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Suicídio: fenômeno para exercitar empatia desafia sociedade

Há um mito dito com recorrência que as pessoas que falam em cometer o suicídio não farão mal a si próprias, pois querem apenas "œchamar a atenção"

22/06/2019 09:13

“O suicídio é um fenômeno complexo e multicausal, ou seja: algo muito simples não pode explicá-lo”. O destaque é feito por Marcelle Beatriz, psicóloga terapeuta de casal e família e pós-graduanda em prevenção e posvenção ao suicídio. A especialista faz o destaque para que se encare o tema com a complexidade que ele se apresenta, por isto, neste cenário, julgamentos, busca por culpados ou negação, não contribuem para que a sociedade lide, de forma saudável, com as vidas que se perdem ou são afetadas em consequência deste fenômeno. “A pessoa quando comete suicídio não quer tirar sua própria vida, ela quer minimizar a dor que está sentido, ela se vê sozinha, não se vê compreendida e a gente vive em uma cultura que dá muito valor as pessoas quando ela se vão”, explica a psicóloga.


Poliana Oliveira/O DIA

Partindo deste entendimento, a profissional lembra que, em situações de desespero, as pessoas têm de ser amparadas, não julgadas. Isto talvez possa fazer a diferença entre salvar uma vida ou perdê-la. “A coisa que a gente menos deve fazer é julgar aquela pessoa, a gente vai tentar o máximo acolher o sofrimento dela, tentar entender o que ela está passando. Não usar religião ou uma cultura para fazer aquele tipo de indicação: você não acredita em Deus? Você não acredita que Deus pode te salvar? Imagina como tua família vai se sentir? Esse tipo de coisa só faz a pessoa se sentir mais culpada e mais errada, tudo isso pode intensificar aquela situação.

Então, o momento é de não atribuir culpa”, considera. A orientação serve como base para que pessoas que não tenham um conhecimento aprofundado sobre o tema saibam lidar com alguma inesperada situação, mas, é claro, que é através da intervenção de um profissional da saúde a forma mais correta de lidar com qualquer tipo de situação.

“Para ajudar, acolher, você precisa conhecer, não pode tratar um tema tão complexo sem buscar entender os sinais de alerta, a forma de abordagem. Mas é claro que não vamos capacitar toda uma sociedade para lidar com isso, mas nós, como sociedade, não podemos ficar alheio ao problema do outro. Precisamos entender, porque ninguém está alheio a essa temática. Precisamos nos cuidar para cuidar do outro”, finaliza.

Atenção a frases alarmistas

Há um mito dito com recorrência que as pessoas que falam em cometer o suicídio não farão mal a si próprias, pois querem apenas “chamar a atenção”. Além de não contribuir com o debate, o pensamento é um conceito falso, como alerta a cartilha do Centro de Valorização da Vida (CVV).


Elias Fontenele/O DIA

Existem diversas dicas que podem indicar que uma pessoa possa estar enfrentando esse tipo de problema e planejando cometer suicídio e as frases de alarme podem denunciar a situação: “A vida não vale a pena”, “Nada mais importa”, “Não ficarei magoado mais pois não estarei mais aqui”, “Vão sentir a minha falta quando eu me for”, “Você se sentirá mal quando eu me for?”, “Não aguento a dor”, “Não consigo lidar com tudo isso – a vida é muito difícil”.

Parentes, amigos ou pessoas que convivam no ciclo social de indivíduos que deixam tais alertas devem permanecer abertos para ajudar a lidar com a situação.

CVV na rede de amparo

Para contribuir com este contexto, o CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, no número 188; email e chat 24 horas (https://www.cvv.org.br) todos os dias.

“O que fazemos é uma escuta ativa, uma conversa que pode contribuir para a pessoa que esteja precisando ser ouvida e poder estimular que ela busque solucionar seus problemas”, explica Eyder Mendes, atendente e coordenador de divulgação do CVV Piauí. As pessoas que querem ser voluntárias do CVV tem que fazer parte de um treinamento, que dura em média três fins de semana, e ter disponibilidade de 4h por semana em qualquer horário.

(Glenda Uchôa)

Um tema para ser abordado com responsabilidade

O suicídio ainda é considerado um tema tabu na sociedade, entre os veículos de comunicação a dúvida é, em como noticiar tentativas de suicídio. O psicólogo e professor Denis Carvalho, explica que a melhor maneira é trazer a temática para o sentido reflexivo da questão e apresentando dados. “A forma correta é nunca focar no caso especifico, quando tem notícia de um caso especifico aproveitar pra falar do suicídio em si, uma matéria de como prevenir, quais são os principais riscos, e nunca com detalhe de faixa etária, modo de suicídio e local”, esclarece.

Os jornalistas ao noticiar qualquer assunto devem ter em mente se o conteúdo vai trazer danos a sociedade, como é o caso do suicídio, “com essas informações pode -se criar o efeito contágio, pois várias pesquisas mostram que quando você detalha o suicídio, você pode provocar uma indução à pessoas vulneráveis, com uma certa tendência ao suicídio, muitas delas criam coragem, e outra coisa é que tem o modelo de como cometer o ato”, explica o psicólogo.

Os comunicólogos contam ainda com uma “Cartilha de suicídio para os profissionais de imprensa”, que detalha como deve se dar com o assunto, além de frases de alertas que as pessoas costumam falar e locais de apoio. 

Compartilhamento de  vídeos nas redes sociais 

Divulgar fotos e vídeos de pessoas mortas para satisfazer a curiosidade, pode causar prejuízos graves. Esse ato se tornou crime através da PL 2175/15 aprovada em abril deste ano, a lei pune quem reproduzir imagens de cadáveres seja na internet ou outras mídias. A pessoa pode cumprir mandado de prisão, de um a três anos e pagar multa. A pena aumenta em um terço, se o responsável tiver acesso por meio da profissão.

O professor ainda explana que essa é uma ação que  jamais deve ser feita, “nunca se deve filmar, pois é algo absurdo,condenável, repudiável no mais alto grau, se você tiver próximo, tente conversar, mesmo à distância, falar coma a pessoa, para ganhar tempo e acionar o Corpo de Bombeiros e a Polícia. Por que geralmente esses órgãos tem gente com treinamento específico para abordagem”, esclarece.


Elias Fontenele/O DIA

O prejuízo à pessoas próximas, pode ser ainda mais devastador, ao ver as imagens circulando na internet, “com os pais é uma violência, leva uma segunda facada na vida, reativa a dor, reativa a ferida, por que é um tipo de imagem que não deveria ser permitida, e nas pessoas mais vulneráveis, você pode ter o efeito inspirador, de apresentar um modelo bem sucedido de suicídio, isso pode aumentar o risco”, alerta Denis Carvalho.

(Sandy Swamy)

Igrejas se unem em campanha contra o suicídio em Teresina

Sub: Grupos ficam acampados nas entradas das principais pontes da cidade compartilhando mensagens de amor e esperança a quem passa. Quem passa pela Avenida Frei Serafim tem se deparado com um grupo de pessoas acampadas na entrada da ponte Juscelino Kubitscheck, segurando faixas e cartazes com palavras de amor e esperança.

A escolha do lugar não foi aleatória e tem muito a ver com o propósito da ação. É que as pontes de Teresina têm sido cenário de um número frequente de casos de suicídios na Capital e os grupos que ali se fixam estão tentando justamente ajudar a reverter este quadro.

A iniciativa partiu de grupos das Igrejas Evangélicas e da Igreja Católica de Teresina, que se uniram para levarem palavras de conforto, carinho, amor e esperança para ,aqueles que mais precisam e que não conseguem enxergar mais nenhuma perspectiva na vida. Munidos de fé e muita disposição, os grupos oferecem abraços e acolhimento a quem a eles recorrerem.

A iniciativa é recente na Capital piauiense, tendo iniciado nos primeiros dias deste mês de junho, por incentivo de grupos voluntários do Rio Grande do Norte, após casos seguidos de suicídio naquela cidade. É o que explica o voluntário Thiago Melo: “Aquilo meio que mexeu com a gente e sabendo desse alto índice de suicídio aqui na nossa Capital, a gente decidiu fazer algo. Nos reunimos com o pessoal, fizemos divulgação nas redes sociais, recrutamos mais gente e formamos essa rede de ajuda ao próximo”. O projeto começou com 30 pessoas e hoje já são mais de cem voluntários se revezando em grupos e em esquema de plantão das 7h da manhã até as 20 horas todos os dias nas pontes de Teresina. 

Nas reuniões de preparação, os participantes receberam instruções de psicólogos e demais profissionais da saúde, como enfermeiros e médicos, além de terem contado também com a ajuda de profissionais da segurança para aprenderem a lidar em casos de situações extremas e necessidade de abordagem.

Yara Naira, que também é voluntária, relata que o principal propósito da iniciativa é mostrar para o outro que há alguém que se importa com ele mesmo quando ele se sente  sozinho no mundo. “Nós estamos aqui para conversar, abraçar, acolher, porque a gente sabe que o mundo é carente de amor. Às vezes são mães, são pais, são filhos que não conseguem mais ver o amor em nada, nem dentro de suas próprias casas e a gente tenta mostrar que nem tudo está perdido, que há sempre uma outra saída, uma palavra positiva para que ela não desista jamais. Que existe ainda muita vida para ser vivida”, diz Yara.

(Maria Clara Estrêla)

Papel da família

Ao detectar atitudes diferentes em amigos ou familiares, o primeiro passo, é não diminuir a dordo outro, pois o suicida só chega ao ato, após a ideação e ter feito tentativas. Como reforça o psicólogo, “o indicativo é não minimizar que há um quadro de problema de saúde mental, então, é recomendado buscar apoio para que haja assistência, e os apoios mais importantes são aqueles que integram o trabalho e um psiquiatra quando há indicação de medicamento” expõe.

Outro ponto que merece atenção, é que durante o tratamento ou após a internação o suicida pode tentar mais uma vez, “quando ele está melhorando, é que tem mais risco, por que já tem um incômodo de sofrimento grande, só que agora eles estão com força, com energia para fazer alguma coisa e muitos se matam, há casos de suicídio dentro do hospital”, relata Denis.

Entretanto o acompanhamento é indispensável, não se deve flexibilizar e brincar sobre a situação com pessoas que estejam com ideação suicida. O correto é conversar, mostrar que se importa, que quer ajudar e nunca julgar. O suicídio nunca é sinônimo de fraqueza ou força. Um abraço, uma palavra amiga, pode auxiliar neste momento.

Grupos de vulnerabilidade

Quando se fala sobre suicídio a primeira palavra que interligam é com a depressão. Só que a sociedade não compreende que essa é apenas uma das causas que pode levar ao ato, “existe um grupo em que tem relação com o suicídio e algumas relações de vulnerabilidade de saúde mental, depressão, tem uma associação muito intensa, boa parte dos suicidas tem um histórico de problemas de saúde”, fala o professor.

Isso acontece por que muitas pessoas não tem acesso a um tratamento de saúde adequado e, portanto, não têm diagnóstico. Outra situação são pessoas bipolares, “essa doença aumenta o risco em 4 ou 5 vezes mais de cometer o suicídio, do que em pessoas com situação sem ter esse problema, então, pessoas com vulnerabilidade de saúde mental, precisam ser acompanhadas, por que elas têm maior risco de ter esse efeito, de recepção como  estimulo”, elucida o psicólogo.

Cuidado para quem fica

A pósvenção é pouco debatida no meio desse cenário doloroso. Este é o momento após o ato do suicídio, quando a família e pessoas próximas passam pelo período de luto, “existe o luto natural de quem perde alguém, que o sofrimento pode ser patológico. Tem que observar se vai durar muito tempo qual a intensidade desse sofrimento,  se impede a pessoa de ter uma vida normal, trabalhar, ter vida social. Chegando nessa dimensão, precisa-se encaminhar para uma assistência mais especializada na área da saúde mental, com psicólogo e psiquiatra”, informa o professor Denis Carvalho.

O psicólogo continua, “o sofrimento nos primeiros meses é natural, o luto que tem que ser trabalhado, mas temos outros problemas, em alguns casos a situação estatística mostra que fica aquele medo, os questionamentos, sobre em que eu falhei, junto comum sentimento de dor profunda, que gera um adoecimento, a sensação de que as pessoas poderiam ter feito mais do que fizeram, e se culpam, sofrem e adoecem, isso precisa trabalhar bem”, detalha.

Observar quem ficou é importante para que as pessoas não comentam também suicídio, pelo sentimento de culpa, “mas é bom lembrar que o sofrimento é a situação de luto não  é um sinal de doença, é normal, todo mundo  tem que trabalhar o luto, a perda. A gente te uma sociedade que tem dificuldade em admitir que o sofrimento e a dor fazem parte da vida.

Isso não pode ser transformado em doença e somente tratado com medicamentos, é preciso ver a intensidade, se for muito tempo e se inviabilizar que a pessoa tenha uma vida normal, aí sim, deve começar a se preocupar”, pontua o psicólogo Denis Carvalho.

(Sandy Swamy)


Por: Sandy Swamy, Maria Clara Estrêla e Glenda Uchôa
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