Portal O Dia - Notícias do Piauí, Teresina, Brasil e mundo

WhatsApp Facebook Twitter Telegram Messenger LinkedIn E-mail Gmail

Pilotos desafiam fama de esporte de rico com histórias de vida humildes

"Eu vim de um apartamento cedido pelo governo, dormia no colchão do meu pai, e cheguei lá", diz o pentacampeão Lewis Hamilton.

15/12/2018 09:51

"Quando eu posto fotos no meu jatinho particular, não é para esnobar. Eu quero mostrar às pessoas que elas podem fazer o que bem quiserem com suas vidas. Afinal, eu vim de um apartamento cedido pelo governo, dormia no colchão do meu pai, e cheguei lá", diz o pentacampeão Lewis Hamilton, que hoje, de acordo com a revista Forbes, fatura US$ 51 milhões ao ano.

Ainda que o automobilismo seja visto como um "esporte de rico", uma vez que o orçamento necessário para correr especialmente os campeonatos europeu e mundial de kart até a F-1, passando pelas categorias de base em carros de fórmula, vai crescendo exponencialmente e não é raro ver pilotos ficando pelo caminho por falta de dinheiro.

Porém, também é verdade que demonstrar talento e ter bons resultados mesmo não correndo pelas melhores equipes de kart é algo que costuma ser premiado no automobilismo. E é isso que a história de quatro pilotos que estão hoje na F-1 -dois deles, campeões do mundo- mostra.

RAIKKONEN

Kimi Raikkonen e seu irmão mais velho Rami sempre gostaram de velocidade e brincavam nos arredores da casa de 33 metros quadrados construída por seu avô em Espoo, na Finlândia. Seu pai trabalhava nivelando solos, dirigindo um caminhão de rolo compressor, e a mãe era funcionária do governo. Os meninos brincavam com karts de segunda-mão para ver quem empurrava as lixeiras até mais longe.

Para competir, Kimi, que mostrava ser o mais talentoso dos dois, precisava de um kart melhor. Mas o pai já estava fazendo bicos como taxista e segurança de casa noturna para guardar dinheiro e fazer uma reforma necessária na casa: integrar o banheiro, que ficava do lado de fora, à construção principal. Ter banheiros fora das casas era comum antigamente na Finlândia, mas nos anos 1980 esses tempos já tinham passado e era hora de modernizar a moradia. Porém, isso acabou ficando para depois: o pai de Kimi trocou o banheiro por um kart.

"Para nós, era normal ter o banheiro fora. Se bem que aquilo realmente te acordava nas manhãs de inverno", diz Raikkonen. Em Espoo, a média no inverno fica entre -2º de máxima e -8ºC de mínima.

Mas, para aparecer na cena internacional, Raikkonen tinha que disputar campeonatos de kart fora da Finlândia. Ao contrário de nomes como Max Verstappen, que sempre correu por equipes fortes no kart e competia internacionalmente desde criança, Kimi só correu pela primeira vez fora da Finlândia aos 15, e teve que agarrar a oportunidade que apareceu para sair do país: aos 19 anos, foi morar na Caravan de seu chefe de equipe de kart holandês.

"Foi divertido. Naquela época, só queríamos correr -ainda que o Peter me pedisse para eu trabalhar de mecânico às vezes", relembra o campeão de 2007. Ele foi segundo no Europeu e logo teve a chance de ir para a F-Renault Britânica, onde teve uma ascensão meteórica -ganhando 13 das 23 corridas que disputou em carros de fórmula na base- para estrear na F-1 em 2001, apenas dois anos após a aventura holandesa.

OCON

Como é normal entre os pilotos, a paixão de Esteban Ocon pelo automobilismo veio de seu pai. A família girava em torno dos carros, no interior da França: a garagem em que o pai consertava carros era no andar de baixo da casa de Esteban, e era sua mãe que contava do lado burocrático do negócio, enquanto o menino brincava com um kart feito pelo pai na rua em que morava. Mais velho, começou a disputar campeonatos locais e costumava ficar horas com seu então amigo Pierre Gasly treinando em uma pista perto da casa dos dois, usando pneus que as crianças mais ricas tinham jogado fora.

Até que, vendo o talento do filho, os pais de Ocon tomaram uma decisão drástica. "Eles deram tudo o que puderam. Não faltou nada. Eles venderam a casa para financiar minha carreira. Fomos morar numa Caravan. Não gosto de falar muito dessa época porque foi muito difícil."

A "casa" em que a família Ocon passou a viver tinha 650m de comprimento e era habitada por Esteban, seus pais e seu cachorro. E as peças do kart, claro. Assim, eles rodaram a Europa atrás de competições de kart por três anos. "Acho que fizemos 95.000km naqueles três anos. Meus pais colocaram sua vida de lado por minha causa, mesmo com todo mundo ao redor deles falando que era loucura e dizendo que eu nunca chegaria lá."

Com os resultados nas competições, aos 14 anos Ocon passou a ser apoiado pela Renault, que financiou sua carreira nas categorias de base. O investimento do programa, contudo, foi retirado logo depois que Ocon fora campeão na F-3 derrotando Max Verstappen, mas Toto Wolff e a Mercedes o resgataram e ele pôde seguir com a carreira até a F-1.

HAMILTON

O primeiro negro a se tornar piloto titular de uma equipe de Fórmula 1 e hoje um dos maiores da história da categoria não teve uma infância fácil. Após a separação dos pais, Lewis Hamilton foi morar com o pai, um filho de imigrantes caribenhos, em um council flat, apartamento cedido pelo governo britânico para famílias que comprovam baixa renda, em Stevenage, uma cidade industrial a 1h30 ao norte de Londres.

Lá, dividia a casa com a segunda mulher do pai Anthony e seu irmão, que tem paralisia cerebral. Sem camas, eles dormiam no chão -Lewis no colchão junto do casal. O menino mostrava talento com esportes, e um gosto especial por carrinhos de controle remoto, quando seu pai lhe deu um kart usado como presente pelo aniversário de oito anos.

A partir daí, Lewis e Anthony passaram a percorrer a Inglaterra atrás de competições, com o kart na parte de trás do carro. "Meu pai ia atrás do cara mais rápido e olhava onde ele freava. Daí indicava para eu frear alguns metros depois. E só assim eu conseguia compensar o equipamento pior."

Foi mostrando talento mesmo não tendo motores ou nem sequer pneus novos que Hamilton passou a ganhar destaque e pequenos patrocinadores no kart, que aliviaram a situação de seu pai, que chegou a ter três empregos para sustentar a carreira do filho. Mesmo assim, os resultados na maioria das vezes do único menino negro das competições incomodavam. "Os pais dos outros meninos chegavam para mim e falavam 'não sei por que vocês se esforçam tanto, é óbvio que vocês nunca chegarão lá'."

Na escola, a situação de Lewis não era melhor. "Levava suspensão toda hora, odiava a escola. Eu sou disléxico, então já tinha dificuldade. Sempre perdia a aula na sexta para ir competir e, quando voltava na segunda, era suspenso o dia todo por ter faltado. Se não fosse a ajuda da McLaren depois, não teria terminado a escola."

O time inglês pagou um supletivo para Hamilton, que começou a ser apoiado por eles aos 13 anos, ainda no kart. Foi devido a esse apoio que ele conseguiu seguir na carreira. "Mesmo quando já tínhamos o contrato, meu pai vivia ligando para os chefes da McLaren perguntando se estávamos fazendo tudo direito, se eles queriam mais coisas. Éramos a única família negra no esporte e sabíamos que não podíamos falhar."

KUBICA

Outro que começou a brincar de pilotar cedo, ainda aos 4 anos, em Cracóvia, na Polônia, quando ganhou do pai um carrinho de off-road de apenas 4cv, foi Robert Kubica. Ele corria em "circuitos" feitos de garrafas plásticas perto da casa da família. Mais tarde, seu pai comprou um kart, mas ele só começou a competir em campeonatos regionais aos 10 anos.

Logo que entrou nos campeonatos poloneses, ele passou a ganhar constantemente, e então surgiu a chance de competir na Itália, mas ele não tinha dinheiro para se manter por lá. A solução foi usar a garagem de sua equipe como casa, inclusive tendo a ajuda dos mecânicos para se alimentar.

Foi nessa época, contudo, que Kubica desenvolveu um lado que até hoje o diferencia: o conhecimento técnico, uma vez que aproveitou a oportunidade para aprender tudo o que podia sobre mecânica, por entender que isso seria um diferencial importante.

Com os ótimos resultados no kart -o próprio Hamilton, que competiu com o polonês em campeonatos europeus e mundiais, reconhece que ele era o mais rápido da época-, Kubica ganhou o apoio da Renault e depois da BMW, e só assim conseguiu chegar à F-1 e se tornar o primeiro polonês da história da categoria.

Mais sobre: