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"œOnde há mais armas, há mais violência", concluem especialistas

Especialistas em Segurança Pública entrevistados pelo ODIA comentam sobre a flexibilização da posse de armas autorizada nesta terça (15).

15/01/2019 17:02

Uma das principais propostas de campanha do governo de Jair Bolsonaro (PSL) é a flexibilização das regras para a posse e comercialização de arma de fogo e munição, que foi aprovada por decreto nesta terça-feira (15) e publicada em edição extra no Diário Oficial da União. O texto traz mudanças na lei anterior, como o tempo de validação do registro, que passa de cinco anos para 10 anos e a permissão do cidadão comprar até quatro armas de fogo. Segundo dados solicitados pelo ODIA à Polícia Federal, existem 2.273 registros de armas de pessoas físicas no Piauí. Com a flexibilização, esse número pode aumentar exponencialmente.

A posse de arma está garantida para cidadãos que residam em área rural ou urbana com elevados índices de violência, como aquelas localizadas em unidade federativas com índices anuais de mais de 10 homicídios por cem mil habitantes, e para titular ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais. O decreto não aborda as determinações para andar com a arma na rua, o que exige regras mais rigorosas. 

A posse de arma está garantida para cidadãos que residam em área rural ou urbana com elevados índices de violência. (Foto: Arquivo O Dia)

O texto ainda explica que, na hipótese de residência habitada também por criança, adolescente ou pessoa com deficiência mental, deve-se apresentar declaração de que a residência possui cofre ou local seguro com tranca para armazenamento. E que a declaração deverá ser examinada pela Polícia Federal, vez que “presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração [dessa] efetiva necessidade”.

Para a socióloga Diana Duarte, a autorização da posse de armas pode ser um “tiro no pé”. Isso porque, segundo ela, a liberação do armamento não garante melhorias na segurança pública. “Existe uma manipulação de opinião baseada em falsas premissas de que a posse de armas dará ao cidadão ou cidadã maior segurança. Na verdade, pesquisas mostram o contrário, onde há mais armas, há mais violência”, destaca.

"É dar ao cidadão uma proteção aparente, mas que, na verdade, aumentará ainda mais o risco de morrer numa situação de confronto”, diz socióloga.

Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, de 31 de dezembro de 2018, apenas 37% dos brasileiros acreditam que a posse de armas de fogo deve ser liberada. Sobre esse dado, a socióloga explica que o posicionamento favorável ao armamento está ligado a uma falsa esperança na solução de problemas sociais ligados à violência urbana. “Existe uma ilusão com relação à suposta segurança do passado. O apelo às armas de fogo se dá, sobretudo, por uma falsa solução a problemas sociais. É dar ao cidadão uma proteção aparente, mas que, na verdade, aumentará ainda mais o risco de morrer numa situação de confronto”, enfatiza.

Ainda de acordo com Diana Duarte, a posse de armas também pode influenciar no aumento do número de feminicídios no país. Somente nos primeiros 15 dias de 2019, mais de 40 mulheres já foram vítimas desse tipo de crime no país. “Nos locais onde existe presença de armas de fogo, as mulheres se sentem ainda mais ameaçadas potencializando, portanto, o medo de romper com o ciclo de violência e acabar morta. A quantidade de mulheres mortas no Brasil equipara-se a de mortos em guerras civis. Quer dizer, não vivemos no intolerável, mas na barbárie”, destaca.

"Trata-se de um ato de insensibilidade para com as famílias das vítimas de armas de fogos, se configurando como um ato político irresponsável", diz especialista em Segurança Pública.

O especialista em Segurança Pública e doutor em Antropologia, professor Arnaldo Eugênio, explica que a flexibilização do uso da arma de fogo influencia diretamente no crescimento da violência e da criminalidade. “O Atlas da Violência mostra que, em 2017, foram 64 mil assassinatos com arma de fogo. Se eu considerar que a arma de fogo é um fator de criminalidade, ao aumentar a quantidade de armas dentro da sociedade, a tendência é que a criminalidade também aumente”, destaca.

Para ele, a garantia da posse de armas é uma forma de privatização da segurança pública, que negligencia o pressuposto constitucional de que a segurança pública é dever do Estado. “Na prática, é uma medida eleitoreira disfarçada de política pública de segurança, que em nada interfere, positivamente, nos fatores de violência e criminalidade no país. Ao contrário, trata-se de um ato de insensibilidade para com as famílias das vítimas de armas de fogos, se configurando como um ato político irresponsável, pois ignora a realidade e desconsidera o princípio da razoabilidade”, esclarece.

A posse de arma está garantida para cidadãos que residam em área rural ou urbana com elevados índices de violência. (Foto: Arquivo O Dia)

O que diz o decreto

Para a aquisição de armas de fogo de uso permitido, considera-se necessário para:

- Agentes públicos, inclusive os inativos: de segurança pública; integrantes das carreiras da Agência Brasileira de Inteligência; da administração penitenciária; do sistema socioeducativo (desde que lotados nas unidades de internação a que se refere o inciso VI do caput do art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990); envolvidos no exercício de atividades de poder de polícia administrativa ou de correição em caráter permanente;

- Militares ativos e inativos;

- Residentes em área rural;

- Residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência, assim consideradas aquelas localizadas em unidades federativas com índices anuais de mais de dez homicídios por cem mil habitantes (no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública);

- Titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais;

- Colecionadores, atiradores e caçadores, devidamente registrados no Comando do Exército.

- Entidades de tiro desportivo e as empresas de instrução de tiro poderão fornecer a seus associados e clientes, desde que obtida autorização específica e obedecidas as condições e requisitos estabelecidos em ato do Comando do Exército, munição recarregada para uso exclusivo nas dependências da instituição em provas, cursos e treinamento.

Pedido ou cancelamento do registro pode ser indeferido se: 

- Houve a ausência dos requisitos a que se refere o decreto;

- Quando houver comprovação de que o requerente: prestou a declaração de efetiva necessidade com afirmações falsas; mantém vínculo com grupos criminosos; age como pessoa interposta de quem não preenche os requisitos a que se refere o decreto.

Apesar da flexibilização da posse de arma, equipamento deve ser usado em último recurso, diz presidente de clube de tiro

Antes de ter uma arma, é necessário realizar treinamentos e cursos de capacitação e manuseio do equipamento. Segundo Edilson Marinho, presidente de clube de tiro em Teresina, para que o cidadão tenha uma arma em casa ou no trabalho, é necessário seguir alguns procedimentos de segurança, sobretudo com relação ao comportamento e a forma segura de guardar.

Ele explica que é preciso conhecimento técnico do equipamento, como carregar e manusear, além de preparo psicológico e físico. “É importante que o civil tenha uma arma, mas que ela seja o último recurso a se tomar. Antes de pensar em usar uma arma, deve-se sempre acionar as forças de segurança. Se a pessoa estiver em casa e alguém adentrar seu imóvel, é preciso estar preparado e isso a pessoa alcança através de cursos promovidos por clubes”, conta o presidente.

"Se a pessoa estiver em casa e alguém adentrar seu imóvel, é preciso estar preparado e isso a pessoa alcança através de cursos promovidos por clubes", diz presidente de clube de tiro.

Os clubes de tiro tem o funcionamento regido pelo Exército Brasileiro. Nesses locais, é possível uma pessoa realizar um curso e conseguir a declaração que deve ser anexada aos documentos exigidos pela Polícia Federal, entidade que autoriza ou não a posse de arma. 

Apesar da flexibilização da posse de arma, equipamento deve ser usado em último recurso, diz presidente de clube de tiro. (Foto: Arquivo O Dia)

“O civil cidadão precisa procurar uma loja e o tipo de armamento que deseja obter para se proteger. Normalmente, essas lojas fazem o encaminhamento do que é necessário para se ter uma arma, como a realização de um teste de tiro, exame psicotécnico, certidões negativas, declaração de necessidade efetiva, entre outros, assim como a habilidade de saber como usar a arma. Os instrutores de tiro e os psicólogos precisam ser credenciados pela Polícia Federal e habilitados a realizar esses testes”, explica Edilson Marinho 

O presidente do clube de tiro destaca ainda que está disponível no site da Polícia federal um check-list do que é preciso para apresentar de documentação. Ainda segundo ele, não existe no Piauí um regramento de quanto tempo seja necessário realizar um curso de tiro. Ele explica que, em geral, um teste de tiro leva em torno de 4 horas/aula, ou seja, em uma manhã é possível conseguir uma certificação para ter acesso à compra de uma arma.

“A pessoa precisa ter conhecimento técnico do equipamento e isso dá para ter através de apostilas na própria internet. O instrutor de tiro irá aplicar uma prova escrita e o aluno precisa ter aproveitamento de 70% de conhecimento sobre legislação, primeiros-socorros, e 70% também da prova prática. Com isso, o instrutor de tiro dá um laudo para anexar no processo, cujo certificado garante que a pessoa está apta a adquirir o equipamento”, salienta.

Edilson Marinho enfatiza que esse tipo de curso visa atender à necessidade da Polícia Federal, mas é sempre necessária capacitação. “Existem muitas coisas que podem acontecer, numa eventual necessidade, que nesse curso não lhe prepara, por isso a necessidade de um curso futuro”, finaliza.

Por: Nathalia Amaral e Isabela Lopes
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