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Após protestos, Doria confirma recuo de 'ração' na merenda escolar

Decisão, entretanto, só afeta a distribuição nas escolas municipais. Prefeitura segue com proposta de entregar a farinata à população de rua atendida nos abrigos.

25/10/2017 18:19

O prefeito João Doria confirmou nesta quarta-feira (25) que vai recuar, ao menos momentaneamente, na ideia de distribuir o granulado feito a partir de alimentos próximos do vencimento na merenda escolar da rede municipal de ensino.

A medida, entretanto, não afeta a entrega do composto à população em situação de rua.

“A decisão da Prefeitura em relação a esse tema é aguardar. Nós não queremos transformar isso em uma polêmica interminável. Há sempre um cuidado muito grande da Prefeitura, seja na área da educação, seja na área de assistência social. Nós estamos avaliando com cuidado, mas não haverá nenhuma decisão para que a farinata seja distribuída neste momento”, disse o tucano.

O prefeito usou a palavra “recuo” para definir a opção da Prefeitura. “Nós recuamos taticamente e também explicitamente para termos total segurança em relação a esse projeto. Então, no momento, ela não será mais distribuída na merenda escolar”, reforçou.

De acordo com a Prefeitura, os alimentos in natura continuarão sendo distribuídos nos centros de acolhida da rede municipal. O granulado, batizado de “alimento”, seria, então, utilizado apenas nos casos mais críticos, em quadros de desnutrição, como uma espécie de suplemento alimentar. Para isso, o próximo passo da gestão Doria, que ainda não tem prazo para ocorrer, será mapear a população da capital em situação mais vulnerável.

O tucano ressaltou, no entanto, que tem confiança no granulado, até porque foi indicado, segundo ele, pela Cúria Metropolitana. “O produto é bom. Quero mencionar que qualitativamente o produto é bom”, disse. “Vamos agir com mais cautela do que já normalmente teríamos”, completou.

Vai e vem

A mudança de discurso já tinha sido anunciada por Doria na última quinta (19). Na ocasião, ele disse que "não estava decidido" sobre a distribuição do produto nas escolas.

A declaração foi dada em Goiânia, onde o prefeito cumpria agenda política, menos de um dia após a Prefeitura realizar coletiva de imprensa justamente para anunciar que o produto seria incorporado à merenda ainda em outubro.

Na mesma data, a Prefeitura afirmou, em nota, que "a eventual distribuição do composto alimentar do programa denominado Alimento para Todos, no formato de farinata, será de atribuição, principalmente, dos serviços municipais de assistência social. A farinata poderá ser utilizada para produção de pães, bolos, sopas e outras formas de preparo."

Investigações

O Ministério Público de São Paulo abriu procedimento de acompanhamento de política pública para investigar o granulado.

Segundo o promotor de Direitos Humanos José Carlos Bonilha, o procedimento tem caráter investigativo. "É preciso que a gente compreenda melhor o que está acontecendo. Vamos oficiar a prefeitura para explicar no que consiste a alimentação. Se tem ou não valor nutricional. Um laudo pericial também será necessário para atestar o valor nutricional desse alimento", disse.

Em nota, a Prefeitura afirma que "todas as informações solicitadas pelo Ministério Público ou qualquer outro órgão de controle acerca da política de combate ao desperdício de alimentos serão prontamente fornecidas."

Para Bonilha, o alimento pode até ter algum benefício e, por isso, não instaurou uma ação. A promotoria de direitos humanos só vai avaliar a segurança alimentar. Questões relacionadas à improbidade administrativa devem ser avaliadas pela promotoria de patrimônio.

A Prefeitura classifica o produto como um "suplemento alimentar" – e já chegou a compará-lo ao whey protein (proteína do leite comumente usada por praticantes de musculação).

De acordo com a Plataforma Sinergia, responsável pela fabricação, ele mantém as mesmas propriedades nutricionais dos alimentos in natura, além de prorrogar a vida útil deles em dois anos.

Ate agora, porém, a Prefeitura e a empresa não deram detalhes sobre o caminho a ser percorrido pelo granulado até chegar aos destinatários. Também não há informações sobre a produção e se há autorização da vigilância sanitária municipal.

A falta de transparência fez com que a Câmara Municipal aprovasse um requerimento cobrando explicações da gestão municipal, e convocando os secretários para uma audiência pública sobre o tema.

Produção cara e demorada

O granulado é feito com processo de liofilização, ou seja, de desidratação dos alimentos. Carmen Cecília Tardini, professora da Universidade de São Paulo (USP), explicou que a água existente em frutas e verduras, por exemplo, é completamente retirada do alimento.

A fruta, então, é congelada em um congelador especial e depois vai para uma máquina conhecida como liofilizador, onde fica durante 16 horas e sai desidratada. A pesquisadora explica que esse processo mantém todos os nutrientes, mas "é caro e também demora muito para ser produzido".

O Conselho Regional de Nutrição já se manifestou contrário à política anunciada pela Prefeitura. Em nota, a entidade afirmou que o granulado "contraria os princípios do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA), bem como do Guia alimentar para a população brasileira, em total desrespeito aos avanços obtidos nas últimas décadas no campo da segurança alimentar e no que tange as políticas públicas sobre as ações de combate à fome e desnutrição".

O arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, por sua vez, defende o alimento. "Espero que não se politize a questão porque quem acaba prejudicado é o pobre, é o faminto", disse.

Conselho de Segurança

O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) solicitou à prefeitura de São Paulo documentos oficiais e técnicos sobre o projeto do alimento granulado.

"O Guia Alimentar, publicação oficial do Ministério da Saúde com as diretrizes sobre alimentação saudável, enfatiza que a dimensão cultural e social da alimentação é fundamental para o exercício e expressão da cidadania de todas e todos e recomenda que os alimentos in natura ou minimamente processados sejam a base da alimentação de brasileiros e brasileiras", diz o Consea.

Fonte: G1
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