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Espetacularização da violência gera sensação de insegurança

Pesquisadores revelam que a sensação de segurança não está relacionada apenas com a ocorrência ou não de crimes, mas de múltiplos fatores

13/10/2018 08:18

Ana Leal estava dobrando a última esquina que antecede sua casa, por volta de 13h de um dia de semana, quando foi surpreendida por uma dupla que, munida de uma arma de fogo e em uma moto, anunciou o assalto com a ordem: - passa tudo! Àquela altura, o “tudo” de Ana era a mochila com os livros escolares e seu celular, relativamente novo, que ganhou da mãe no ano anterior por ter sido vítima de outro assalto. Naquele dia, a jovem chegaria em casa, pela segunda vez, sem nenhum dos objetos com os quais saiu, mas carregada de uma sensação: a de que a insegurança era constante em seu cotidiano.

O relato faz parte da vivência de uma jovem da zona Sul de Teresina, mas facilmente pode rememorar experiências de centenas de outros moradores da Capital do Piauí. Segundo dados da Polícia Civil, já foram recuperados cerca de mil celulares roubados este ano na cidade, mas, por mês, são registradas cerca de 500 novas ocorrências deste tipo em Teresina. Um cenário que certamente contribui na hora de fazer a população se sentir segura ou não dentro da cidade.


Teresinenses relatam medo de saírem de casa e voltarem sem seus pertences por conta dos frequentes assaltos (Foto: Jailson Soares/ODIA)

No artigo “Percepções sobre a sensação de segurança entre os brasileiros”, os pesquisadores da área de sociologia e ciência política, Gabriela Ribeiro, Erni José, Felipe Mattos e Ednaldo Aparecido, mostram as influências que pesam sobre a sensação de segurança no país e mostram que ela não está relacionada apenas com a ocorrência ou não de crimes, mas de múltiplos fatores.

São apontados como aspectos para compreender os níveis do sentimento de segurança, tais como: o crescimento da criminalidade; o fenômeno da urbanização; a influência midiática que ressalta a espetacularização da violência; fatores culturais, como a religião; atributos dos próprios indivíduos, como gênero, renda e idade; entre outras características sociodemográficas.

“No Brasil, o sentimento de insegurança é bastante alto [...] Seria de se esperar que pessoas residentes em regiões que possuem altas taxas de criminalidade e violência apresentassem maiores níveis de sentimento de insegurança, entretanto, as pesquisas revelam que esta relação não ocorre de forma tão automática, pois o sentimento de insegurança não está ligado apenas às condições concretas, como, por exemplo, o percentual de crimes, o número de assaltos, arrombamentos, etc., mas também às questões subjetivas, como influência da mídia, dos vizinhos, percepção dos riscos, ambiente geográfico, etc”, aponta a pesquisa.

Segundo uma pesquisa de opinião do Instituto Gallup divulgada este ano, a 2018 Global Law and Order, o Brasil é o quarto país no mundo em que as pessoas se sentem mais inseguras, entre 142 nações.

A percepção negativa se acentuou nos últimos dois anos já que, em 2015, o Brasil nem sequer estava no ranking dos dez países em que há pior sensação de segurança. Em 2016, o país foi o sétimo do ranking e, ano passado, chegou a quarto país de maior insegurança – apenas 31% dos entrevistados disseram se sentir seguros, mesmo percentual da África do Sul.

Toda essa conjuntura faz as pessoas mudarem a própria rotina de vida. Atualmente, seis meses depois do assalto, Ana evita andar com o celular quando sai de casa e, quando está com posse do aparelho, anda sempre em alerta, como descreve. “É que parece que toda hora você pode ser assaltada, não dá mais para confiar em lugar nenhum”, relata. Para a jovem, a sensação de insegurança é perene. “Eu não acho que a gente consiga andar despreocupada”, relata.

Outras pesquisas

Um relatório publicado pelo IBGE em 2010 mostra que, à medida que a população se afastava do domicílio, a sensação de segurança diminuía. A estimativa produzida revelou que a maioria dos brasileiros (78,6%) se sentia segura no domicílio onde residia, contingente que se reduz para 67,1% quando o contexto passou a ser o bairro e para 52,8% no que diz respeito à cidade (PNAD, 2010). A comparação entre as grandes regiões revelou que o menor percentual de seguros estava no Norte/Nordeste (71,6% no domicílio, 59,8% no bairro e 48,2% no município) e o maior no Sul/Sudeste (81,9%, 72,6% e 60,5%, respectivamente).

Redes sociais contribuem para sentimento de insegurança 

Como agente de segurança pública, o secretário estadual de segurança, coronel Rubens Pereira, reforça os fatores citados na pesquisa “Percepções sobre a sensação de segurança entre os brasileiros”. Para ele, um dos fatores que envolvem diretamente o nível da sensação de segurança é identificado como “espetacularização da violência”.

“A sensação de insegurança ainda permeia com tanta frequência na sociedade porque é tudo muito rápido. As redes sociais, os meios de comunicação estão muito atuantes nesse sentido de divulgar os crimes que acontecem e tudo chega com muita facilidade. É por isso que as pessoas também estão constantemente alarmadas”, relata.

O secretário afirma que a polícia está agindo no Estado para garantir uma atuação mais próxima da comunidade. “Fazemos isso para que os agentes discutam e que possam ver a polícia com um diálogo permanente com a sociedade. À medida que a polícia se aproxima com maior periodicidade da comunidade, ela se sente mais segura”, confirma. 

“Traficantes e receptadores estão dando suporte aos que furtam e roubam”, diz secretário de segurança 

No cotidiano das pessoas é mais comum que alguém conheça diretamente quem já foi vítima de roubos ou furtos do que de assassinatos e outras formas de violência mais severas. Essa visualização geral mostra que, caso se consiga controlar a incidências dessas primeiras práticas, o nível de segurança se torna muito mais presente na sociedade. E esse pensamento faz parte de uma recente medida de ação das polícias militar e civil do Estado do Piauí, de acordo com o secretário estadual de segurança, coronel Rubens Pereira, a chamada “Operação Piauí Seguro”.

Coronel Rubens Pereira detalha ações da Operação Piauí Seguro (Foto: Arquivo O DIA)

“Encerramos o primeiro semestre e avaliamos, no início de agosto, a situação da segurança pública nos eventos furtos e roubos, que era realmente muito presente. A Capital apresenta alguns distritos que demonstram maior preocupação da segurança em relação a esses crimes e, por isso, no início do semestre, as polícias civil e militar, para diminuir furtos e roubos, principalmente furtos de veículos que nós verificamos que estavam acontecendo com muita incidência, desencadearam a Operação Piauí Seguro, que tem como alvo traficantes e receptadores, que estão dando suporte aos que furtam e roubam”, esclarece o secretário.

Com a medida, que envolve o cumprimento de mandatos, operações de policiamento constante, realizações de blitzen e barreiras policiais, o gestor espera que, até o fim do ano, os números de crimes desse gênero reduzam em Teresina.

O coronel destaca ainda que o foco da atuação da repressão se dá na área do tráfico de drogas. Segundo ele, este tipo de atuação favorece com que exista uma rede de furtos e roubos articulada dentro da sociedade. Recentemente, a ação desarticulou uma quadrilha envolvida na venda de drogas e receptação de itens roubados.       

Falta de apoio dificulta atuação da comunidade no combate à violência 

Os conselhos comunitários de segurança pública foram criados em Teresina com a intenção de reforçar a segurança dos bairros da Capital de uma forma em que não só a polícia, mas a própria população intervisse para isso. No entanto, por falta de apoio para a realização de projetos e ações, as instituições relatam pouca possibilidade de intervenção na realidade da segurança pública da cidade. Na zona Norte, o primeiro conselho a ser criado viu projetos deixarem de existir e ações serem desarticuladas por falta de incentivo.

Teresinha Gonçalves lembra que conselho da zona Norte funcionou até 2012 oferecendo atividades para os jovens da região (Foto: Jailson Soares/ODIA)

Teresinha Gonçalves da Silva é presidente do conselho comunitário da zona norte de Teresina, localizado na Vila São Francisco e fundado em 2002, para ela, que está à frente da organização desde sua criação, a segurança pública é uma área que não depende apenas das polícias.

“Desde 2002 que esse conselho foi criado, ele é o mais antigo do Piauí e, à época, todas as entidades da zona Norte foram chamadas a discutir segurança púbica através do 9º batalhão. Então formamos uma frente com a participação de associação de moradores, grupos de mães, igreja, jovens. Todos os entes que estão envolvidos na segurança, porque ela não é apenas uma questão de polícia, mas de comunidade”, destaca.

O envolvimento oportunizado pela reunião de pessoas da sociedade civil e organizada oportunizou a criação de projetos como o pelotão mirim, que acontecia diretamente organizado através dos conselhos. Teresinha destaca que na zona Norte existiam tutores, que oportunizaram às crianças diferentes saberes relacionados a práticas esportivas, dança e cultura.

“Os instrutores, que eram os responsáveis pelas atividades de dança, esporte, de música, eram os agentes comunitários de segurança pública da sua comunidade. Por eles, nós tínhamos a informação das comunidades e, no planejamento, discutíamos tudo também com a presença das lideranças. Assim, nós sabíamos como estava a segurança daquele local porque eles conversavam com a comunidade, sabiam onde tinha a boca de fumo, sabia do pai que usava droga e machucava a família e assim a gente já tentava resolver o problema”, lembra Teresina.

Dessa forma, uma rede se criava entre polícia, líderes locais e a comunidade em geral. Segundo a presidente, o conselho de segurança pública existiu dessa forma até 2012, quando, em razão da falta de apoio dos entes ligados à segurança do Estado, parou de executar tais ações. “Depois ficamos inviabilizados de manter porque nossos parceiros, que era a Polícia Militar, a Secretaria de Segurança, instalou seus pelotões dentro dos próprios batalhões de polícia e ficamos inviáveis de continuar”, destaca.

Mas Teresinha afirma que há novos projetos sendo formatados e que, após o período eleitoral, encampará a busca por apoio dentro dos órgãos estaduais e municipais. “Temos o projeto Jovens Unidos pela Paz, que é para abarcar cerca de 100 jovens, mas precisamos do coordenador, precisamos de lanche, ter apoio para o esporte e uma série de incentivos que vamos atrás de conseguir. É só assim que se muda a realidade da segurança, envolvendo a comunidade e todos os entes que fazem parte dela”, finaliza.


O primeiro conselho comunitário a ser criado viu projetos deixarem de existir e ações serem desarticuladas por falta de incentivo. Foto: Jailson Soares/ODIA

Vítima de roubo relata falta de solidariedade das pessoas

Uma prova de que a segurança só acontece quando a sociedade se articula em defesa de si é o relato compartilhado pela árbitra de futebol Eliane Gonçalves. Ela foi alvo de um assalto no início do ano e conta que, após ter a bicicleta levada, demorou a encontrar alguém que pudesse ajudá -la no momento.

“Bate um desespero, a gente pede um socorro, as pessoas passam, filmam, mas ninguém tem coragem de ajudar. Dá tristeza de adquiri um bem e ser levado de uma hora pra outra, mas também de vê que ninguém se importa mais para ninguém”, considera Eliane que teve o bem roubado enquanto pedalava por Teresina.

Ela conta que foi abordada por dois rapazes na proximidade da Ponte Estaiada em Teresina que, na posse de uma arma branca, pediram a bicicleta que ela treinava, orçada em R$2.700. O crime aconteceu em fevereiro e ela ainda não adquiriu outra bicicleta. “A gente fica com medo, mas eu pretendo comprar outra até o fim do ano e voltar a treinar porque não dá para parar de viver”, afirma. 

Eliane faz parte do grupo de pessoas que mesmo diante da criminalidade prefere tentar continuar a levar a vida de forma normal. 

Por: Glenda Uchôa
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