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Industrialização e acesso à escola

Até a década de 60 o sistema público de ensino gozava de grande prestígio social.

07/03/2019 13:43

 Era uma época em que a sociedade se encontrava na escola pública, onde filhos de empresários, fazendeiros, motoristas, enfermeiros, dentre outros, dividiam a mesma sala de aula. Porém, o sistema de ensino não era universal, ou seja, o acesso à escola pública era, de certa forma, restrito, beneficiando apenas uma pequena parte da população em idade escolar. Curiosamente, naquele momento, a escola particular “carregava” a pecha de não oferecer um ensino com a qualidade verificada na rede pública. 

A chegada da industrialização (e consequente urbanização) nas grandes cidades, notadamente a partir dos anos 50, alçou as classes médias urbanas à condição de protagonistas das reivindicações mais radicais, influenciadas por aspirações liberais-democráticas. Uma particularidade do processo de urbanização e consequente massificação das classes populares, reside no fato de que essas, buscando melhor padrão de vida, migraram em grande número do campo para as cidades. 

Paralelamente, a contínua mecanização da agricultura (circunstância que muitos autores batizaram de “modernização conservadora”), a partir de meados dos anos 60, contribuiu decisivamente para um intenso êxodo rural. Por conseguinte, a pressão que as massas de migrantes exerceram para ter acesso aos empregos urbanos, acesso ao consumo e a pressão direcionada à maior participação na vida política alteraram, progressivamente, as demandas educacionais impostas à gestão pública. 

Esse processo de migração do campo para as cidades, em grandes proporções, sobrecarregou um sistema público de ensino que não estava preparado para isso. Não obstante, apesar do crescimento industrial vigoroso até o início dos anos 80, o Brasil se deparava com grandes contingentes populacionais (principalmente a faixa etária entre 6 e 14 anos – ensino fundamental) sem acesso à escola. 

Nessa mesma época, iniciou-se um vigoroso processo de universalização do ensino fundamental. De certa maneira, as ações perpetradas lograram êxito, tanto que no final da década de 90 o ensino fundamental apresentou um índice de universalização bastante favorável, beirando os 97% dos jovens em idade escolar. Porém, o outro lado da moeda, um tanto obscura em um primeiro momento, logo revelaria com nitidez uma consequência indelével desse fenômeno social: a velocidade com que a universalização do ensino fundamental aconteceu (entre as décadas de 70 e 90) impactou não só a infraestrutura das escolas, como também a qualidade da formação dos professores. Adicionalmente, o aumento repentino do número de escolas (muitas vezes não atendendo as condições apropriadas de arquitetura e construção), sem o devido planejamento pedagógico-administrativo por parte do Ministério da Educação (MEC), comprometeu sobremaneira a qualidade do ensino ofertada pelas escolas públicas. 

As avaliações diagnósticas em larga escala aplicadas pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), autarquia vinculada ao MEC, evidenciam um quadro no mínimo desafiador. Desde 1997, por meio do SAEB (Sistema Brasileiro de Avaliação da Educação Básica), as proficiências em Língua Portuguesa e Matemática têm caído continuamente, principalmente as relativas aos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. No processo de universalização, dentre as consequências identificáveis, o aumento da quantidade de matrículas ofertadas não foi acompanhado pela manutenção da qualidade do ensino (presente até a década de 60). Trocou-se qualidade por quantidade. 

Hoje, apesar dos esforços empreendidos nos últimos vinte e dois anos, a escola pública, com raras exceções, transformou-se no gueto do economicamente fraco. A reversão desse cenário será difícil e exigirá da administração pública visão de longo prazo, retomada da formação docente com foco nas práticas em sala de aula, além da reconstrução e reaparelhamento das redes públicas de ensino. Nesse sentido, as recentes ações do MEC, embora tímidas, parecem convergir para uma possível retomada de um novo ciclo. A recente homologação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), contemplando as três etapas do ensino básico (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio), o lançamento do “Programa de Residência Pedagógica”, além da normatização de uma política pública de escolas em tempo integral (consubstanciada na Lei 13415/2017), podem se constituir nos marcos iniciais deste novo ciclo. Destarte, a união coordenada de esforços entre estados e municípios, aliada à uma vontade política genuína e permanente, surgem como fatores decisivos para o êxito dessas iniciativas.

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