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Repórter vive um dia de soldado para mostrar rotina militar

Glenda uchôa, repórter do jornal O DIA, foi soldado do 25º Batalhão de Caçadores durante um dia, e relata sua experiência.

15/04/2017 11:08

Olhei para o relógio de pulso, ainda na redação, e o ponteiro marcava exatamente 11h. “Falta meia hora”, pensei. O dia de atividades para viver, por um dia, a vida de um soldado do Exército, estava marcado para iniciar às 11h30 de uma terça-feira. Sabia, por leituras anteriores, que pontualidade era um dos lemas da vida no serviço militar e, por isso, a minha preocupação era aceitável. Pouco antes do horário marcado, estaria entrando pela porta principal do 25º Batalhão de Caçadores – Batalhão Alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco. Na mochila, algumas roupas e sapatos que eram, até então, tudo que eu sabia sobre o que precisaria para aquele dia. Seis horas depois, sairia dali não só com a bagagem que trouxera, mas com uma experiência que mochila nenhuma seria capaz de comportar.

Para lembrar o Dia do Exército Brasileiro, comemorado em 19 de abril, a repórter Glenda Uchôa passou um dia no 25º Batalhão de Caçadores e realizou atividades que são rotina entre militares (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

Ao lado de soldados, Glenda Uchôa correu e fez flexões (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

Aguardei na recepção do Batalhão por poucos minutos até que o tenente Damásio, designado para me acompanhar durante aquele dia, se apresentasse. A primeira ‘missão’ a ser superada foi a de vestir todo o fardamento oficial de um soldado. “Mas não é só uma roupa?”, fiquei me questionando no caminho enquanto ele me falara que uma oficial me ajudaria a concluir o processo. E não, não era apenas uma roupa. O uniforme é um dos principais símbolos que representam a profissão militar. A roupa solidifica a hierarquia e a disciplina indissociáveis à vida do corpo do Exército.

O sol, que permaneceu escondido durante todo o dia, ajudou a tornar menos difícil estar com as peças de pano grosso sobrepostas. Coturno, meias, calça, blusa, cinto, gandola e boina devidamente vestidos me fizeram ter a dimensão de que, sim, dali em diante, eu estaria ainda mais próxima das sensações que vivenciavam um soldado na sua rotina diária. 

Ao sair do alojamento e caminhar poucos metros, o som de passos em marcha e vozes uníssonas, que seriam uma constante durante o dia, foram ficando cada vez mais próximos. Vi se aproximar de mim um dos seis batalhões dos jovens que, atualmente, preparam-se para o serviço militar dentro do 25º BC. Ao todo, 216 jovens começaram a formação de soldado que durará um ano, entre os muros do quartel.

A marcha, o fardamento uniforme e as palavras de ordem ditas durante todo o percurso faziam do grupo, de cerca de 30 jovens, quase uma réplica um dos outros. Juntos, as peculiaridades de cada um dão lugar à homogeneidade assimilada em cada batalhão.

Militar explica como funciona armamento para repórter (Foto: Jailson Soares / O DIA)

O rancho

Chegamos, eu e eles, no mesmo ponto, ‘o rancho’, como é chamado o refeitório. Antes de adentrar ao grande salão cheio de mesas e cadeiras, os soldados executam uma oração em tom de grito de guerra. Senti que o som poderia chegar ao último milímetro do espaço mais distante dali, tamanha era a vivacidade com que as palavras eram repetidas. Nessa hora, senti um pequeno arrepio percorrer o braço. No Exército, tudo é muito intenso. Após percorrer a fila para poder me servir da comida, dividi a mesa com outros cinco soldados. A timidez também acompanhou a refeição e as poucas perguntas feitas eram respondidas com objetividade, talvez pela falta de familiaridade que significava ter uma mulher sentada à mesa em um ambiente que sempre foi predominantemente masculino.

Todos eles vindos de cidade do interior do Piauí mostravam o recorte perfeito do perfil que, hoje, compõe o serviço militar: jovens de baixa renda que buscam oportunidade de qualificação e fonte de renda para iniciar a vida adulta.

Ao longo do dia, sempre acompanhada pelo tenente Damásio e em conversas tidas com diferentes pessoas, muito mais que ouvir sobre a necessidade de seguir regras, respeito e disciplina dentro da vida militar, é fácil perceber nos grandes e pequenos detalhes a essência da vida militar. Cada vez que um superior cruzava o caminho, de forma instantânea, os novos recrutas levantavam e prestavam continência.

Legalmente, as mulheres estão isentas do Serviço Militar Obrigatório, na forma prevista pela Constituição (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

Aula de armamento

Rigidez cobrada não só no modo de se portar no convívio interpessoal, mas também durante as atividades. E a próxima atividade do dia foi aprender a montar e desmontar um fuzil, o FN FAL (fuzil automático leve), que é usado pelos profissionais em situações de confronto. 

A arma sem o cartucho carregado pesa em torno de quatro quilos e, mesmo concentrada, entender o nome e a funcionalidade de cada item do objeto foi, literalmente, uma prova de fogo. Os soldados recém ingressados na corporação visivelmente tinham uma desenvoltura muito superior. Para eles, a arma que há pouco havia sido apresentada em suas vidas já era uma amiga de missão, mas, para mim, o objeto parecia tão assustador quanto complicado.

As múltiplas atividades e obrigações fizeram com que as horas se perdessem em sua própria velocidade. O dia parece passar rápido dentro da rotina militar. E, logo depois da aula de armamento, ainda me dedicaria a praticar a marcha, entender sobre vestimentas de guerra e a estrutura que compõe todo o quartel.

De recruta a soldado, preparação dura um ano (Fotos: Jailson Soares / O DIA)

Teste Físico

As pernas já pesavam ao fim do dia, quando o tenente Damásio me lembrou que iríamos para a última atividade daquele dia: o teste físico. Todos os dias pela manhã, os soldados fazem atividades físicas para manter a forma essencial para a vida de um militar. Como cheguei tarde ao quartel, a atividade foi realizada ao fim do dia.

Uma corrida de algumas centenas de metros e flexões foram necessárias para levar minhas últimas doses de fôlego daquele dia. Mesmo cansada, o sentimento era de recompensa. 

O dia que me proporcionou entender um pequeno recorte do que acontece na vida de um soldado foi muito maior que o cumprimento de algumas atividades. Observar de perto o serviço militar me fez ter a certeza que, muito mais que fardas, armamentos e obediência, há pessoas que sonham em conjunto. Há esperança nutrida para a transformação na vida de cada soldado, de cada família e, principalmente, para o país. 


A íntegra desta reportagem pode ser lida na edição deste fim de semana do jornal O DIA.

Fonte: Jornal O DIA
Por: Glenda Uchôa
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