico, remetendo a um segundo plano práticas essenciais ao processo de ensino e aprendizagem em sala de aula. 

As proficiências obtidas pelos alunos brasileiros em Língua Portuguesa e Matemática, verificadas por meio da aplicação das avaliações diagnósticas de larga escala pelo MEC (Ministério da Educação), corroboram um quadro no mínimo desafiador. Desde 1997 o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) registra proficiências decrescentes para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio. No caso dos anos iniciais do ensino fundamental, registra-se uma tênue melhora, principalmente a partir de 2001.

Com a nova BNCC (Base Nacional Curricular Comum) do ensino básico, temos um bom momento para repensar as grades curriculares dos cursos de pedagogia e licenciatura. O MEC necessita assumir seu papel de protagonismo nesse processo, propondo uma maior integração entre a academia e a realidade vivida nas salas de aula das escolas públicas (e privadas).

Não existe melhor cenário em sala de aula do que um professor bem capacitado e motivado.

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