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Tratamento Música é aliada na recuperação motora e cognitiva de pacientes

A musicoterapia potencializa as habilidades dos pacientes e reduz os danos causados por alterações ou deficiência

18/05/2019 08:31

Quando alguém decide, quase que involuntariamente, colocar o fone de ouvido ou ligar o som do carro para ouvir uma música a caminho do trabalho, além de querer passar o tempo, está inconscientemente querendo melhorar seu estado de espírito. A música tem esse poder.

Como algo que é contagioso, ela transfere sentimentos através dos seus elementos: melodia, harmonia e ritmo. Mas não é só isso. Do ponto de vista médico, a música é aliada na recuperação de pacientes com dificuldades motoras e cognitivas. O campo que trata e reabilita problemas de saúde por meio da música é denominado de musicoterapia.

Ela envolve, segundo a musicoterapeuta Nydia do Rêgo, a utilização de experiências musicais resultantes do encontro entre o profissional e as pessoas assistidas. A musicoterapia só pode ser aplicada por profissionais com especialização e formação reconhecida pelo MEC, com registro em seu órgão de representação, no caso do Piauí, o AMTPI.

Nydia do Rêgo explica que a musicoterapia potencializa as habilidades dos pacientes e reduz os danos causados por alterações ou deficiência do sistema motor ou cognitivo, adquiridos ou resultantes de alguma patologia. “Os benefícios são inúmeros. Tanto nas áreas cognitiva, emocional, motora, linguagem e social. Na prevenção também. Sempre tem objetivos terapêuticos estabelecidos pelo profissional musicoterapeuta. Antes de iniciar o processo terapêutico é feita avaliação, entrevista e testificação”, pontua.

Em Teresina, um dos lugares que oferece a musicoterapia como tratamento alternativo é o Centro Integrado de Reabilitação (Ceir). A instituição é referência no serviço de assistência a deficientes e pacientes em reabilitação. Somente em 2018, foram realizados 207.231 atendimentos, uma média de 2.917 pacientes por mês. A metodologia de musicoterapia que o Ceir aplica hoje é baseada nos procedimentos da Associação de Assistência à Criança Deficiente - AACD São Paulo.

“São vários procedimentos aqui dentro da instituição. A musicoterapia está presente desde o início, em 2008. A gente se baseou inicialmente pelos procedimentos da AACD em São Paulo. Antes mesmo do Ceir está pronto, a gente estava treinando sobre os processos que seriam adotados. Lá só tinha a musicoterapia individual ou em dupla. Conforme a gente foi percebendo a demanda no Piauí, fomos sugerindo a instituição para se adequar”, diz Nydia.

Técnica auxilia em casos de AVC à reabilitação intelectual

Os musicoterapeutas trabalham métodos ou técnicas ativas onde o paciente toca instrumentos musicais, canta, dança e compõe. No Ceir, por exemplo, há atendimentos individuais para todas as idades e ainda encontros coletivos. A necessidade dos grupos surgiu, em um primeiro momento, a partir da demanda de mães com bebês que tinham necessidade de estimulação precoce para um pleno desenvolvimento psiconeuromotor.

Mais tarde, também se criou grupos de crianças em idade escolar, onde a musicoterapia contribuía na questão da socialização. Atualmente, no Ceir, a musicoterapia também é trabalhada em grupo através da Banda Tocando em Frente e dos encontros com pacientes acometidos por Mal de Parkinson.

A musicoterapeuta Nydia do Rêgo conta que o primeiro foi pensado para trabalhar a socialização e a inclusão de pessoas de 18 a 85 anos. Já o segundo, o Parkinson, surgiu de uma demanda crescente de pacientes que precisavam de estímulos neurológicos proporcionados pela música.

A musicoterapêuta Nydia do Rêgo explica o tratamento multidisciplinar, que funciona para vários quadros clínicos, sendo os mais comuns paralisia cerebral, mielomeningocele, lesão cefálica adquirida, lesão medular, casos de AVC, entre outros (Fotos: Assis Fernandes/ODIA)

“Na banda, acontece uma troca, eles se colocam no lugar do outro, deixam de olhar só para sua dificuldade. É também um trabalho de inclusão porque esse grupo se apresenta, eles já tocaram em teatros, praças e em eventos. O Parkinson é uma demanda que começou aparecer bastante. Esses pacientes precisam de estímulos de ritmos e de movimentos e a musicoterapia trabalha todos os elementos da música, como a dança e a vibração. A gente criou esse grupo com o aval do neurologista do Ceir, Dr. Kelson James”, pontua Nydia.

A musicoterapia funciona para vários quadros clínicos. Os mais comuns, de acordo com Nydia, são os de paralisia cerebral, mielomeningocele, lesão cefálica adquirida, lesão medular, casos de AVC, deficiências auditivas e visuais, tumores ou traumatismos, além de doenças neuromusculares ou degenerativas, onde se perde a força.

Nos últimos anos, além da reabilitação física, o Ceir também direciona a musicoterapia para casos de reabilitação intelectual, onde se enquadraram diagnósticos de autismo, deficiência intelectual e síndrome de down. Os procedimentos que envolvem técnica fazem parte de um tratamento multidisciplinar. O paciente é acompanhado por um grupo de profissionais de diversas áreas e chega até a musicoterapia, normalmente, encaminhado por algum especialista.

No prontuário de cada paciente há os exames, avaliações e observações de cada profissional, seja médico ou terapeuta, que juntos vão conduzindo a reabilitação, levando em consideração um objetivo terapêutico em comum. A cada três meses, esse relatório é revisto e os avanços mensurados.



Soltando a voz

As terças-feiras são dias especiais para os pacientes de musicoterapia atendidos pelo Ceir. É o momento pelo qual eles esperam durante dias. É ali, em uma sala repleta de instrumentos, que todos se encontram para colocar suas dificuldades de lado e entrarem, juntos, na mesma sintonia. Nos ensaios da Banda Tocando em Frente, a união faz o som. Cada integrante contribui à sua maneira, enquanto descobre seu potencial.

Raimundo Francisco Freitas, de 64 anos, é um dos mais animados da turma. Minutos antes de o ensaio começar, ele distribuía sorrisos e aguardava inquieto as orientações da musicoterapeuta. Ansiedade natural de um começo. Em sua segunda aula, ele ainda estava descobrindo como as técnicas ali passadas poderiam ajudá-lo a se recuperar de um AVC sofrido no ano passado. “Minha primeira aula foi muito boa, eu aprendi uma música do John Lennon. Sigo animado. Tenho que está animado todo dia”, disse.

Raimundo chegou até a musicoterapia por indicação de um médico. Logo na primeira aula, pegou o microfone para soltar a voz. A expectativa para a segunda aula era de cantar novamente junto à banda, isso porque ele já sabia o efeito que aquilo lhe causaria. Quando a aula começou, assim o fez. “A gente se sente leve, se sente melhor, melhora o relacionamento. Além de relaxar, você vai adquirindo aquela força de vontade e esquece o seu problema”, destaca. 

Naquele dia, Raimundo Francisco Freitas não cantou John Lennon. Ele puxou o coro de “É preciso saber viver”, canção eternizada por Roberto Carlos. Disposto a superar suas limitações, entoou com força e junto ao grupo: “Toda pedra do caminho você pode retirar”. Ali, naquele momento, ficou claro para cada pessoa presente na sala que eles viam na música uma forma de encarar melhor seus diagnósticos.


Sem perder o compasso

Em um dos lugares da roda de pacientes, enquanto os instrumentos eram tocados, estava Manoel Sabino, ou como ele prefere ser chamado, Fábio, seu nome artístico. A intimidade com o teclado não é algo recente. Antes de enfrentar um tumor no cérebro em 2014 e ficar internado por cinco meses, ele vivia da música. Talvez por isso ela seja tão importante no seu processo de recuperação. 

“Quando ele chegou aqui ao Ceir, encaminhado pelo médico, ele não segurava o tórax. Ficava sentado, mas todo enrolado. Com o tratamento de fisioterapia, ele começou a segurar o tórax, passamos nove meses fazendo a fisioterapia. Quando ele ganhou alta da fisioterapia, descobri a musicoterapia, há cerca de dois anos. Hoje, quando chega o dia da aula, ele já fica animado”, comenta Ormandina Araújo, esposa de Fábio, que o acompanha nos encontros. 

Desde a hora que para frente ao teclado até o fim da aula, ele não descansa os dedos. Toca todas as notas e acompanha qualquer música sugerida. O que impressiona em Fábio, além da sua empolgação, é a melhora no seu quadro clinico. Diferente da época quando chegou, hoje ele se mostra bem mais independente e autônomo nos seus movimentos, conseguindo, inclusive, manter sua postura sozinho. 

Os benefícios da musicoterapia, no caso de Fábio, são tão positivos que Ormandina também o põem em contato com a música em casa. “Ele toca teclado em casa também. Se ele não tivesse o acompanhamento, ele ficaria muito tempo dormindo. Com a música, ele fica desperto, atento. É algo muito bom para quem, assim como ele, está com problemas neurológicos”, conta ela.



Seguindo o ritmo

Movimentos repetitivos, para alguém que tem limitações, é uma conquista. É por isso que Alceste Maria, de 58 anos, gosta tanto de tocar chocalho. Sua dedicação ao instrumento é responsável por adicionar ritmo à mistura de som formada pela banda. Ela se diverte, retoma seus movimentos e o grupo como um todo ganha em termos de sintonia.

Alceste se sente em casa no Ceir. Vai acompanhada do esposo ou dos filhos, mas sempre que chega, transita sozinha pelos espaços já conhecidos e tão presentes nas suas rotinas. Lá, há três anos, ela conheceu a musicoterapia e, desde então, não deixou mais de fazer. Antes ela era atendida de forma individual, mas hoje já assiste às aulas em grupo. “Agora em grupo, eu me sinto realizada, porque ganhamos autoestima e calor humano”, justifica. 

Antes da reabilitação através da música, Alceste tinha dificuldades de caminhar e limitações de movimento. Foi em contato com os vários instrumentos da musicoterapia que ela desenvolveu sua capacidade motora. “Eu não caminhava direito, não subia escada, aprendi a me virar e deixei o andador. A musicoterapia e a arterapia são coisas que têm me ajudado muito com os movimentos, porque têm dias que estou atrofiada e, com a aula, melhoro”, conta.

Enquanto toca seu chocalho, Alceste divide com os demais algumas mensagens de motivação junto à musicoterapeuta. Entre as músicas, eles conversam e falam sobre suas dificuldades e, assim, dando forças uns aos outros. “Confio na equipe e em todo mundo aqui. No dia que chego triste, eu recebo uma palavra de estímulo e de força”, revela. 


Quem dança seus males espanta 

Toda grande banda tem bons músicos e também bons dançarinos. Na Banda Tocando em Frente, do Ceir, Thiago Bruno Silva, de 27 anos, é quem puxa os passos. A música tem tanto efeito sobre ele que somente ficar parado tocando um instrumento não é o suficiente. A descarga de energia e empolgação é descarregada em movimentos ritmados e alinhados com o som do grupo. 

A alegria de Thiago em dias de musicoterapia é contagiante. Basta ele chegar para todos sintonizarem na sua frequência. Comunicativo, faz questão de interagir com todos, desde a equipe do Ceir até os colegas de banda. Durante a aula, quando nota alguém mais quieto, logo convida pela mão para o meio da roda. É como se Thiago quisesse transmitir ao outro o que vibra dentro de si. 

A empolgação chama atenção até mesmo da mãe, Rosa Conceição, que atesta que a música, hoje, para Thiago é uma paixão. “Ele faz musicoterapia desde que começou aqui no Ceir. Com as outras fisioterapias, ele foi ganhando autonomia e foi recebendo alta, mas aqui ele continua, não deixa. Música é o que ele ama. É o parceiro de dança da professora. Sempre chama alguém pra dançar”, comenta.

Quem vê Thiago hoje, durante a musicoterapia, custa acreditar que ele já teve dificuldades nos movimentos. Rosa Conceição conta que uma das maiores conquistas dele foi o equilíbrio. Disso ninguém dúvida, os movimentos sincronizados confirmam bem. Para ele, cada música é uma dança nova e uma nova oportunidade de se aprender.


Edição: Virgiane Passos
Por: Yuri Ribeiro - Jornal O Dia
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