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Polarização política é reflexo de processo histórico conturbado

Característica singular nas eleições deste ano, a divisão entre o que é bom ou ruim enfraquece a ainda recente democracia do país

29/09/2018 08:17

Há pouco mais de 30 anos, o Brasil saia de um regime ditatorial para retomar um regime democrático em que, pela escolha majoritária e proporcional da população, novos representantes seriam escolhidos a cada quatro anos - em níveis municipais e federais. De hoje a oito dias, mais um ciclo deste processo democrático reiniciará e a população terá oportunidade de escolher seus representantes. Mas muito mais do que será consagrado ou ainda continuará indefinido no próximo dia 7 de outubro, o processo vivenciado pelo país põe em evidência uma realidade: o que favorece a polarização política tão presente nesta disputa eleitoral?

Para o professor doutor em Filosofia, Luizir de Oliveira, o processo histórico brasileiro entra na conta para encontrar as respostas dessa complexa equação política. O pesquisador ressalta a confusão entre espaço de discurso político e do discurso moral que se faz presente de forma clara nesta eleição. “A polarização confunde o ambiente do espaço de atuação da política e do espaço de atuação da moral. Estão misturando uma coisa com a outra, colocando um discurso da moral como se fosse moralizando as pessoas para resolver os problemas sociais, econômicos e políticos do país, mas o modo como se apresenta isso cria uma dificuldade ainda maior”, explica.


“A polarização confunde o ambiente do espaço de atuação da política e do espaço de atuação da moral", diz o professor Luizir de Oliveira (Foto: Jailson Soares/O Dia)

Para Luizir, os discursos que são passados seguem uma tônica de divisão entre o que é bom ou ruim. Um processo que não fortalece, mas enfraquece a ainda recente democracia do país. “Nós estamos na infância da democracia do Brasil e a democracia não é algo que você concede, ela tem que ser construída. Em um regime democrático, você tem que entender que todos e cada um são responsáveis por aquilo que vai acontecer e, hoje, estamos querendo achar culpados”, define.

Acirramento político é normal se for dentro de padrões democráticos, analisa cientista política

“Os ânimos estão acirrados e, realmente, desde 88, desde o início da nossa recém democracia, é uma das eleições mais disputadas, mas a intensidade faz desse período sui generis, mas não de extremismo”. A fala é da professora e cientista política, Barbara Johas, que analisa com cautela o período eleitoral vigente. Para ela, enquanto as regras do processo democrático estiverem sendo aceitas, é normal que os embates continuem a acontecer.

“Ver partidos na luta de disputar apoio popular de várias formas é normal, o problema para a democracia são alguns recursos que esses partidos têm se utilizado, como as fakenews, a violência, o discurso de ódio. A competição é boa quando dentro do padrão democrático de competição, diferentes projetos políticos se enfrentando, a sociedade discutindo esses projetos e qual será o melhor, mas quando outros recursos são utilizados, é perigoso”, insiste.


"O problema para a democracia são alguns recursos que alguns partidos têm se utilizado, como as fakenews, a violência, o discurso de ódio", afirma a cientista política Barbara Johas (Foto: Jailson Soares/O Dia)

No início do mês, uma publicação da Embaixada Alemã em Brasília repercutiu na internet. O órgão fez um vídeo educativo sobre os horrores do nazismo alemão e de como o país lida com este passado. A publicação virou alvo de ataques e contestações por parte de brasileiros, que acusaram o regime de ser de esquerda.

O fato também revela um forte aspecto deste pleito eleitoral em que as pessoas tentam identificar as vertentes de influência política que se colocam e, como na ocasião anterior, acabam caindo em erros grotescos.

“Somos marcados com o multipartidarismo muito grande e os partidos europeus não têm essa mesma conjuntura, por exemplo. A nossa fragmentação das ideologias políticas é grande: o que faz o DEM ser diferente do PSDB? É muito mais difícil fazer essa diferenciação. No Brasil, os partidos não têm uma clara e profunda ideologia, porque transitam muito”, esclarece ao complementar que os partidos apresentam maior inclinação para propostas, sejam elas de esquerda, direito ou centro, mas a separação das mesmas segue difícil de ser feita de forma simples.


"A competição é boa quando dentro do padrão democrático de competição, diferentes projetos políticos se enfrentando, a sociedade discutindo esses projetos e qual será o melhor, mas quando outros recursos são utilizados, é perigoso".


A pesquisadora ainda lembra que mesmo com os discursos em constate conflito, todo o resultado desse processo não virá apenas com a definição das urnas, mas, principalmente, da forma como os envolvidos neste cenário aceitarão os resultados colhidos.

“O grande resultado será como os vencedores e os vencidos vão lidar com o resultado da eleição. Isso nós vamos saber se estamos caminhando para uma estabilidade ou se vamos entrar em uma espiral de crise democrática”, alerta.

Respeitar as decisões, quando feitas de forma democrática, é essencial para que, mesmo em um ambiente de confronto político, as decisões reflitam as mudanças que esperam a sociedade.

Os rótulos

Um exemplo claro dos ânimos se dá no ambiente virtual. Em uma das redes sociais mais utilizadas no mundo, o Facebook, os usuários começam a se posicionar politicamente de diversas formas: fotos com imagens de apoio a políticos, declarações por escrito, conteúdos diariamente compartilhados e até uma filtragem de quem continua ou não na mesma rede de amigos.

Quase na mesma tônica, os movimentos que acontecem no ambiente cibernético se repetem na vida real. A disputa eleitoral tem, assim, colocado o eleitorado em uma polarização, onde discursos não só tentam se confrontar, mas sobrepor-se. “Estamos vivendo uma coisa perigosa que é você estabelecer rótulos sociais e querer grudar isso nas pessoas e elas, obrigatoriamente, têm que ser deste ou daquele jeito.

Assim estabelece-se o que significa ser homem, o que é ser mulher, o que é ser gay e por aí vai. As coisas não são assim. A gente está brincando de criança para ver quem é o dono da bola, contrários entre bem e mal, mas temos que dar conta desse processo”, explica em tom de alarme.

Intolerância

A análise que o pesquisador continua a fazer mostra que, ao assumir este tipo de embate, discursos que não poderiam ser aceitos acabam também construindo o jogo político. Assim, a intolerância a determinados setores é usada como modo de reforçar a separação entre o tido como bem e mal.

“As pessoas precisarão entender que não se trata de um maniqueísmo absoluto, que precisamos achar um bode expiatório,  ‘alguém que vou sacrificar’ e aniquilar aquilo como se magicamente as coisas fossem resolvidas. A democracia é um conjunto de pessoas, mas não importa só a figura do presidente, importa começar das bases, quem eu vou colocar como vereador da minha cidade, quem vou colocar no congresso. Estamos pecando pelo excesso e o conserto não está só colocar nas mãos de X ou Y a responsabilidade por tudo. Nós temos que respeitar as ideologias, mas não posso tolerar a intolerância; o intolerante não pode ser tolerado”, confirma.

Por: Glenda Uchôa - Jornal O Dia
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