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Os recados do censo agropecuário

Antonio José Medeiros - Sociólogo, professor aposentado da UFPI

21/01/2020 10:50

Ainda não exploramos suficientemente os resultados do Censo Agropecuário de 2017, comparando-os com os dados do Censo Agropecuário de 2006.

Na recente divulgação do PIB, ficou evidente a importância da produção de grãos – soja e milho - no Cerrado, que levou o peso da agropecuária no PIB a subir de 5,1% em 2016 para 9,4% em 2017. 

Os Censos Agropecuários mostram esse processo vem de antes. Em 2006, a produção se soja foi de 528.459 toneladas; em 2017 passou para 1.981.892 toneladas. A produção de milho passou 332.593 toneladas para 1.388.239. Crescimento exponencial de 400% em 11 anos. Também cresceu a produção de cana de açúcar de 546.326 toneladas para 903.201; crescimento de 65%. Esses produtos são comandados pelo agronegócio, exceto o do milho que envolve muitos pequenos produtores embora com baixa produtividade.

Os produtos tradicionais da agricultura familiar, nos 11 anos entre 2006 e 2017, tiveram seu volume de produção reduzido: o arroz de 299.244 para 64.225 toneladas, ou seja, -78%; o feijão de 90.707 toneladas para 39.242, ou seja, -57%; e a mandioca de 394.665 para 55.676 toneladas, ou seja, -86%. Sem falar na mamona que praticamente desapareceu: a produção caiu de 4.338 toneladas em 2006 para 9 (!), em 2017.

A primeira conclusão a tirar é que fizemos uma reforma agrária pela metade. O número de proprietários aumentou em 41.000 entre 2006 e 2017. Isso é positivo: a distribuição de terra deu mais liberdade aos trabalhadores, melhorou com certeza seu autoconsumo, mas não aumentou significativamente sua renda monetária.

Do governo Sarney ao governo FHC houve distribuição de terra, sem que os projetos de infraestrutura, crédito e assistência técnica se agilizassem. No Governo Lula, as coisas se combinaram mais; no governo Dilma, reduziu-se o ritmo de distribuição de terra, embora mantendo os programas. No governos Temer e agora Bolsonaro, estão paralisados a distribuição de terra e os programas de fomento.

Existem limitações culturais, pois nossos agricultores ainda têm como horizonte a “subsistência da família pelo autoconsumo” e não a melhoria de renda pela produção para o mercado.  Mas o elo fraco das políticas públicas é a assistência técnica, que não tem a intensidade necessária. No Censo Agropecuário de 2017, apenas 8.311 dos 245.000 entrevistados declararam que recebiam assistência técnica. Se a EMATER tem 400 funcionários, a média é de 600 estabelecimentos por técnico.

Há um problema também de concepção das políticas públicas para a agricultura familiar: não há a preocupação com a inserção nas cadeias de valor do mercado. Isto é, não se prioriza o lado econômico da intervenção; existe, é claro, uma justa preocupação social e, na prática, a política pública ajuda na segurança alimentar. Essa visão está presente nos programas estimulados pela Igreja Católica e também nos Programas Governamentais como o VivaSemiário (FIDA) e PROGERE (Banco Mundial); o CredAgro do BNB se situa na mesma linha. Faria uma pergunta fraterna mesmo ao MST: a preocupação com a produção, a produtividade e a sustentabilidade estão presentes nos assentamentos do Sul e Sudeste; não seria interessante um intercâmbio entre assentados de lá com os do Nordeste também no que se refere à produção?

Um dado preocupante tem a ver com a irrigação: apenas 14.892 dos 245.000 estabelecimentos declaram que utilizam a irrigação, somando 23.000 hectares; nos assentamentos a irrigação por produtor se limita muitas vezes a meio hectare. Por outro lado, a novela dos Perímetros Irrigados do DNOCS é interminável. Temos alguns resultados na fruticultura. Mas as obras de infraestrutura se arrastam e a utilização da irrigação é pequena. Os perímetros têm servido mais como um “saco sem fundo” para aplicação de recursos públicos, nos moldes da política fisiológica e clientelista.

É só analisar o comportamento da fruticultura. O IBGE só contabilizou no Censo de 2017 a produção dos estabelecimentos que têm mais de 50 pés de fruteira. Isso deixa de fora boa parte da produção da agricultura familiar. No período 2006-2017, a produção de manga caiu de 3.280 toneladas para 536; a de laranja de 796 toneladas para 233; e o côco-da-baía ou da praia caiu de 5.480 para 1.751 mil frutos; a banana caiu pouco: de 42.510 toneladas para 41.788.

O babaçu, por sua vez, continua reduzindo sua produção que já era baixa: em 2006, 3.668 toneladas; em 2017, 3.035.

O desempenho da pecuária é melhor. Os rebanhos de caprinos e ovinos aumentaram: o de caprinos de 1.457.394 cabeças em 2006 para 1.847.952 em 2017; o de ovinos de 1.317.508 para 1.665.307, no mesmo período. Aqui a assistência técnica e os programas governamentais têm funcionado mais.

A criação de suínos aumentou um pouco, de 966.924 para 1.053.270 cabeças. A criação de aves aumentou de 8 milhões de cabeças para 10 milhões e 400 mil; e a produção de ovos dobrou: de 13.700 dúzias para 28.263 dúzias. Já a produção de leite aumentou de 82.511.000 de litros anuais para 97.429.000 litros. Nessas atividades, a presença de pequenos e médios empresários faz diferença. 

Outra área onde a presença de pequenos e médios é importante é na piscicultura: a produção cresceu de 1.973.987 kg em 2006 para 12.966.410 em 2017. Um crescimento exponencial; tambaqui, tambacu e tilápia são as principais espécies.

Caso especial é o mel com a cooperativa da região de Picos na liderança: a produção entre 2006 e 2017 cresceu de 4.167.526 kg para 5.224.833kg, o que mantém o Piauí entre os maiores produtores de mel.

Em compensação, decresceu o rebanho bovino de 1.560.552 cabeças para 1.427.467, embora se deva observar que a qualidade do gado criado é superior.

A agropecuária se insere numa cadeia de valor que envolve indústria (insumos, matéria prima para a agregação de valor) e envolve os serviços (transporte e comercialização). O que precisa, para ampliar a produção da agricultura familiar, é conhecer melhor o perfil do abastecimento no estado para identificar as áreas onde é mais fácil a “substituição de importações”. E envolvendo dos pequenos produtores que, associados, podem produzir de modo programado e na escala que o mercado exige.

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