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Aos 79, empresário brasileiro dribla ELA com equipe e vida ativa

O apoio da família é também alicerce apontado pelo empresário como sua força de sustentação. Ele é casado há 51 anos e pai de três filhos, Patrícia, Carlos e Paula

25/03/2018 09:40

Uma vida intelectual ativa, a vontade de seguir vivo e o suporte da família, de médicos e de terapêuticas é caminho para driblar a expectativa de vida, projetada entre 3 e 5 anos, para pessoas com diagnóstico de ELA (esclerose lateral amiotrófica). Pelo menos é isso o que pensa e defende o empresário Carlos Eduardo Uchôa Fagundes, 79, que convive com a enfermidade há 12 anos.

Exibindo extremo bom humor e resiliência, o multiprofissional -ainda ocupa vários cargos em conselhos institucionais- mantém raros movimentos nos braços, é cadeirante e depende de uma equipe, ao custo de R$ 30 mil mensais, com oito auxiliares, para tocar o dia a dia.

Chama a atenção, porém, que Carlos não tenha traqueostomia -abertura feita no pescoço para permitir a respiração, mas que impede a fala-, comum em pessoas com ELA em estágio avançado e que vão perdendo a autonomia dessa função.

Desde que recebeu o diagnostico, ele faz fisioterapia respiratória quase todos os dias e usa uma espécie de máscara, atada a um respirador mecânico, que o mantém bem oxigenado. Aliado a isso, ele é um dos poucos brasileiros a ter feito uma cirurgia de implantação de uma espécie de marca-passo no diafragma, ao custo de R$ 250 mil, o que otimiza sua respiração.

"Mesmo todo escangalhado assim, faço muitas coisas. Minha cabeça não para. A cada vez que a doença me tira um movimento, uma função, fico mais inteligente. A energia vai toda para o meu cérebro, tenho certeza", diz.


Carlos Eduardo Uchôa Fagundes, 79, como Stephen Hawking, tem ELA (esclerose lateral amiotrófica). Foto: Reprodução/ Karime Xavier/Folhapress

Para ele, a aceitação das consequências da ELA, o que passa por um processo de dependência total, é essencial para se manter bem e motivado. Nesse momento da entrevista, seu cuidador, Marcos, entra no quarto e lhe serve café, na boca, de canudinho.

"Quando me deitam na cama [ele tem um elevador hidráulico para as transferências da cadeira de rodas], às vezes, fico até 12 horas na mesma posição. Não me permito ficar irritado, nervoso. Aceito como um ensinamento, como um processo de crescimento íntimo."

E segue rindo de si mesmo, logo após ter notado que tinha babado um pouco de café na camisa do pijama azul: "Fui, durante muitos anos, alguém que se achava muito poderoso, um pouco altivo, um pouco soberbo, um pouco orgulhoso e vaidoso. Agora, estou aprendendo a ser mais humilde, a ser menos intransigente".

O apoio da família é também alicerce apontado pelo empresário como sua força de sustentação. Ele é casado há 51 anos e pai de três filhos, Patrícia, Carlos e Paula.

Os Astros 

São poucas, mas curiosas, as semelhanças entre a vida de Carlos Uchôa e a do astrofísico inglês Stephen Hawking, morto no último dia 14, aos 76 anos, também paciente da ELA, com a qual conviveu durante cinco décadas. Não desejar a morte, enfrentar a doença na velhice e a paixão pelos astros aproxima os dois. Só que para Uchôa, o sol é representado pelo pequeno Ramiro.

"Meu bisneto, de três anos e meio, é meu raio de sol. Ele ilumina tudo neste quarto quando chega e sobe em cima de mim, trazendo uma alegria tremenda", conta o empresário, que, pela primeira vez durante a conversa, deixa o sorriso e chora.

Por outro lado, enquanto o gênio das descobertas do Universo se mantinha a partir do sistema público de saúde britânico, o brasileiro depende do SUS apenas para o fornecimento de um dos doze medicamentos diários que toma. O Riluzol (cerca de R$ 1.000 o frasco), um dos poucos remédios específicos indicados para a ELA, ele recebe em casa, por força de uma decisão judicial.

O restante da estrutura de UTI de que dispõe -que conta com duplicidade de equipamentos para casos de falhas- é do próprio bolso ou tem custo arcado por um plano de saúde, também obrigado por força da Justiça.

Segundo Jorge Abdalla, presidente da Associação Pró-Cura da ELA, são poucos os brasileiros com a doença, estimados em 14 mil, que contam com estrutura adequada para viver bem. "O paciente do SUS espera meses para conseguir o bipap (respirador mecânico), mesmo tendo uma portaria que obriga o estado a fornecê-lo. Muitos só conseguem com liminar. Durante a espera, a associação tenta ajudar. Emprestamos mais de 40 equipamentos", afirma.

Ele cita também a dificuldade de recebimento, em dia, do Riluzol, e de acesso a equipamentos básicos para a vida do paciente, como o que facilita a retirada de secreção do pulmão. A falta de assistência de fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional, nutricionista e psicólogo também é queixa.

O Ministério da Saúde informou que está investindo R$ 2,3 milhões em pesquisas científicas em busca de avanços contra a doença, que é incurável, rara, autoimune e de origem genética. O órgão diz que oferece práticas integrativas e complementares, como cuidados paliativos terapêuticos, o que ajuda na promoção, prevenção e tratamento de doenças crônicas ou raras, como ELA.

Fonte: Folhapress
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