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Planejando o combustível de um avião

A importância da "gasolina" em um voo.

30/11/2015 17:10

Diz um ditado popular no meio aeronáutico que combustível só é demais quando o avião está pegando fogo, e é verdade! Primeiramente vamos dividir uma coisa aqui! Aviões usam gasolina ou querosene, em resumo: os aviões "pequenos" em sua maioria usam gasolina de aviação (é uma gasolina bem superior a gasolina de carro) e os aviões "grandes" utilizam querosene.


Um Embraer 120 em atividade de abastecimento - foto Alexandre Conrado - NO MIRANTE

Existiu uma empresa sediada na Bahia, chamada Nordeste Linhas Aéreas (que inclusive voou no Piauí para Picos, Floriano, Parnaíba, Teresina, Guadalupe, São Raimundo Nonato, lá nos anos 80/90), que tinha a seguinte frase em seu hangar central: "No céu não existe acostamento", e se não tem acostamento, imagine posto de combustível!

Quando um avião vai de um ponto a outro, ele leva o combustível necessário para a seguinte situação:

A para B + 45 sobre B e B para C.

Ou seja, combustível da origem para o destino, uma reserva para uma eventual espera de 45 minutos sobre o destino e o necessário para uma alternativa que é o ponto C. Obrigatoriamente a alternativa tem que ser um aeroporto capaz de ter pousos por instrumentos, tecnicamente falando: IFR. 

Ah, mas eu não posso encher o tanque? - perguntaria o leitor. Sim ou não, depende de outros fatores, o avião tem pesos chaves, são eles:

- Peso Máximo de Decolagem

- Peso Máximo de Pouso

- Peso Básico Operacional

- Peso Disponível

Quando subtraímos Peso Máximo de Decolagem (tecnicamente chamado MTOW) do Peso Básico Operacional (tecnicamente chamado de OEW) temos então o peso disponível, que é que poderemos usar para combustível e pessoas/carga. Então em caso de uma rota, cujas escalas não possuam combustível disponível para reabastecimento e o "alternado" está muito longe, talvez o avião possa não decolar lotado, para que leve mais combustível, agora quando é ir para "perto" dá para levar todo mundo e não é necessário encher o tanque. A combinação "tanque cheio + avião lotado" na maioria das situações não é permitido por estourar o peso disponível.

Vamos a prática! No Piauí, só temos abastecimento de QAV que é a sigla de querosene, em Parnaíba e Teresina, os destinos principais do interior como Picos, Floriano, São Raimundo Nonato, Bom Jesus, não possuem - salvo alguns particulares que tem seus tanques privados - isso vale também para o AVGAS, que é a sigla de gasolina. E isso é uma pedra no sapato para o planejamento operacional de empresas que por ventura quisessem desbravar uma rota Teresina - Floriano - São Raimundo Nonato e retorno por exemplo. Vou inclusive ilustrar com dados bem realistas daquilo que chegou a ser prometido: Embraer 120 da Piquiatuba.

Um Embraer 120 consome 600kg/h de QAV. Vamos fazer umas continhas básicas? Para tal vou usar a versão mais valente do Embraer 120, que é o EMB120ER

- Peso Máximo de Decolagem: 11.990 Kgs

- Peso Básico Operacional: 7.200 Kgs

- Capacidade de Combustível: 2.600 Kgs

- Peso Máximo de Pouso: 11.700 Kgs

O trecho Teresina (THE) - Floriano (FLB) demanda 30 minutos, Floriano - São Raimundo Nonato mais 30 minutos. Guardemos isso, o alternativo é Petrolina, pois é IFR e tem QAV (Floriano - Petrolina hipotético daria 1 hora e São Raimundo a Petrolina meia hora). 

Antes das contas miúdas, vamos lembrar que na aviação todo adulto tem 75 kilos e o direito de levar 23 kilos de bagagem, o que arredondaremos para 100 kilos por passageiro a bordo ok (ninguém pesa pessoa por pessoa no embarque, vai ter o cheinho de 100 kilos e a magrinha de 50, se você dividir esse exemplo (100+50 = 150 / 2 = 75), isso é um padrão internacional! Se tivermos 30 pessoas, logo tempo 3.000 kilos de "carregamento pago", voltemos as contas:

Peso Máximo (11.990) - Peso Básico Operacional (7.200) = 4.790 Kgs disponíveis. Se temos 3.000 kilos já de pessoas e carga, logo tempos 1.790 kilos disponíveis! Vamos ao nosso plano de voo?

THE - FLB (300Kg) + 45 min (450Kg)+ FLB - PNZ (600Kg) = 1350, esse é o nosso combustível minimo para ir a Floriano. Mas lembra que vamos até São Raimundo? Logo eu tenho que ter mais 300 Kgs para garantir o FLB-SRN. Totalizando 1650 Kgs. Poderia então sair no peso máximo da aeronave com 1.790 Kilos de combustível...

Opa, dá pra ir até Floriano... no entanto... ao pousar em Floriano eu terei no tanque 1490 Kgs... que me permite ir a São Raimundo Nonato, chegando sobre esta com 1190 Kilos (o suficiente para esperar menos de 45 min e alternar Petrolina se necessário). Até aí tudo muito bonito não é mesmo? Mas se Floriano e São Raimundo Nonato não possuem combustível!

Como eu voltaria? Estaria com 1.190 kilos, iria consumir 600 kilos em média nas etapas SRN-FLB / FLB-THE, chegando em Teresina com 590 kilos... porem minha alternativa não poderia ser Parnaíba, pois lá está sem procedimento IFR, logo eu teria que pensar em São Luís, o que me renderia a necessidade de decolar desde São Raimundo com combustível suficiente para esperar 45 minutos em cima de Teresina e voar mais 1 hora para São Luís, ou seja 300 + 300 + 450 + 600 = 1650, me faltariam 460 kilos (que em teoria é a espera sobre Teresina, configurando um cenário de "estar com a língua de fora". O leitor agora entende a necessidade de infra-estrutura para a aviação se desenvolver?

Comparando o Piauí com o estado da Bahia, uma rota em distância similar a Teresina - São Raimundo Nonato, que podemos tratar como Salvador - Porto Seguro e Salvador - Vitória da Conquista, logo de cara eu tenho aí Ilhéus no meio com combustível e procedimento IFR e além desta tenho a Ilha de Comandatuba ou até Caravelas mais ao sul de Porto Seguro, todas com o bendito reabastecimento ou IFR. No Piauí, a salvação é Petrolina ao sul ou Parnaíba ao Norte.

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