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Aluna da UFPI com sequelas de AVC defende mestrado em Farmácia

Sem conseguir mover os membros superiores e inferiores, com dificuldades na fala, para se alimentar e passando a usar cadeira de rodas, Carina precisou passar dois anos ausente da universidade.

10/06/2019 16:29

Carina Braúna é sinônimo de força, superação e muita vontade de vencer. Sua trajetória surpreendente é repleta de conquistas. Carina ingressou na UFPI em 2004 e quando cursava o terceiro período de Farmácia teve um acidente vascular cerebral que trouxe sequelas muito graves. Sem conseguir mover os membros superiores e inferiores, com dificuldades na fala, para se alimentar e passando a usar cadeira de rodas, Carina precisou passar dois anos ausente da universidade.   

Carina com os pais, João Bosco Braúna e Assunção Braúna (Fotos: Comunicação UFPI)

Sem tantos horizontes para inserir Carina na vida acadêmica novamente, os pais, João Bosco Braúna e Assunção Braúna, seguiram o conselho do médico neurologista que assegurou ser benéfico o retorno dela à UFPI. Não havia nada que a impedisse de estudar. “Ela não tinha como pegar em livros ou escrever, então precisaria apenas de umas adaptações em termos de instrumentos. Por meio de adaptação para o computador ela conseguiu recuperar essa capacidade toda e voltou a frequentar a universidade. Terminou o curso de graduação e fez o curso de mestrado, que está sendo concluído agora, com muito sucesso. Eu espero que ela ainda possa conquistar muito espaço pela sua capacidade”, declara o pai.

Mesmo sem rampas na universidade e o pai tendo que carregá-la às salas de aula, Carina voltou a frequentar o curso e a trilhar o sonho de ser farmacêutica. Foi sempre em busca de mais vitórias e provando a si mesma a enorme capacidade que tem, graduando-se em Farmácia no ano de 2016 e defedendo a dissertação de mestrado em 2019.

“Minha disciplina é Controle de Qualidade de Medicamentos, que o aluno fica em pé na bancada fazendo as análises. Nas aulas, ela participava observando toda a prática e depois relatava tudo de forma escrita”, lembra a professora doutora Eilika Andréia Feitosa Vasconcelos, atual Coordenadora do Curso de Farmácia-UFPI.

Carina e a banca avaliadora da dissertação

“Carina foi minha aluna de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Ela foi extremamente dedicada. Acho que a vida pessoal e profissional dela é a mesma. Ela foi a primeira cadeirante do curso de Farmácia da UFPI e aos poucos nós fomos modificando a estrutura dos locais para que ela pudesse fazer as aulas práticas e os estágios obrigatórios, que foram realizados parte na Farmácia Escola e outra parte no Hospital Universitário, então todos nós nos adaptamos a ela, fomos aprendendo com ela também e apesar de ela ter as limitações nós tratamos com muita tranquilidade”, explica André Luís Menezes Carvalho, Subcoordenador do Mestrado em Ciências Farmacêuticas.

A professora doutora Mayara Ladeira foi coorientadora da 

Mayara Ladeira ingressou junto com Carina na graduação e acompanhou de perto toda a situação pela qual passou. Depois de formada, retornou à casa e passou a ser professora de Carina, que já tinha voltado a frequentar as aulas. Pouco tempo depois, quando conquistou seu diploma de farmacêutica, Carina ingressou no mestrado e Mayara tornou-se sua coorientadora. “Trabalhar com a Carina não é algo novo. Isso tudo contribuiu para nossa formação como ser humano, de retornar o que a gente aprende de maneira a contribuir na vida do outro. É uma troca: Carina contribui com a gente, e a gente contribui com ela”, destaca Mayara. 

Silvana Alencar entrou na vida da Carina para auxiliá-la durante o dia a dia. Mais do que uma funcionária, Carina ganhou uma grande e fiel amiga, disposta a enfrentar todas as barreiras e torcer veementemente para que seus planos sempre deem certo. A relação é baseada em segurança, cuidado mútuo e em trocas de aprendizados e sentimentos singelos. “Eu tento ajudar em tudo que for possível. Tento fazer com que ela aprenda comigo também. Estou com ela e enfrentamos qualquer coisa juntas”, externa emocionada. 

Carina e Silvana Alencar 

Silvana tem a preocupação de sempre motivá-la, de fazê-la entender que pode qualquer coisa e ir onde quiser, que não há barreiras ou dificuldades. Juntas, tornam o impossível em possível e contribuem para suas experiências no mundo. “Se for para gente sair agora, para qualquer lugar, como viajar, talvez para os pais tem a questão da limitação, o bloqueio, mas para nós duas, não. A gente vai aonde for para ir”, conta. 

Mas nem sempre foi tão fácil. Assim que passou a ter os primeiros contatos com a Carina, pensava em não ser capaz de conseguir cumprir com suas responsabilidades. Em casa, Silvana precisava relembrar todos os passos que precisa fazer ao estar com Carina. “Hoje em dia, não, a gente está tão acostumada que só de olhá-la já sei o quer. Às vezes nem precisa terminar a fala e eu já sei”, explica. 

Muito emocionada, Silvana conta que a missão dela terminava junto com a aprovação do mestrado. “É muito difícil e tem muita correria. A mãe dela trabalha fora e fica só nós duas em casa. Disse a Carina que minha missão era só até terminar o mestrado, mas agora pouco ela estava dizendo que queriam botá-la para o doutorado”, revela sorrindo. 

Em entrevista por meio de mensagem de texto, Carina conta que precisou reencontrar forças em si mesma e na conexão com sua religiosidade. "Quero dizer que a dificuldade é a gente que faz. Esse período foi um momento de muita aproximação entre mim e Deus. Tantas vezes eu perguntei se era isso mesmo que Ele queria. E, assim, se eu não tivesse essa certeza, essa confiança, eu não conseguiria alcançar", declara.

Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC’s) e docência inclusiva

Devido à sua dificuldade de deslocamento e até mesmo inflexibilidade de horários por conta de tratamentos, durante a graduação e a pós-graduação, Carina usou uma ferramenta inclusiva para pessoas com deficiência e dificuldades de locomoção, chamada Plataforma Moodle. Com essa tecnologia ela pode ser inserida na atividade docência de forma autônoma, sem que precise de acompanhamento constante.

Professora doutora Graça Medeiros

De acordo com a orientadora dela, Profa. Dra. Graça Medeiros, durante a graduação Carina fez atividades de ensino, pesquisa e extensão. “Ela fez parte de planejamento, correção de relatórios com a professora, deu aula para meus alunos usando a escrita por meio da ferramenta digital. Assim, Carina elaborou prova, os alunos responderam, ela as corrigiu e atribuiu nota por meio da plataforma. Já no mestrado, Carina tinha direito a uma bolsa da Capes, por conta da colocação dela e para ela ter direito a bolsa, teria como requisito realizar o estágio docência. Ela fez, e a única coisa que nós fizemos foi adaptar. Usamos uma ferramenta de ensino a distancia, pois ela precisava escrever. Nós usamos a Plataforma Moodle, cadastramos a disciplina e ela fez toda parte da aplicação do conhecimento usando essa tecnologia para com os alunos. Com isso a Carina descobriu que pode ser professora. Então ela nunca está satisfeita. Está sempre buscando mais", explica.

Trigger Tool e a segurança do paciente

Vamos pensar na seguinte situação: uma pessoa entra no hospital para uma internação, pois está com sintomas de pneumonia e a assistência prestada foi o tratamento com antibióticos. No entanto, analisando o prontuário da paciente foi identificada a prescrição de antialérgico, visto que o paciente começou a sentir coceiras decorrentes do uso do antibiótico. Então, vem a pergunta: por que o antialérgico está no prontuário, se ele não é prescrição para pneumonia? São esses eventos adversos presentes no prontuário que Carina analisou no trabalho “Uso de Trigger Tools na determinação de reações adversas a antimicrobianos em um Hospital Universitário”, defendido no dia 3 de junho, no auditório do Curso de Farmácia da UFPI.

O Instituto Brasileiro de Segurança do Paciente (IBSP) divulgou um estudo que indica que todo ano 10% de todos os pacientes internados no Brasil sofrem com eventos adversos, gerando um total de 1,7 milhão de vítimas. Desses pacientes, 220 mil vão a óbito.

“O foco do trabalho da Carina é aumentar a segurança do paciente. Ela fez a avaliação dos prontuários, no intervalo de um ano, de uso dos antimicrobianos com o objetivo de aumentar a segurança no uso de antimicrobiano no Hospital Universitário da UFPI. O trabalho dela vai contribuir para o uso racional de antimicrobianos, ou seja, aumentar a segurança de uso de medicamentos”, explica a orientadora.

Carina analisou mais de cinco mil prontuários de pacientes internados utilizando pistas para identificar os possíveis eventos adversos, por meio da ferramenta Trigger Tools e avaliar os danos causados por cada um deles. “Carina deixou uma contribuição interessante à medida que ela estudou todos os casos relacionados ao uso de antimicrobianos. E, esses pacientes, que tiveram esses eventos notificados e investigados, passaram a ter uma assistência que antes não era possível, porque nós não tínhamos conhecimento que aquele paciente tinha reação adversa. Isso (o trabalho) foi bom devido a esses impactos sociais dentro do HU”, disse a coorientadora, professora doutora Mayara Ladeira.

Os dados foram analisados através de tabelas, gráficos, porcentagens, médias e desvio padrão. “Carina pôde ter acesso a todo banco de dados online. Ela realizou a busca ativa no Aplicativo de Gestão para Hospitais Universitários (AGHU) e no VigiHosp que são o sistema que circula toda a questão de prontuários, prescrições e gerencia reações adversas e notificações de incidentes e agravos na situação do paciente”.

Segundo a orientadora professora doutora Graça Medeiros, o trabalho de Carina é muito importante para transformar o ambiente de saúde para a cultura de segurança do paciente. “O trabalho é uma contribuição que ela dá para com a sociedade científica, pois mudou o protocolo do uso de alguns antimicrobianos. Já teve uma repercussão local. Como é um mestrado acadêmico, esse trabalho vai ser transformado em livros, artigos, para que possam servir de orientação para os usuários de outros hospitais. No caso, os profissionais”, finaliza.

Pensar em Carina Braúna é enxergar a mulher incrivelmente forte que existe dentro dela. É compreender a garra que emana de seu corpo e o desejo de conseguir ocupar sempre mais espaços. Carina é aluna, amiga, filha, farmacêutica e agora mestra. As conquistas não param por aqui, pois Carina tem o mundo e o mundo clama por ela, pelo seu talento e pela sua inteligência.

Fonte: SCS UFPI
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