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O homem que carrega o armário de madeira

o homem carrega o objeto pesado, sem expressão de dor, e nem um som de gemido

07/12/2015 19:31

Imagem: Google  

O homem carrega nos ombros, um enorme armário de madeira maciça. E seu esforço é quase imperceptível aos olhos de motoristas que estão presos em mais um engarrafamento infernal, na Avenida Miguel Rosa. Sob o sol escaldante, que talvez nem protetor solar use, o homem carrega o objeto pesado, sem expressão de dor, e nem um som de gemido. As gotas de suor que dessalgam em seu dorso nu, multiplicam-se à medida que se movimenta.

O sujeito do móvel prensado aos ombros segue em direção à zona sul. Vai adornar um abriga carente de armário. É bem provável que sim. Apesar do sacrifício exposto, sequer uma sombra bondosa se desapega de sua árvore para acomodar o sujeito, em sua via penosa.

Ninguém lhe oferece um copo d’ água. Os operários das autopeças estão ocupados demais para servir alguém sedento, sobretudo, quem está inundado em secreções sudoríparas. Por isso, ali, na esquina da Praça da Igreja Nossa Senhora das Graças, vulgo Capelinha de Palha, o homem despeja sua carga sobre o chão, totalmente exaurido. Suando em bicas, ele se aproxima de uma lanchonete, pede um caldo de cana acompanhado de um pastel de carne. Bebe e come com a voracidade de um animal selvagem.

Depois do lauto alimento, o homem, agora saciado, acende um cigarro. Olha fixo para a gigantesca caixa de madeira, enquanto faz bolinhas de fumaça no ar. Imagina quanto ainda terá de carrega-la, quanto ainda mais os ombros padecerão debaixo do armário teso. E o bicho é tão grande e pesado, que se confunde com aço, isso mesmo, aço cromado. Mas não será essa peça rígida incrustada em sua pele, que lhe fará desistir de sua missão.

E num rompante, o homem robusto ergue a carga e recoloca nos ombros. É admirável sua resistência, sua disposição. Com os pés colados na ciclovia em brasas, o condutor do material de aço, digo, de madeira, segue resoluto. Vai adiante, firme, sem murmúrios, como se tocasse uma flauta ou qualquer outro instrumento de sonoridade harmoniosa.

E assim, nu da cintura para cima, o homem desaparece com a sua cruz. Avança em seu destino. Vence o calorão, a insalubridade dos minutos quentes, as buzinas ensandecidas dos veículos, as bicicletas tirando finas de seu calvário. Não ouve nada, se faz de surdo e mudo, ignora os insultos dos poucos que lhe enxergam, segue em frente, rumo à zona sul, levando consigo o grande armário, como que dissesse: “hoje, eu carrego meu fardo. Amanhã, poderá ser você”. 

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