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Fronteiras: a sociedade entre o mercado e o estado

O fechamento de uma fábrica é um fenômeno típico do funcionamento do Mercado (escrevo com maiúscula como seus defensores gostam de escrever).

02/07/2019 07:11

Participei na terça-feira passada (25.06) de audiência pública na Assembleia Legislativa do Piauí sobre o fechamento da fábrica de cimento Nassau (Itapissunga) no município de Fronteiras-Piauí. Foi uma iniciativa dos deputados Warton Lacerda (PT) e Franzé Silva (PT). Participaram trabalhadores e ex-trabalhadores da empresa, representantes dos proprietários, lideranças políticas do Município, gestores estaduais, membros da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho da Região de Picos.

Estamos diante de uma situação concreta que nos ajuda a pensar os problemas econômicos, sociais, políticos e institucionais que o país enfrenta e as interpretações teórico-ideológicas para sua solução. É um caso exemplar para analisarmos o programa econômico proposto para o Brasil pelo Ministro da Economia Paulo Guedes. O governo Bolsonaro é errático, mas Paulo Guedes defende um programa, ou seja, um conjunto de medidas articuladas, inspiradas num neoliberalismo radical.

O fechamento de uma fábrica é um fenômeno típico do funcionamento do Mercado (escrevo com maiúscula como seus defensores gostam de escrever). Com a crise econômica, o consumo de cimento no Brasil caiu de 71.703 mil toneladas em 2014 (o pico na década) para 52.545 mil toneladas em 2017.

O Grupo João Santos, proprietário da fábrica de Fronteiras que operava desde 2001, e de mais outras 10 fábricas no Brasil (quase todos no Nordeste), reduziu sua produção, o que resultou no fechamento da unidade situada no Piauí.

Aqui já entra o Estado (não a unidade federativa Piauí, mas o poder público institucionalizado). A crise econômica no Brasil é geral. Mas o setor da construção civil, motor do consumo de cimento, foi afetado pela redução das obras públicas e pelo redefinição do papel do Programa Minha Casa e Minha Vida.

A produção de cimento era de 34.734 mil toneladas em 2004; cresceu para 41.027 em 2006 (governo Lula). Continuou crescendo, atingindo 60.008 mil toneladas em 2010, 70.967 mil toneladas em 2013 e o pico já referido de 2014. Ainda no governo Dilma começou a cair (2015) e vem decrescendo até hoje (dados de cimento.org., o mundo do cimento)

Assim, os cerca de 700 trabalhadores que ficaram desempregados em Fronteiras sofreram e estão sofrendo as consequências da crise econômica (Mercado) e também da mudança de prioridades nas políticas públicas (Estado).

No fechamento, a empresa deixou um débito com o estado do Piauí (impostos); com fornecedores (em especial e Eletrobrás/CEPISA) e – pasmem – com os trabalhadores: salários atrasados e despesas trabalhistas da demissão.

O Ministério Público e a Justiça do Trabalho têm desempenhado um papel chave para o cumprimento de lei que garante direitos aos trabalhadores. A empresa colocou dois imóveis à disposição: um já foi leiloado por R$ 7 milhões e o outro estimado em R$ 10 milhões está em leilão. Esses valores cobrem 50% do débito trabalhista.

Fica claro o papel civilizatório da legislação trabalhista e social. É isso que o neoliberalismo vem tentando destruir com mudanças exageradas na legislação trabalhista e previdenciária, com a tentativa de esvaziamento dos Sindicatos e com a ameaça de extinção da própria Justiça dom Trabalho.

Por outro lado, no mundo todo, o Estado exerce um papel regulador em relação à exploração mineral. O artigo 20 de nossa Constituição Federal diz que são bens da União “os recursos minerais, inclusive os do subsolo” (inciso IX). E o artigo 23 diz que é competência comum da União, dos Estados e dos Municípios: “XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios”.

O Grupo João Santos tem pois uma concessão pública para exploração do cimento, quase toda feita em terras de sua propriedade. E o período da concessão não venceu. Pela lei, só o grupo pode repassar os direitos de exploração a outra empresa nesse momento. E essa é uma das dificuldades de resolver o problema, embora se tenha notícia de que outra empresa está interessada na concessão.

A audiência precisa ter desdobramento e deve continuar a dinâmica de negociação, iniciativas e mobilização envolvendo a Sociedade (a população do município de Fronteiras), o Estado e as Empresas (abstratamente chamada Mercado, para encobrir ideologicamente os interesses envolvidos numa suposta livre competição).

Fronteiras tem uma população de 11.117 habitantes recenseados em 2010 (e 11.599, estimados perlo IBGE para 2018); é o 47º maior município dos 224 do Piauí. Sua população rural é de 34,44%, menor que a dos municípios da região, o que mostra a importância da atividade industrial da produção de cimento.

O PIB per capita de Fronteiras, há anos, se situa do 8º ao 10º lugar entre os maiores PIB per capita municipais no Piauí. Em 2016, último ano em que o PIB municipal foi calculado, seu PIB per capita foi de R$ 16.174,08, 8ª posição, acima da média estadual de R$ 12,890,00.

Um dado importante a destacar é o peso da indústria de cimento na composição do PIB de Fronteiras. Em 2016, era a seguinte o valor adicionado por cada setor na composição do PIB total de R$ 184.465.000,00: agropecuária: R$ 4.421.000,00 (2,39%); Indústria: 82.763.000,00 (44,86%); Serviços e Comércio: 36.785.000,00 (19,94%); Administração e Seguridade: 44.594.000,00 (24,10%); Impostos: 15.899.000,00 (8,61%).

Ora, se a produção de uma empresa representa mais de 40% da riqueza de um município, sua crise não é apenas um fenômeno de mercado; é uma grande questão social. E por isso exige envolvimento da Sociedade e do Estado.

Não se trata apenas de defender os direitos trabalhistas dos demitidos, mas de garantia de emprego, de manutenção do nível de produção. A cegueira do neoliberalismo não pode nos impedir de olhar o realidade nessa perspectiva mais ampla.

Todo apoio à luta dos fronteirenses!

Dados IDHM

Posição: 23º

IDHM: 0.619 

IDHM Renda: 0.621 

IDHM Longevidade: 0.748 

IHDM Educação: 0.511

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