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Toffoli e Maia reagem à fala de Guedes sobre novo AI-5, e Bolsonaro evita tema

O Ato Institucional número 5 foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional.

27/11/2019 08:18

Os presidentes do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, e da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), reagiram nesta terça-feira (26) à declaração do ministro Paulo Guedes (Economia) sobre a possível edição de um novo AI-5 no país em caso de radicalização de protestos de rua.

O Ato Institucional número 5 foi editado em 1968, no período mais duro da ditadura militar (1964-1985), resultando no fechamento do Congresso Nacional e renovando poderes conferidos ao presidente para cassar mandatos e suspender direitos políticos.

"O AI-5 é incompatível com a democracia. Não se constrói o futuro com experiências fracassadas do passado", afirmou Toffoli, em Maceió. Maia disse que o uso recorrente dessas ameaças por integrantes da gestão de Jair Bolsonaro gera insegurança sobre o intuito do governo.

"Tem que tomar cuidado, porque se está usando um argumento que não faz sentido do ponto de vista do discurso, e como não faz sentido, acaba gerando insegurança em todos nós sobre qual é o intuito por trás da utilização de forma recorrente dessa palavra."

Já Bolsonaro não quis comentar a declaração, ressaltou que o papel do auxiliar presidencial no governo é cuidar da política econômica e tergiversou ao dizer que preferia falar sobre o seu novo partido, o Aliança pelo Brasil. Caso o partido seja criado, o número da legenda na urna eletrônica deve ser o 38.

"Eu falo de AI-38. Quer falar de AI-38? Eu falo agora contigo. Quer o AI-38? Eu falo agora. Esse é meu número. Outra pergunta aí", disse o presidente.

No início da noite, o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, disse que a declaração do ministro é uma questão "de caráter pessoal" e um assunto que já foi comentado. "O presidente vê o AI-5 como um evento histórico", afirmou.

Um dia antes, em Washington, nos EUA, Guedes afirmou que "não é possível se assustar com a ideia de alguém pedir o AI-5 diante de uma possível radicalização dos protestos de rua no Brasil".

Nesta terça (26), durante palestra, Guedes voltou ao tema, classificou manifestações de rua como "uma bagunça, uma convulsão social" e pediu uma "democracia responsável" no país.

O ministro disse que as pessoas podem sair às ruas para reclamar seus direitos, desde que isso seja feito de forma pacífica. Caso contrário, afirmou, podem assustar investidores.

"Eu acho que devemos praticar uma democracia responsável. Sabe como jogar o jogo da democracia? Espere a próxima eleição. Não precisa quebrar a cidade. Acho que isso assusta os investidores, acho que não ajuda nem a oposição, é estúpido", disse.

"Estamos transformando o Estado brasileiro. É um trabalho difícil. O que vocês estão ouvindo 'é uma bagunça, convulsão social', não prestem atenção. Há uma democracia vibrante, a democracia brasileira nunca foi tão forte, poderosa, vibrante, não há escândalo de corrupção, os crimes caíram", completou.

Frases antidemocráticas têm sido pauta quase constante no governo Bolsonaro. O próprio presidente afirmou, em entrevista ao jornalista José Luiz Datena, em março deste ano, que "não houve ditadura no Brasil". Ele minimizou os problemas do período e disse que, como qualquer casamento, o regime teve alguns "probleminhas".

A declaração de Guedes fez referência à convulsão social e institucional em países da América Latina e a uma possível radicalização também no Brasil, motivada principalmente por declaração do ex-presidente Lula, que, após ser solto, pediu "a presença do povo nas ruas".

O ministro afirmou na segunda-feira que declarações sobre a edição de um novo AI-5 no Brasil, como a feita por um dos filhos de Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), são uma reação ao que chamou de convocações feitas pela esquerda.

"Chamar o povo para rua é de uma irresponsabilidade. Chamar o povo para rua para dizer que tem o poder, para tomar. Tomar como? Aí o filho do presidente fala em AI-5, aí todo mundo assusta, fala o que que é? [...] Aí bate mais no outro. É isso o jogo? É isso o que a gente quer? Eu acho uma insanidade chamar o povo para a rua para fazer bagunça. Acho uma insanidade", disse Guedes.

As declarações do ministro provocaram reações em diferentes partidos.

A ex-senadora e ex-candidata à Presidência Marina Silva (Rede) disse que a fala de Guedes era "assustadora, irresponsável e muito grave".

O líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), afirmou ser "inadmissível que novamente se considere um novo AI-5 como caminho viável, agora por parte de um ministro de Estado".

O parlamentar disse que se espera de Paulo Guedes, "que tem tido o apoio do PSDB na aprovação de medidas que são importantes para o país, cautela nas suas colocações, que têm repercussões no mercado financeiro e que resvalam em valores absolutos como a democracia".

Já a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) saiu em defesa do ministro e disse em rede social que a fala dele foi distorcida.

"Ele não fez nenhum tipo de defesa de ditaduras, ou de medidas como o AI-5. Ele alertou para a irresponsabilidade daqueles que estimulam conflitos (abertamente, aliás) e do impacto que esses estímulos podem ter nas pessoas", afirmou. "A fala do ministro foi comedida e totalmente alicerçada no que está ocorrendo no Brasil e na América Latina. As preocupações do ministro também são minhas."

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não chegou a divulgar nota sobre a declaração de Guedes -e participou de um anúncio em que não possibilitou perguntas. No final de outubro, ele havia criticado a fala de Eduardo Bolsonaro sobre um novo AI-5.

Diante da repercussão negativa das declarações de Guedes, o presidente orientou a sua equipe ministerial a não comentar o assunto e a aguardar que ele perca força, como ocorrido após a afirmação do deputado federal Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5.

Segundo relatos feitos à reportagem, Bolsonaro foi informado que Guedes esclareceria publicamente a sua fala.

O senador Fabiano Contarato (Rede-ES) protocolou uma representação na Comissão de Ética Pública da Presidência da República pedindo que ela adote providências legais, sugerindo pena de advertência ou censura ética.

"Defender a ditadura e medidas autoritárias nada mais é do que agir em desacordo com os padrões de moralidade e ética que orientam a administração pública. No presente caso, trata-se também de tentativa de limitação da liberdade de manifestação da população, o que não deve ser admitido em nenhuma esfera", diz a representação.

No mês passado, declarações do deputado Eduardo Bolsonaro em tom de ameaça sobre a edição de "um novo AI-5" no país provocaram forte reação contrária de líderes do Congresso, governadores, dirigentes partidários de diferentes linhas ideológicas, ministro do Supremo e presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

As falas do filho de Jair Bolsonaro foram interpretadas por vários grupos como sinal de pretensões autoritárias e motivou uma tentativa do presidente da República de atenuar as interpretações e negar plano antidemocrático.

Mesmo após ser alvo de críticas, Eduardo, que é líder do PSL na Câmara, chegou a insistir mais duas vezes na exaltação à ditadura militar, nas redes sociais. Mais tarde, pediu desculpas e negou a possibilidade de um "novo AI-5".

APOLOGIA À DITADURA MILITAR

Não há uma lei que tipifique como crime especificamente a apologia à ditadura militar. Mas, segundo a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, declarações em defesa do regime militar podem ser enquadradas como crime com base na Lei de Segurança Nacional (lei 7.170/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (lei 1.079/50) e no artigo 287 do Código Penal.

A Lei de Segurança Nacional, em seu artigo 22, qualifica como crime "fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social", com pena de 1 a 4 anos de detenção. Já o artigo 23 da mesma lei afirma que é crime "incitar à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis", com pena de 1 a 4 anos de reclusão.

Tramita na Câmara um projeto de lei que criminaliza a apologia à ditadura militar. Apresentado em 2015 por Wadson Ribeiro (PC do B-MG), aguarda parecer do relator na Comissão de Cultura da Casa.

Deputados, como Eduardo Bolsonaro, e senadores têm imunidade parlamentar. Eles não podem ser processados por opiniões, palavras e votos dados no exercício do mandato e só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.

Fonte: Folhapress
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