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Água de ligações irregulares daria para abastecer cidade com 320 mil habitantes Maria Clara Estrêla e Nathalia Amaral

Ruas esburacadas, o chão repleto de desníveis e, mesmo assim, construções tomando formas. São casas sendo erguidas em regiões até então consideradas inadequadas, em áreas em branco no mapa do saneamento e do abastecimento de água. Muitas vezes sem CEP, tratam-se de locais não reconhecidos nem pelo poder público enquanto regiões habitacionais.

Em ocupações moradores convivem com buracos, esgotos a céu aberto e falta d'água. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

E, enquanto espaços ainda não legitimados pelo ente municipal, estas áreas chegam a passar meses, anos até sem contar com serviços básicos como o fornecimento de energia, o abastecimento de água e a captação e tratamento de esgoto. No tocante ao abastecimento, acaba dependendo dos próprios moradores a instalação de encanamentos improvisados com mangueiras e, muitas vezes, a feitura de gambiarras para conseguirem água tratada.

Essas ligações irregulares, além de causar transtornos para os moradores, também geram prejuízos para a empresa responsável pelo abastecimento, a Águas de Teresina, e para quem consome água regularmente e está em dia com as taxas pelo uso do serviço. Isso porque, as gambiarras feitas para abastecer as ocupações consomem em média quatro vezes mais do que o normal e sobrecarregam o sistema.

Gambiarras feitas pelos próprios moradores garante abastecimento irregular de água. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Isso se reflete em números. Segundo a Águas de Teresina, atualmente, a Capital piauiense possui 20 mil domicílios irregulares na região urbana, com uma taxa de ocupação de quatro pessoas por moradia, ou seja, são 80 mil pessoas consumindo água irregularmente. Mas, lembrando que essas gambiarras consomem quatro vezes mais que as ligações regulares, na verdade o consumo corresponde a 320 mil pessoas.

"O consumo de 320 mil pessoas numa área irregular é maior que todo o Grande Dirceu, maior do que uma cidade"

É o que explica o diretor de Operações da Águas de Teresina, Diego dal Magro. “Isso ocorre porque acaba não tendo aquela consciência de não deixar desperdiçar e consumir só o que é devido, então a gente tem um desperdício muito grande. O consumo de 320 mil pessoas numa área irregular é maior que todo o Grande Dirceu, maior do que uma cidade”, diz.

Fazendo um comparativo, a água desperdiçada através das ligações irregulares daria para abastecer, com folga, os municípios de Parnaíba, Picos e Piripiri, os três municípios mais populosos do Piauí, com exceção de Teresina.

“Isso para o sistema de abastecimento de água é muito prejudicial, porque essas áreas de ocupação desviam a água das áreas regulares de alguma forma, então você cria um problema muito grande, quando você tem domicílios que naturalmente não estão em áreas regulares, desviando de áreas regulares e só compromete o abastecimento”, ressalta.

Diretor de Operações da Águas de Teresina, Diego dal Magro. (Foto: Assis Fernandes/O Dia)

A concessionária explica que, após a regularização das moradias, a empresa retira toda a gambiarra feita pelos ocupantes e faz a infraestrutura regular. Os moradores contemplados são, então, inseridos no sistema e pagam uma taxa pelo volume de consumo. Os residenciais Dilma Roussef, na zona Norte, e Parque Vitória, na zona Sul, são exemplos de ocupações que foram regularizadas no último ano e passaram a ser abastecidas pela Águas de Teresina.

Ligações do Residencial Dilma Rousseff foram regularizadas há um ano. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Somente nestas duas áreas, foram implantadas redes de água de 44,6 Km de extensão, beneficiando 4.800 famílias. A reportagem do O Dia esteve nos dois residenciais e presenciou a mudança de cenário. No Parque Vitória, por exemplo, a situação de aparente descaso do poder público deu lugar a novas ruas calçadas e contadores de água nos imóveis. Do mesmo modo, no residencial Dilma Rousseff, a população saiu da clandestinidade e passou a receber água potável encanada.

Mapa dos principais reservatórios e ocupações visitadas pela equipe do O Dia.

O servidor público municipal, Osório Galvão, 59 anos, mora há 10 anos no residencial Dilma Rousseff e passou boa parte desse tempo sobrevivendo de gambiarras para conseguir ter acesso a água. Segundo ele, os moradores fizeram uma encanação irregular a partir da avenida principal do residencial Jacinta Andrade, conjunto vizinho.

O servidor público municipal, Osório Galvão, utilizava gambiarras para ter acesso à água tratada. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

“Era sofrimento demais. A gente comprava os canos e fazíamos a gambiarra de lá para cá. A água era muito fraca e tinha que botar em vasilhas ou na caixa d’água para ficar armazenando. Agora depois que encanaram e botaram o contador, está legal, fizeram um trabalho legal. Resolveu a falta de água, até agora faltou só uma vez depois que instalaram os canos. A água que vem, vem normal também, bem limpinha”, afirma, acrescentando que paga a tarifa mínima no valor de R$ 32 pelo consumo de água em um imóvel com nove pessoas.

Moradora mostra talão da Águas de Teresina com tarifa mínima. (Foto: Jailson Sores/O Dia)

Ocupações irregulares também causam prejuízos para os moradores

A rede de distribuição de Teresina possui 2,4 mil km, uma extensão que, se posta em linha reta, daria para chegar à cidade de Brasília. Mas, ainda assim, a Capital possui áreas sem água e esgoto tratados. É este o caso da ocupação Boa Esperança, na região do residencial Padre Pedro Balzi, zona Sudeste de Teresina.

Quem chega ao local se depara com ruas de terra batida, buracos nas vias, esgotos a céu aberto e mangueiras expostas no meio da via pública. É por estas mangueiras que os moradores recebem a água tratada, conseguida mediante ligações irregulares feitas junto ao sistema de encanamento do bairro ao lado.

Rua de terra batida na Ocupação Boa Esperança possui buracos e esgoto a céu aberto. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

As duas realidades ficam a uma avenida de distância. De um lado, ruas pavimentadas, encanamento em dia, contadores funcionando, água tratada e esgotos captados. Do outro, os moradores tendo que armazenar água e torcendo para que o encanamento frágil providenciado por eles mesmos não venha a se romper de alguma forma e não os deixe sem abastecimento.

Mas mesmo com o cano trazendo água do residencial Pedro Balzi para as casas da ocupação Boa Esperança, os moradores ainda sofrem com o desabastecimento. É o que comenta a senhora Maria dos Remédios Escórcio, 60 anos, moradora do local desde 2017. De acordo com ela, o fato de a ligação feita ser uma gambiarra, a água que chega às torneiras vem fraca e, quanto mais moradores puxam encanamento para suas residências, mais força ela perde.

Maria dos Remédios Escórcio mora na ocupação Boa Espernança desde 2017. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

“Um dia tem [água] e passam dois dias sem ter. A água é fraca quando todo mundo está usando, tem uma mangueira que o pessoal puxa pras suas casas e a gente tem que armazenar, porque tem vez que passa o dia todo sem água e vai chegar no outro dia. O prefeito até mandou puxar um cano geral [por baixo do chão] pra tirar do meio da rua o que a gente tinha puxado, porque todo dia passava carro e quebrava, mas falta puxar pras casas [sic]”, explica a moradora.

Para além do abastecimento irregular, outro problema que também preocupa Maria dos Remédios são os esgotos a céu aberto, que se tornam verdadeiros transmissores de doenças. O cuidado maior é com sua neta, que ainda é uma criança de colo e fica com ela boa parte do dia, enquanto sua filha passa o dia no trabalho.

"Quando chove, se você estiver em casa, você não sai e se sair, não pode entrar, porque vira uma lagoa"

Contudo, os transtornos não param por aí. Quando chove, então, a rua vira, nas palavras da senhora, “uma lagoa”. “Quando chove, se você estiver em casa, você não sai e se sair, não pode entrar, porque vira uma lagoa. São três ruas nessa situação: a primeira, lá na frente, a segunda e essa, que é a Rua 03. Essa é a rua mais feia. Olha a condição como é”, reclama a moradora, mostrando o esgoto a céu aberto na entrada da rua. Mesmo durante o B-R-Bró, uma poça d’água impede a passagem dos moradores, que para passar precisam se equilibrar em uma trilha feita de tijolos quebrados.

Moradores improvisam caminhos pelo esgoto. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Ruim para caminhar e de difícil acesso para carros e motos, a Rua 03 da ocupação Boa Esperança, mesmo nesta situação, foi escolhida por Mariano da Silva Rosa, 40 anos, para levantar a casa em que irá morar com a mulher e as duas filhas. Até para construir a residência, o caseiro encontra dificuldades. Isto porque, com o abastecimento irregular da área, ele depende da boa vontade do vizinho para conseguir a água usada para preparar a massa e aterrar o terreno.

Além dele e dos dois ajudantes que o auxiliam no trabalho, também compõe o canteiro de obras um balde grande aonde uma mangueira puxada da casa ao lado derrama fracamente a água que Mariano utiliza na construção. Apesar dos esforços, a água é insuficiente para dar agilidade ao seu trabalho. “A água aqui não está cem por cento não. Estamos usando aquele balde grande lá pra poder armazenar, pedi pro vizinho botar a mangueira, mas não resolve. Vai precisar aterrar e não tem água suficiente ainda”, afirma.

Proprietário de terreno usa mangueira emprestada do vizinho para puxar água para construção. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Natural de Pau D’Arco do Piauí, Mariano vem para Teresina para ficar mais perto das filhas, que estão na universidade, e espera que a falta de água na região não desvalorize seu imóvel. Ele decidiu construir sua nova morada na ocupação Boa Esperança na expectativa de que daqui a um ano, ou quem sabe antes disso, a questão do abastecimento de água e do esgotamento seja plenamente resolvida.

Enquanto Mariano constrói sua casa de um lado da rua, do outro, Elismar Queiroz dos Santos, 36 anos, vem acumulando prejuízos em seu comércio dado às condições de abastecimento de água na Rua 03. Dono de um salão de beleza, o consumo de água em seu estabelecimento comercial é relativamente alto, o que demanda um sistema de encanamento bem mais eficiente.

Elismar Queiroz dos Santos atende cliente em seu comércio localizado na Rua 03 da Ocupação Boa Esperança. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Morador da ocupação Boa Esperança há três anos, ele menciona os transtornos da falta de água quase diária devido à fragilidade do cano que abastece as casas da rua. “Não tem contador nem encanamento e a situação aqui não fica beleza porque todo dia quebra o cano que puxamos lá do outro lado e tem que inteirar os moradores pra poder emendar. Às vezes a água vem suja também, vem baixinha, aí a gente tem que aparar das torneiras”, relata Elismar.

O cabeleireiro até já procurou a Prefeitura de Teresina para tratar da situação da Rua 03 e disse que uma equipe da Semcaspi (Secretaria Municipal de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas) já visitou o local para fazer a medição para o calçamento. No entanto, é preciso primeiro encanar para, depois, pavimentar.

"No verão é a poeira e no inverno é a lama"

“Enquanto não passarem os canos, não podem passar o asfalto e tem que ser resolvido isso rápido, porque aqui no verão é a poeira e no inverno é a lama. Piora quando chove forte, porque a água lá do outro lado desce toda para cá, aí alaga mesmo. A gente queria que resolvessem logo o abastecimento de água pra poder resolver as outras coisas”, finaliza o morador.

Regularizar para universalizar: redução de perdas

Quando assinou o contrato de subconcessão da produção e distribuição de água na Capital piauiense, a Águas de Teresina se comprometeu a universalizar o serviço em até três anos. Além de levar água tratada a todas as regiões do perímetro urbano da cidade, outra frente de atuação para cumprir esta meta é a redução das perdas dentro do sistema já instalado.

Por perdas compreende-se toda a água que sai da estação de tratamento, que é distribuída, mas que não chega a ser contabilizada no hidrômetro de cada domicílio. Estas perdas são classificadas em dois grupos: as irregularidades no próprio aparelho medidor, que mede menos do que é consumido; e os vazamentos na rede, que são a perda física de água.

Atuando no modelo operacional da Aegea – sua hold, que atua com 49 subconcessões em todo o Brasil – a Águas de Teresina adota o Programa de Redução de Perdas, que consiste basicamente no controle de vazamentos, em vistorias de irregularidades, na melhoria da gestão de micromedição, na automação dos serviços e na troca de ramais.

Por mês, são consertados 5.500 vazamentos na região urbana de Teresina.

Por mês, são consertados 5.500 vazamentos na região urbana de Teresina, segundo a empresa. A perda física de água, nestes casos, se dá devido à baixa qualidade dos materiais utilizados na rede, muitas vezes peças antigas e que precisam ser trocadas. Neste trabalho de substituição de equipamentos, já foram trocados 35 km de ramais em toda a rede da Capital, o que totaliza aproximadamente seis mil aparelhos substituídos.

Colaborador da Águas de Teresina troca hidrômetro no bairro Parque Brasil. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Isto permitiu reduzir em 64% as perdas em áreas regularizadas de Teresina ao longo dos últimos dois anos. O objetivo é chegar a 2027 com um patamar de perdas de apenas 25% em toda a cidade. “Perdas é gestão. É ter um modelo que você aplique e usar a tecnologia de forma significativa. No processo de vazamento, aplicamos o sensoriamento, que é o acompanhamento em tempo real do sistema na nossa Central de Controle Operacional. Ele funciona por pressão: se tiver uma variação na rede que cai essa pressão, já sabemos que naquela região tem algo acontecendo, então a gente consegue atuar de forma rápida”, explica dal Magro, diretor de operações da Águas de Teresina.

Além do sensoriamento, a Águas de Teresina também utiliza a telemetria para monitorar em tempo real o nível dos reservatórios de modo que eles não extravasem e haja perda de água.

ETA’s garantem controle da qualidade do abastecimento de água

Para atestar a qualidade da água distribuída na Capital, a reportagem do O Dia esteve na Estação de Tratamento de Água da Zona Sul de Teresina e acompanhou todo o processo de tratamento, desde a captação até a distribuição para os ramais. Confira abaixo em nossa áudio reportagem como ocorrem as etapas de captação e tratamento na ETA SUL, localizada no Distrito Industrial, zona Sul de Teresina:

Laboratório de tratamento

Todo o processo de tratamento da água é acompanhado de perto por uma equipe responsável por captar amostras para definir as medidas adotadas ao longo das etapas. No laboratório de tratamento, a equipe define qual a dosagem de produtos químicos a ser adicionada à água e capta o produto em todos os processos para verificar o tratamento em tempo real. As amostras são coletadas a cada hora.

Controle de qualidade da água tratada

Já ao final do processo, a equipe do Controle de Qualidade faz a análise da água tratada. Ao todo, 20 mil análises são feitas mensalmente para atestar a qualidade da água em toda Teresina, incluindo a que sai da ETA e a distribuída através dos ramais.

No laboratório é feita a análise físico-química e bacteriológica da água tratada pela Águas de Teresina. “Esse setor tem autonomia para comunicar que tem alguma coisa errada dentro do processo. A gente identifica o que está tendo de problema, na maioria das vezes na rua, e a partir desse alerta a gente vê qual medida vai ser tomada para poder restabelecer a qualidade”, esclarece o gerente Alexandre de Oliveira.

Águas de Teresina atesta água tratada nas ETAs

Todo o processo de tratamento de água é atestado pela Águas de Teresina. Segundo a concessionária, a qualidade da água distribuída é tamanha que não seriam necessários filtros caseiros para complementar o processo. No entanto, fatores externos à estação de tratamento ainda são um dos entraves na distribuição da água de qualidade.

“O que sai daqui a gente consegue garantir uma segurança com cloro residual, uma dosagem controlada de cloro para permitir a desinfecção que ainda tenha no percurso até chegar às residências. No entanto, não podemos condenar os filtros caseiros, até porque tem condomínios que a gente não sabe como estão as caixas d’águas, a própria rede tem interferências e acaba que alguns vazamentos podem colocar ainda algumas impurezas para dentro da rede”, finalizada o gerente de Produção da Águas de Teresina.

O gerente de Produção da Águas de Teresina, Alexandre de Oliveira, acompanhou a visita do O Dia à ETA SUL. (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Além da ETA Sul, a ETA Norte, localizada no bairro Santa Maria da Codipi, também é responsável por produzir água para consumo na Capital. Nesta estação são produzidos 300 litros de água por segundo, apenas 10% do que é produzido na ETA Sul. Essa estação é responsável por 15% abastecimento de Teresina.

Created By
Nathalia Amaral
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Credits:

Jailson Soares