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PPA: da ficção à proteção

Confira o texto publicado na coluna Piauí Presente no Jornal O Dia.

24/09/2019 08:54

Os governos estaduais e o governo federal estão finalizando a elaboração de seus PPAs – Planos Plurianuais 2020-2023 para submeter à apreciação do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas. No Piauí, na semana passada, aconteceram três dias de debate com representantes dos 12 Territórios de Desenvolvimento sobre os Programas e Ações do PPA. A iniciativa é importante, não só por promover a participação das sociedade, mas por reforçar o caráter institucional da Administração Pública.

É famosa a frase de Joaquim Nabuco, no Império: “nosso orçamento é uma peça de ficção”. Alguns continuam aplicando a frase a nossa prática orçamentária atual. É uma avaliação injusta. É verdade que para muitos municípios o orçamento é uma mera peça contábil para fins de prestação de contas junto aos TCEs. Mas, os municípios maiores, os Estados e a União já acumularam uma larga experiência nesse campo. E a tríade PPA-LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias)-LOA (Lei Orçamentária Anual), instituída pela Constituição de 1988, tem ajudado. Avançamos no aprimoramento dos procedimentos, na qualificação de pessoal e mesmo na mudança de mentalidade.

É verdade que estamos enfrentando uma crise multidimensional e profunda e que vai se tornando longa demais. Uma de suas dimensões é a crise fiscal de desequilíbrio entre receita e despesa; a dimensão econômica da crise reduz a arrecadação e a capacidade de investimento do setor público. Ambas afetam diretamente o sistema PPA-LDO-LOA.

Não podemos desconhecer a dimensão política da crise que expressa a disputa entre um projeto neoliberal de estado mínimo, que confere centralidade ao mercado e ao lucro-investimento (?) privado, de um lado, e um projeto progressista de estado social e indutor do desenvolvimento, de outro. O orçamento anual e plurianual é fundamental na estratégia desses projetos. O projeto neoliberal é o “lado Paulo Guedes” do atual Governo.

O mais grave, porém, é o “lado Bolsonaro” do novo governo, com seu estilo de espetacularização discursiva e de práticas arbitrárias em função de interesses ideológicos, de facção, familiares e claramente eleitorais. É a dimensão institucional-administrativa da crise.

É nesse contexto que a tríade PPA, LDO e LOA precisa ser “protegida” como instrumento institucional decisivo para consolidar no Brasil um estado moderno, democrático, e a serviço de um projeto social e nacional.

No sentido mais amplo, a crise institucional só será superada pelo resgate do equilíbrio entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. 

A fragmentação personalista do STF como instituição máxima da Judiciário e a quebra da hierarquia do Sistema pelo empoderamento excessivo de procuradores e juízes de primeira instância na Lava Jato são uma ameaça à legitimidade do Poder.

A escolha do Procurador Geral da República, desconhecendo uma lista votada pelos procuradores, é ilustrativa. O anúncio da escolha de futuros Ministros do STF “terrivelmente comprometidos” com a ideologia dos governantes, com certeza agravará o problema, pela ampliação do espaço do arbítrio pessoal do governante. Talvez agora a sociedade entenda melhor o que significa o republicanismo que se tentou praticar no Brasil nos governos anteriores.

O Legislativo tem feito um contraponto à desinstitucionalização promovida pelo Presidente, por exemplo, enfrentando o uso de decretos para matérias que são objeto de lei. Mas, continua insensível quando o assunto são os direitos sociais e reincide no corporativismo quando o assunto é legislação eleitoral. Ainda tem baixa legitimidade e não reverteu o sentimento antisistema e antipolítica de boa parte da população, que cria o caldo de cultura para o autoritarismo, que envolve a arbitrariedade presidencial.

O Executivo tem sido pródigo no enfraquecimento de seu caráter institucional, usando o combate a inimigos construídos, propositadamente de modo “politicamente incorreto”. O mais grave é que não estamos mais nos limites do discurso. As demissões e nomeações declaradamente arbitradas por interesses do Presidente em órgãos como a Receita Federal e a própria Policia Federal são esclarecedoras. O estímulo ao desmatamento na Amazônia e à invasão de terras indígenas ilustram o problema.

Quero destacar porém, uma dimensão da vida institucional que tem tudo a ver com o PPA: a dimensão administrativa. Melhor dizendo, a valorização do profissionalismo do serviço público e a continuidade de políticas públicas, investimentos e ações de médio prazo na transição entre os governos.

Parece que a atuação de boa parcela dos servidores públicos e o maior equilíbrio de alguns ministros tem ajudado a manter certo grau de racionalidade. A continuidade da transposição do Rio São Francisco e da Transnordestina apontam nessa direção.

Nos dias de debate sobre o PPA do Piauí, ficou evidente a importância da solidez do SUS como política pública. A atenção básica deverá inclusive ganhar uma fatia maior dos recursos. O papel dos técnicos da administração central e a cooperação federativa com estados e municípios são fundamentais. E a essa causa serve o PPA.

Na educação a mesma coisa, apesar da guerra contra as universidades e a produção científica. Os programas de alfabetização, do ensino médio profissional e sobretudo a transformação do FUNDEB em mecanismo permanente de financiamento da educação são promissores. A essa causa serve o PPA.

Uma área crucial para o planejamento plurianual é o sistema público de financiamento. Apesar da tentativa neoliberal radical de enfraquecimento do BB, da CEF e do BNDES, pode-se perceber alguns sinais de mais sensatez. Sobretudo no BNDES, ao priorizar infraestrutura e empréstimos a estados e municípios, embora embarque com força no financiamento das privatizações. Sem PPA, qualquer política na área de infraestrutura será limitada. As grande sobras exigem tempo e recursos assegurados por vários anos.

Fonte: Antonio José Medeiros - Sociólogo, professor aposentado da UFPI
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