Uma rápida busca pelos dados referentes à expectativa de vida do brasileiro mostra que o cenário, ao passar dos anos, tem sido positivo. O fato é que brasileiro tem vivido mais. O último levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que a média de vida do brasileiro chegou a 75,8 anos em 2017 – há dez anos, a estimativa marcava apenas 72,7 anos.
No entanto, viver mais não tem significado, necessariamente, viver melhor. Muitos dos que chegam à terceira idade encontram barreiras para uma vida plena. Manter-se no mercado de trabalho, por exemplo, não é uma escolha apenas para permanecer ativo, mas uma necessidade de sobrevivência.
Uma pesquisa realizada em todas as capitais pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) com idosos acima de 60 anos, em 2016, mostra que mais de um terço (33,9%) dos idosos que já estão aposentados continuam exercendo alguma atividade profissional. Do total, a maioria (17%) é de trabalhadores autônomos, 10% fazem bicos, 2,1% representam trabalhadores liberais e funcionários da iniciativa privada, contudo, são apenas 1,7% do total.
(Arte: O DIA)
A decisão de seguir trabalhando a esta altura da vida está relacionada a vários fatores, mas um dos mais latentes continua ser a necessidade financeira. Buscar um complemento da renda na terceira fase da vida se torna indispensável, uma vez que a aposentadoria não é suficiente para pagar todas as contas. Sem oportunidade no mercado formal de trabalho, muitos idosos passam a ocupar postos de trabalho na informalidade. Às vezes, suscetíveis a altas cargas de trabalho incompatíveis com as condições físicas e até psicológicas do organismo.
Aposentadoria não é suficiente para manter necessidades básicas
Já era fim de tarde, quando João Rufino se recostou em um dos bancos da Praça do Liceu, no Centro de Teresina, para recobrar um pouco da energia após um logo dia de trabalho. O senhor de pele escura e olhar sereno não sabe precisar, de pronto, a idade quando perguntado. Ao que parece, desistiu de calcular o avançar do tempo, mas responde com um ano: “Eu nasci em junho de 1938”, deixando ao interlocutor a missão de descobrir que, neste ano, ele completará 80 anos.
As oito décadas de vida não foram suficientes para João alcançar um conforto na vida financeira e ele é um dos muitos trabalhadores que continuam a trabalhar mesmo após a aposentadoria. João trabalha como picolezeiro pelo Centro da Capital como forma de complementar a renda e sobreviver. Quando conseguiu se aposentar, há mais de uma década, fez um empréstimo para quitar dívidas antigas.
João Rufino
trabalha como
picolezeiro para
complementar a
renda e sobreviver. (Foto: Jailson Soares/O Dia)
“A aposentadoria vai quase toda para pagar esse empréstimo, então, tem que trabalhar para conseguir o resto”, explica. Sem família dependente, João exerce a atividade para o próprio sustento. No entanto, o trabalho que era para funcionar como uma espécie de complemento de renda passa a se tornar fonte indispensável. “Tem aluguel, água, luz, tudo para pagar. Não posso ficar parado e contar só com a aposentadoria”, relata.
A opção de ser vendedor autônomo foi uma saída já que a única função que aprendeu na vida foi a de operador de máquina de embarcações. Como picolezeiro, João ganha em cima da quantidade de produtos que consegue vender diariamente. Por isso, não há uma renda fixa. Enquanto a maioria dos teresinenses detesta o período mais quente do ano, o conhecido B-R-O-Bró, no segundo semestre, essa é a época mais aguardada para o trabalhador.
“No período quente, eu vendo mais, assim a renda fica melhor e até dá para guardar um pouquinho”, comenta. Sem plano de saúde, mas também afirmando ter uma “saúde de ferro”, o senhor faz trajetos de venda pelo Centro da Capital. “Não consigo ir muito longe como fazem os outros vendedores”, confessa. Quando perguntado quando pensa em diminuir a carga de trabalho, a expressão negativa expõe o cenário de vulnerabilidade financeira em que ele está inserido. “Não posso parar”, constata.
Trabalho como forma de manter a qualidade de vida
O trabalho também pode ser uma fonte de qualidade de vida quando associado ao prazer. Nesses casos, a ocupação laboral proporciona ao idoso a atividade física e mental, estimulando a movimentação do corpo e do cérebro. Essa realidade faz parte da vida de Agostinho Guimarães, de 73 anos.
O senhor Guimarães passou a vida se dedicando ao trabalho de motorista em transportadoras e ônibus. Com a dedicação laboral ao longo de mais de três décadas, criou e encaminhou os dois filhos, que hoje já não precisam ser sustentados pela renda do pai. Após a aposentadoria, para não ficar sem ocupação, Guimarães resolveu continuar trabalhando.
“Comprei um pequeno caminhão e, hoje em dia, faço trabalhos de forma autônoma para transportadoras. Eu não queria ficar em casa sem fazer nada, isso me ocupa e me estimula”, afirma. Apesar do trabalho ser, de certa forma, exigente com as condições físicas do corpo, Guimarães afirma não se desgastar com a atividade. “Trabalho de duas a três vezes por semana, consigo aumentar a renda e também me sentir mais útil”, comenta.
Após a aposentadoria, para não ficar sem ocupação, Guimarães resolveu continuar trabalhando. (Foto: Jailson Soares/O Dia)
O contexto de Guimarães, apesar de mais confortável, ainda não o tira do espectro do trabalho não formalizado, que é maioria entre os idosos. Mesmo com experiência na área de transporte, o senhor só conseguiu ficar na ativa após adquirir o próprio veículo para trabalho. “A gente vai levando a vida como pode, eu me orgulho muito de ter formado meus filhos, de viver uma vida mais confortável. Afinal, temos muito a fazer”, declara.
Como Guimarães, a pesquisa
do Serviço de Proteção ao Cré-
dito (SPC Brasil) e da Confederação
Nacional de Dirigentes
Lojistas (CNDL) com idosos
acima de 60 anos, mostra que,
nesta fase, as pessoas costumam,
sim, traçar sonhos e objetivos.
Os dados mostram que
89,0% dos idosos garantem
ter algum plano para os próximos
cinco anos, sendo que os
mais desejados são aproveitar
a vida ao lado da família e amigos
(47,3%), viajar pelo Brasil
(23,5%), reformar a casa pró-
pria (17,6%), deixar os filhos
bem financeiramente (16,9%)
e pagar as dívidas (16,6%). Otimistas,
69,2% dos entrevistados
esperam viver mais de 90 anos.
Mulheres continuam a contribuir com renda das famílias
A vida não segue receita ou trajetória contínua. Muitas vezes, situações que eram para acontecer apenas em determinado período continuam a se repetir ao largo do tempo esperado pela expectativa do senso comum. Um exemplo disso é imaginar que, na terceira idade, as pessoas já não terão responsabilidade financeira para sustentar a família – tendo feito isso ao longo da vida. O relato das feirantes Maria das Dores e Teresinha Silva pode se encaixar na realidade de milhares de pessoas que, mesmo na terceira idade, têm de continuar mantendo financeiramente parte da família.
Maria das Dores, de 70 anos,
na infância e juventude, trabalhou
na roça no interior do
Piauí. Ao mudar-se para Teresina,
o trabalho de feirante foi
responsável por dar renda para
sustentar a família de muitos
filhos e netos. Atualmente,
ela ainda contribui com o sustento
de dois filhos, que estão
desempregados, e dois netos,
com a aposentadoria rural e
o complemento conseguido
com a venda de frutas e verduras
no Centro da Capital.
“Faço tudo só e o que eu
tiro daqui vai todo para ajudar
a minha família. Crio ainda
os filhos desempregados e os
netos, que dependem do meu
trabalho para conseguir se virar
na vida”, relata.
Maria das Dores contribui com o sustento de dois filhos, que estão desempregados, e dois netos. (Foto: Jailson Soares/O Dia)
Realidade semelhante vive a feirante Teresinha. Também aposentada, ela continua a trabalhar para garantir a manutenção das próprias necessidades e de uma neta, que cria como se filha fosse. “A mãe dela não tinha condições e eu assumi. Hoje, ela já tem oitos anos e é a coisa mais preciosa que eu tenho na terra”, relata. A aposentadoria de Teresina é quase toda comprometida com um empréstimo que fez para pagar os custos do advogado que regularizou sua situação para poder se aposentar. “Foram R$ 8 mil, mas eu não tenho o que reclamar porque Deus tem me dado tudo que eu posso com meu trabalho e minha felicidade”, relata.
Teresinha destina quase toda sua aposentadoria para pagar um advogado que lhe ajudou. (Foto: Jailson Soares/O Dia)
Trabalhador da terceira idade tem os mesmos direitos
O direito do idoso é resguardado de diversas formas na Constituição. A lei nº 8842, a qual refere-se à Política Nacional do Idoso, ressalta que é papel das ações governamentais garantir mecanismos que impeçam a discriminação do idoso quanto a sua participação no mercado de trabalho. Neste quesito, o advogado Sebastião Rodrigues Junior ressalta a garantia desse e dos demais direitos referentes ao idoso.
O especialista faz as considerações baseado na vigência da Reforma Trabalhista, que versa sobre a relação de trabalho, seguridade social e previdenciária. “Após a aposentadoria, o cidadão pode estabelecer nova relação de trabalho com todas as garantias asseguradas, exceto quanto à questão previdenciária que, por já estar aposentado, não poderia mais ocorrer. Não há no nosso cenário atual nenhum estímulo em manter o cidadão aposentado na informalidade”, explica Sebastião.
O advogado ressalta que manter o trabalhador sem formalização do vínculo de emprego, ou seja, sem anotação da CTPS e demais obrigações legais, pode acarretar no pagamento de uma multa, que pode variar de R$ 800 (em caso de microempresa ou empresa de pequeno porte) a R$ 3 mil (demais empresas), por cada empregado. “Caso haja fiscalização do Ministério Público do Trabalho ou do Ministério do Trabalho, o empregador pode ser autuado e cobrado destas multas já na primeira visita fiscalizatória, não sendo necessária nem mesma a prévia notificação”, destaca.
O advogado Sebastião
Rodrigues Junior explica
a qual carga horária de
trabalho o idoso pode ser
submetido. (Foto: Arquivo Pessoal)
Mesmo ao chegar à idade de garantia da aposentadoria, o trabalhador pode continuar exercendo sua função dentro do vínculo empregatício. “É necessário lembrar ainda que a aposentadoria espontânea do empregado não extingue automaticamente o vínculo empregatício, uma vez que os efeitos da aposentadoria estão adstritos à relação jurídica de natureza previdenciária que o trabalhador mantém com o órgão previdenciário. Sendo assim, para que o contrato de trabalho seja extinto após a aposentadoria, faz-se necessário que qualquer das partes da relação trabalhista se manifeste em tal sentido”, considera. Sendo assim, o idoso tem total garantia de continuar formalizado no mercado de trabalho.
Em relação à
carga horária, é indicado que, entre
65 e 69 anos, a jornada seja de 40 horas
semanais. Após os 80 anos, é recomendado
uma média de 32 horas
semanais.
“O trabalhador qualificado e que dá
bons resultados é um trabalhador que
será útil e deverá ser devidamente valorado
no mercado independente de sua
idade”, finaliza Sebastião Rodrigues.
Curso oferta capacitação
tecnológica para idosos
Muitas vezes, a tecnologia cria um abismo entre idosos e situações do cotidiano, inclusive de trabalho. Interessados em se atualizar e aprender a usar um computador, uma opção é que esse público recorra a um curso específico, ou seja, voltado especialmente para as necessidades da terceira idade. No Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac-PI), o curso de Informática para a Maturidade visa dar resposta a esse tipo de situação.
Liana diz que cursos são adequados para as limitações dos idosos. (Foto: Jailson Soares/O Dia)
O curso permite ao participante o primeiro contato com o computador, fornecendo informações básicas de informática e conhecimentos para a navegação na internet, explorando os principais recursos de pesquisa e entretenimento. “São 90 horas em que o aluno vai ter oportunidade de lidar com todo esse universo da tecnologia. Atualmente, ofertamos aulas aos sábados pela manhã para possibilitar um horário alternativo que se encaixe na rotina. Nosso perfil são pessoas que estão fora do mercado de trabalho e procuram o Senac a procura de uma ocupação ou mesmo capacitação, porque não querem mais depender dos filhos para manusear o computador”, explica a supervisora do segmento de informática do Senac, Liana Carnib.
O curso tem um formato
especial, que reconhece as
limitações dos idosos e as dificuldades
de interagir com
as novas tecnologias. As aulas
apresentam desde os conceitos
básicos, como ligar e
desligar o computador, até
os conhecimentos um pouco
mais avançados para esse pú-
blico, como usar os softwares
do Windows (Word, Excel e
Power Point) e navegar pela
internet.