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Piauí: Trajetória e transição econômica

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente no Jornal O Dia.

10/09/2019 11:35

Nesta segunda-feira (09.09.19), foi lançado pela SEPLAN-PI o livro organizado pela CEPRO - “PIAUÍ: Trajetória e Transição Econômica” - da autoria de Márcio Porchman e Alexandre Guerra. 

O livro é um dos volumes de “estudos macroestruturais e de médio prazo” sobre o processo vivido pelo Piauí no século XXI, sugeridos pelo governador Wellington Dias, com os enfoques econômico e social e redigidos por especialistas de nome nacional. É o caso de Márcio Porchman, professor da UNICAMP e ex-diretor do IPEA. O outro volume, com o enfoque social, a ser lançado em breve, tem como autor Ricardo Paes e Barros, pesquisador do INSPER e consultor de organismos internacionais.

O livro de Porchman é interessante sob vários aspectos. Em primeiro lugar, cobre o período 2000-2016, mostrando o corte entre o período de crescimento 2002-2014 e de recessão 2015-2016. São os últimos dados disponíveis para o PIB dos Estados e Municípios. Em novembro, o IBGE e a CEPRO divulgarão os dados do PIB estadual de 2017 e em dezembro o PIB dos municípios, do Piauí e dos demais estados da federação.

Em segundo lugar, analisa o crescimento e as transformações da economia brasileira do ângulo nacional, regional-estadual e municipal. Fica evidente a heterogeneidade territorial do crescimento e das transformações. Mesmo nos dois últimos anos (2015 e 2016) de não-crescimento do PIB nacional, “oásis regionais e municipais” permaneceram mantendo um bom ritmo de crescimento. Em alguns casos, o PIB cresceu mais de 6% ao ano, o que Porchman chama de ritmo de crescimento chinês. Municípios do Piauí, da região do cerrado, estão entre esses oásis. Os outros casos se concentram no Centro-Oeste e Norte e... no interior de São Paulo.

A terceira parte do livro, dedicada mais especificamente ao Piauí, mostra um quadro muito claro de melhoria dos indicadores, seja para o período 2000-2010, para as situações levantadas pelos Censos Demográficos, seja para o período 2002-2016, para os dados baseados no cálculo do PIB.

São dados convergentes que permitem uma visão coerente e fundamentada, para além de preferências ideológicas: evolução do PIB 2002-2016 (Piauí, 169,5% e Brasil, 138,9%); crescimento do emprego formal (Piauí, 118,5% e Brasil, 104,0%), destacando-se esse índice nas micro e pequenas empresas; taxa anual de crescimento do PIB (Piauí, 4,0% e Brasil, 2,9%).

Os dados censitários mostram melhoria considerável dos indicadores no período 2000-2010: os domicílios com água canalizada cresceram de 67 para 77,8% nos estratos de maior renda, de 22,9 para 55,6 nos estratos de renda média e de 15,2 para 42,6% nos estratos de baixa renda. O mais significativo foi o crescimento do percentual dos domicílios com energia elétrica: de 90,7 para 97,4% nos estratos de maior renda, de 64,2 para 89,5% nos estratos de renda média e de 45,1 para 83,5% nos estratos de baixa renda. Com certeza, efeito do Programa Luz para Todos.

Os dados são abundantes, em números, gráficos e mapas. O texto integral do livro está disponível no site da Cepro.pi.gov.br. Nesses tempos de tecnologia digital, os textos impressos estão cada vez mais limitados, no Piauí, no Brasil e no mundo. (Ainda brigo por uma cópia impressa).

A grande lição do balanço de 15 anos é que o processo não pode parar. Partimos de um patamar muito baixo e mesmo crescendo proporcionalmente mais do que o Brasil ainda estamos em níveis baixos de renda e de nível de vida. 

Por outro lado, fica evidente que a sinergia entre as políticas públicas federais, estaduais e municipais são fundamentais. O Piauí conseguiu o melhor desempenho em vários setores pela boa articulação entre os níveis de governo, sobretudo federal e estadual; também ajudou muito a articulação direta entre o governo federal e os governos municipais. Foram três mandatos com Lula e Dila na Presidência e Wellington Dias e Wilson Martins no governo do Estado. Precisamos avançar na mediação necessário do estado entre o nível federal e municipal, pois supre algumas carências municipais em termos de administrativos, mais até do que financeiros.

Não podemos regredir para a “velhíssima política” em que a vinda de recursos depende do parlamentar que tem prestígio. É vital manter o republicanismo inaugurado com a Constituição de 1988, com o PPE, FPM, FUNDEB, SUS, FUNSOCIAL e com os programas para aplicação de recursos não-vinculados pela adesão dos municípios e dos estados. Temos que ser “terrivelmente republicanos”.

O autor dedica algumas páginas à análise do desempenho pelos Territórios de Desenvolvimento; e os mapas nos oferecem uma visão bastante clara da distribuição da dinâmica econômica pelos municípios. Jogando com as cores vermelho (situação crítica), amarelo (situação intermediária) e verde (situação satisfatória), o Piauí tem “verdejado”, mas ainda há muito amarelo e vermelho e mudar de cor.

O mapa do Valor Agregado Bruto ao PIB de 2016 da Administração Pública (página 114 do livro) mostra o alto grau de dependência de transferências federais. São muitos os municípios onde essa dependência chega a mais de 60% e vai até 77%; boa parte está entre 40 e 61%; e são pouquíssimos aqueles municípios onde o peso dos recursos públicos é menor que 10%.

O Livro de Márcio Porchman e Alexandre Guerra merece ser debatido nos meios acadêmicos e nas instituições classistas dos trabalhadores e empresários. Os títulos de cada uma das três partes do livro retratam muito bem o quadro teórico de interpretação da trajetória do Piauí:  Segunda Parte – “Ascensão recente das unidades federativas até então consideradas periféricas na sociedade urbano industrial”; Terceira Parte – “Trajetória econômica do Piauí na transição antecipada para a sociedade de serviços”.

E voltamos à Primeira Parte – “Esgotamento prematura da sociedade urbana e industrial e seus impactos na configuração regional”. Nos últimos meses, Márcio Porchman tem avançado essa tese da transição prematura para a sociedade de serviços, no esforço de dar conta do que está acontecendo no Brasil que tem crescido a taxas muito pequenas nos últimos 40 anos, e que tem passado por uma reestruturação das classes sociais que não se sentem representadas na política tradicional. Sem o entendimento dos que está acontecendo, o divórcio entre economia, sociedade e política leva ao imprevisto, oscilado entre o caos e o autoritarismo.

Porchman aproveitou essa oportunidade de elaborar um estudo sobre o Piauí para desenvolver e testar sua tese ousada e criativa. Voltarei a ela no próximo artigo.

Fonte: Antonio José Medeiros - sociólogo, professor aposentado da UFPI
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