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Jair Bolsonaro demite secretário especial da Receita Federal

O motivo foi a divergência entre o presidente e o secretário, que defendia a criação de um imposto sobre pagamentos semelhante à antiga CPMF.

12/09/2019 08:02

Nesta quarta-feira (11) o presidente Jair Bolsonaro mandou o ministro da Economia Paulo Guedes demitir o secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra. O motivo foi a divergência entre o presidente e o secretário, que defendia a criação de um imposto sobre pagamentos semelhante à antiga CPMF.

Bolsonaro afirmou que a CPMF está fora da reforma, o que deve dificultar o fechamento da proposta pelo Ministério da Economia. "Paulo Guedes exonerou, a pedido, o chefe da Receita Federal por divergências no projeto da reforma tributária. A recriação da CPMF ou aumento da carga tributária estão fora da reforma tributária por determinação do presidente", escreveu Bolsonaro.

A demissão foi anunciada um dia depois da divulgação de números sobre a reforma tributária em preparação pelo Ministério da Economia -e antecipados no começo da tarde de terça-feira (10) pelo jornal Folha de S.Paulo. A proposta previa cobrança de 0,4% sobre saques e depósitos em dinheiro e de 0,2% sobre débitos e créditos financeiros.


Jair Bolsonaro mandou o ministro da Economia Paulo Guedes demitir o secretário especial da Receita Federal. Reprodução

Os números estavam inseridos em um dos slides da apresentação do secretário especial adjunto de Cintra, Marcelo Silva, em palestra no Fórum Nacional Tributário (organizado pelo sindicato dos auditores fiscais, em Brasília). A programação previa a presença de Cintra, mas Silva foi em seu lugar pois o chefe vinha evitando aparições públicas recentemente.

A reforma tributária tem sido alvo de uma disputa de protagonismo entre os poderes. Após a divulgação dos números, lideranças do Congresso atacaram a medida. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que "os brasileiros não aguentam mais pagar imposto".

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), havia dito que a proposta do governo enfrentaria resistência. "Acho muito difícil superar", afirmou após reunião com parlamentares sobre a reforma tributária na terça.

Nesta quarta, Maia disse que a demissão de Cintra não atrapalha a reforma tributária que está sendo discutida na Casa. Segundo ele, as negociações com o governo envolvendo o projeto apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP) não serão afetadas pela saída do secretário da Receita. "Recebemos hoje [quarta] os 27 governadores que apresentaram um texto, pela primeira vez, todos unidos", disse. "Um texto baseado na proposta do [economista Bernard] Appy e do Baleia com modificações que melhoram o texto, que ajudam a gente ter a Federação unida."

Já o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que a demissão de Cintra deve atrasar o envio da proposta de reforma tributária do governo, o que levará a conclusão da votação para 2020.

"Reforma tributária é um assunto complexo e dificilmente será deliberado aqui até dezembro."

Cintra ocupava o cargo desde o início do governo de Jair Bolsonaro e defendia o imposto sobre pagamentos como um instrumento para substituir outros tributos, principalmente a tributação sobre a folha de salário (considerada pelo Ministério da Economia como nociva para a geração de empregos no país).

Além de substituir outros impostos, a cobrança de pagamentos era defendida por Cintra por ter uma base ampla de arrecadação, ter custo baixo de fiscalização e ter um funcionamento simplificado. Guedes já chegou a dizer que ele poderia arrecadar até R$ 150 bilhões por ano.

Bolsonaro costumava dar declarações contra a CPMF, mas, diante da insistência de Cintra e de Guedes, recentemente afirmou que poderia admitir o novo imposto caso houvesse uma compensação para a população. Apesar disso, orientou a demissão de Cintra nesta semana.

As revelações de números foram feitas enquanto o Executivo ainda não definiu o modelo final de sua proposta de reforma. Em nota sobre a demissão de Cintra, o ministério disse que não há um projeto de reforma tributária finalizado.

"A equipe econômica trabalha na formulação de um novo regime tributário para corrigir distorções, simplificar normas, reduzir custos, aliviar a carga tributária sobre as famílias e desonerar a folha de pagamento. A proposta somente será divulgada depois do aval do ministro Paulo Guedes e do presidente da República, Jair Bolsonaro", afirma o texto.

Antes da revelação dos números da nova CPMF, Cintra vinha sofrendo pressões políticas para trocas de comando na Receita Federal. Isso causou desgaste dele com a própria equipe, principalmente depois de auditores relatarem um pedido de Bolsonaro à Receita pela troca no comando do órgão no litoral do Rio. Na época, quando lhe foi perguntado sobre o tema, Bolsonaro disse que poderia trocar postos em que indivíduos se julgavam "donos do pedaço".

O delegado da alfândega do porto de Itaguaí (RJ), José Alex Nóbrega de Oliveira, denunciou na época a colegas a existência de "forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização" da Receita. Em meio às tensões, Cintra demitiu João Paulo Fachada, secretário da Receita Federal, visto como uma voz contrária às interferências.

Um protesto do sindicato dos auditores chegou a ser feito no Ministério da Economia e delegacias da Receita pelo país contra o que chamara de ataques sofridos pelo fisco neste ano.

A demissão de Marcos Cintra, que não era auditor, foi comemorada pelos auditores. Para ele, o evento representa "a oportunidade para uma correção de rumos na instituição, num momento em que esta passa por uma das maiores turbulências de sua história".

Eles defendem a permanência efetiva no cargo de José de Assis Ferraz Neto, que fica por enquanto como interino no lugar de Cintra.

"Nas principais instituições do Estado, os postos de comando são ocupados por profissionais de carreira oriundos do principal cargo efetivo dos respectivos órgãos. Assim é no Ministério Público, na Advocacia-Geral da União, na Polícia Federal e Itamaraty", defende a nota.

Antes da escalada de tensões, outros episódios já sugeriam uma falta de alinhamento entre Cintra e Jair Bolsonaro ao longo do ano. Na primeira semana de governo, o secretário teve que desmentir uma declaração do mandatário de que seria preciso aumentar o IOF.

Em entrevista à Folha de S.Paulo em abril, o secretário disse que até mesmo igrejas pagariam o imposto. Bolsonaro desautorizou Cintra em seguida após sofrer pressão do lobby de pastores evangélicos.

Além disso, Cintra relatou internamente há alguns meses que se sentia como um cavalo preso, batendo a pata no chão e louco para sair correndo para lançar seu projeto de reforma tributária.

Guedes, no entanto, ainda via restrições para o anúncio (como a reforma da Previdência ainda em tramitação) que poderiam afetar o andamento dos projetos.

Enquanto isso, o Congresso lançava suas próprias propostas de reforma tributária. Hoje, há duas em discussão na Câmara dos Deputados e outra no Senado.

Com isso, o ministério passou a ver os canais obstruídos e passou a pensar em alguma maneira de enviar o texto do Executivo.

Fonte: Folhapress
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