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Farinhadas se espalham pelo Piauí e mostram impacto econômico

No interior do estado, são as próprias famílias que comandam os pequenos nichos de beneficiamento do produto

24/08/2019 11:05

No fundo do quintal da família Leal, a paisagem que se agiganta é de um sertão que já não vê chuva há alguns meses. O pasto de plantas secas faz contraste com o branco de um grande tablado repleto de goma fresca que, ao lado, compõe o cenário junto a uma pequena casa de farinha. O local é onde funciona, em uma produção contínua que se inicia, diariamente, às 3h da manhã, a tradição secular das farinhadas ou desmanches – processo que envolve desde a colheita da mandioca, à produção dos seus subprodutos, como a farinha e a goma. O município de São João da Canabrava, no Sudeste do Piauí, tem na mandioca um dos principais impulsionadores da economia local. 

Principalmente no interior do Estado, onde são as próprias famílias a comandarem os pequenos nichos de beneficiamento da mandioca, os desmanches têm início no mês de julho e se estendem até setembro - período em que as chuvas já têm passado e a colheita das raízes plantadas entre um e dois anos antes, se torna ideal.

(Foto: Glenda Uchôa/ODIA)

Na casa de farinha da qual Erivan Leal é um dos sócios, no povoado de Caco do Pote, ainda município de São João da Canabrava, o trabalho acontecerá até o fim deste mês, ele presume.

“Começamos no mês de julho e vamos até o fim de agosto. Por dia, manejamos cerca de dez cargas de mandioca, que é o chamado “arranca” trazido pra cá todo dia. Ao fim do dia, esse trabalho rende uma média de quatro a cinco sacos de farinha e também quatro a cinco sacos de goma”, relata.

Pela própria forma como as comunidades se organizam em torno do plantio e utilização, é fácil constatar que, ao longo dos anos, a força do alimento nunca mudou, mas o modo de beneficiá-lo, sim. A casa de farinha de onde é possível observar todos os processos para resultar nos produtos da mandioca é quase que inteiramente equipada por máquinas industriais. Isto porque o trabalho que, há cerca de dez anos, era quase em sua totalidade feito de forma braçal, vem sendo paulatinamente facilitado com a utilização de máquinas para o manejo do alimento. 

Apesar de serem os principais, não são só a goma e a farinha os produtos aproveitados durante os desmanches. Ela pode ser usada em sua completude, por isso, é secularmente considerada o “ouro branco” do sertão. 

Enquanto do miolo do tubérculo se aproveitam a fabricação da goma e farinha, a casca é usada para fazer ração para animais. Outro produto, a manipueira, que é o líquido extraído após o processo de prensa, pode ser usado como complemento alimentar para o gado e até no combate de pragas, a depender de como será manejado. Ou seja: nada é desperdiçado na mandioca.

Prática é milenar e faz parte da história do Brasil

A mandioca, planta de nome científico Manihot esculenta é, provavelmente, a planta cultivada mais disseminada no território brasileiro. A primeira referência à mandioca está na carta que Pero Vaz de Caminha enviou a Portugal quando do Descobrimento. 

“...Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos...”.

(Foto: Glenda Uchôa/ODIA)

O “inhame” era na realidade a mandioca, já que o inhame propriamente dito é de origem africana, tendo sido introduzido posteriormente no Brasil. 

O Brasil, aliás, é o segundo maior produtor do alimento no mundo, de acordo com dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). De tão presente no dia a dia dos brasileiros, e de tão importante, ela já foi até mote para um discurso presidencial; em 2015, quando a ex-presidenta Dilma Roussef classificou a raiz como sendo “uma das maiores conquistas deste país”, na cerimônia de abertura dos Jogos Mundiais Indígenas.

Por: Glenda Uchôa
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