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Especialistas apontam dependência do país a instituições financeiras

ODIA ouviu estudiosos para comentar situação do país no dia da "Independência",

07/09/2017 07:56

Em 7 de setembro de 1822, D. Pedro I declarou a Independência do Brasil da Coroa Portuguesa. Passados 195 anos, a discussão atual sobre independência do povo brasileiro passa pelo modelo de país pensado pelo governo e a repercussão dele para a sociedade. Na avaliação de especialistas ouvidos por O DIA, se naquela época o país se livrou da obrigação de cumprir fielmente as decisões da Coroa de Portugal, hoje a dependência do país ao mercado financeiro é grande e influencia diretamente na vida do cidadão brasileiro. 

Para o professor de Economia Política da Universidade Federal do Piauí, Eduardo Oliveira, é difícil falar em independência do Brasil num contexto em que a política desenvolvida no país é submetida a imposições de instituições financeira internacionais. Ele argumenta que enquanto gastos com educação, saúde e segurança são contidos, pagamento de juros que privilegiam instituições financeiras são intactos. “O Estado atua com políticas de favorecimento a instituições privadas que atuam, sobretudo, na instância financeira. Basta listar as empresas mais lucrativas no Brasil nos últimos anos e veremos que metade delas são instituições financeiras”, diz ele, acrescentando que a realidade brasileira se resume em um quadro de total dependência do capital externo. 

Para o historiador Francisco Alves, o Governo Federal tem avançado com uma plataforma neoliberal que prioriza o repasse de serviços públicos para o setor privado. Segundo ele, as privatizações de empresas públicas, a disponibilização de serviços e bens públicos para concessões, as parcerias público-privadas, a decisão do Governo Federal e do Congresso Nacional em estipular um teto de gastos públicos no setor primário levam a diminuição do Estado e coloca no setor privado no centro da sociedade. “Há uma política de falência de empresas públicas para passar a sociedade que não há condições de mantê-las e repassar setores importantes ao capital privado. Interessante que os representantes do setor privado sempre são próximos de grupos políticos. Estamos vendo isso hoje. Em tese, a grande parte da população é prejudicada, enquanto pouquíssimos são beneficiados”, diz ele. 

Para o deputado federal Assis Carvalho (PT), na data da independência, é lamentável que o Brasil tenha sido administrado por tantos anos por quem deseja que o Estado sirva apenas para alguns, deixando de fora quem mais precisa de políticas púbicas. “No modelo atual, o Estado tem sido para poucos, para um terço dos brasileiros. Dois terços que não tem acesso podem voltar a miséria. Mas a independência é símbolo de liberdade e precisamos refletir e lutar para que todos tenham acesso à educação, alimentos, liberdades e colocar o país para os brasileiros”, pontua ele. 

Assis Carvalho diz ser lamentável que o país tenha sido administrado sem priorizar os mais pobres (Foto: Jaílson Soares/ O Dia)

Já em relação às privatizações, o deputado federal Mainha (PP), cita que é importante analisar caso a caso. Em regra geral, para ele, empresas repassadas ao setor privado são mais eficientes, mas há setores em que o governo jamais deve abrir mão, como é o caso de empresas públicas que fazem investimentos essenciais e atuam com grande viés social, como a Caixa. “Na telefonia o governo acertou. É preciso olhar pra eficiência sem questões ideológicas ideologia. Se ficar no discurso direita e esquerda cria um radicalismo ruim para todos”, pontua. 

Brasil não elaborou política de independência e não priorizou áreas estratégicas 

A falta de um projeto de nação independente e de priorização de áreas estratégicas do Estado são identificados como por fontes ouvidas por O DIA para discutir a questão da independência do país atualmente e a agenda neoliberal colocada em prática pelas últimas medidas do Governo Federal. Para o deputado federal Rodrigo Martins (PSB) o Brasil cometeu erros no passado ao permitir que o Estado tenha ficado grande, inchado, e ao mesmo tempo não ter priorizado o desenvolvimento de áreas estratégicas. 

“As nossas maiores empresas que davam orgulho para o país sofreram com a falta de controle. A Petrobras, por exemplo, foi assaltada por governos que passaram por lá. Não estou defendendo a privatização, sou contra a privatização em áreas essenciais, mas critico a falta de controle do Estado. Não adianta ter um estado grande e ineficiente. Não que ele tem que ser um Estado mínimo, mas hoje não funciona saúde, educação e segurança pública”, diz o parlamentar, acrescentando que avalia como um erro a privatização do setor energético que é tão essencial para o país. “É temerário privatizar algo tão importante”, pontua Rodrigo Martins. 

O professor de economia da UFPI, Eduardo Oliveira, também cita que a falta de investimentos em áreas importantes causou ao Brasil um quadro total de dependência dos recursos estrangeiros na economia. “Não elaboramos, na prática, um projeto de nação independente, que fortaleça nossa indústria interna. Sem citar a dependência do capital externo que entra no país via taxa de juros, que não necessariamente é produtiva, ou seja, não gera emprego e renda, apenas se multiplica via especulação e juros”, disse ele. 

Economista Eduardo Oliveira diz que faltou investimentos em áreas importantes do setor público (Foto: Elias Fontenele/ O Dia)

Para o professor, é preciso entender que economia não se limita a números. “Do que adianta equilibrar contas, bater metas de inflação, mas com seres humanos tentando sobreviver em situações precárias, sem emprego, renda e perspectiva de futuro. Afinal o Estado é para quem?”, questiona Eduardo Oliveira. 

“Brasil precisa se desamarrar de paradigmas que impedem o crescimento da receita” 

Privatizações, concessões e parcerias público-privadas são termos cada vez mais presentes na gestão dos governos federal, estadual e municipais. Se por um lado elas são apresentadas como uma solução para a falta de capacidade do poder público manter serviços e equipamentos e promover investimentos, para os críticos eles surgem da intenção de governos em diminuir a presença do Estado e repassar ao capital privado responsabilidade. No entanto, há serviços que não podem ser repassados a iniciativa privada. 

Ao O DIA, a advogada Maíra Barreto, presidente da Comissão de Parcerias na Administração Pública da OAB-Piauí, afirmou que o Brasil precisa se desamarrar de paradigmas que impedem o crescimento da arrecadação financeira e o aumento de parcerias é essencial para melhorar a capacidade do Estado obter recursos via arrecadação, inclusive para manter os serviços sociais. Ela argumenta que a iniciativa privada tem maior capacidade de gestão, controle sobre pessoal, com gastos com custeio e a União do poder público com o setor privado promove benefícios a toda população. 

No entanto, ela explica que há serviços que não podem ser repassados ao controle da iniciativa privada. “Ações de segurança pública voltadas para a investigação e segurança ostensiva, administração de funcionários públicos, a arrecadação tributária estão entre os itens que a própria Constituição estabelece que não pode ser delegado a iniciativa privada. O Poder Público tem que ter total controle”, explica ela. 

Maíra Barreto explica que na privatização, empresas públicas são vendidas para a iniciativa privada, mas mesmo assim os serviços continuam sendo públicos e cabe ao Estado fazer o controle e regulação. Já na concessão, ela explica que serviços e bens são “emprestados” para a iniciativa privada e ao final do uso, os bens devem voltar para o Estado. “Já na Parceria Público-Privada, duas pessoas constroem uma roupa e cada um faz uso dela até ter a volta do que cada uma investiu”, explica ela, acrescentando que todas as áreas podem ser envolvidas nas parcerias. 

"Mercado avança sobre serviços públicos e Estado se desresponsabiliza do cidadão" 

A carga tributária brasileira alcança 35% do Produto Interno Bruto do Brasil. No entanto, além de pagar impostos, naturalmente quando obtém a possibilidade financeira, o cidadão brasileiro para usufruir de serviços com mais qualidade, recorre a escolas particulares para educação dos filhos, a planos de saúde para fugir do Sistema Único de Saúde (Sus) e já começa a aumentar os investimentos com segurança, além da previdência particular. 

Com este cenário, o sociólogo Francisco Mesquita, da Universidade Federal do Piauí, explica que a falta de investimentos públicos em áreas essenciais faz com que o setor privado (Mercado) avance sobre a sociedade e faz com que o Estado se desresponsabilize dos cidadãos. “O problema no Estado o cidadão tem direito ao serviço, ele deve cobrar. No mercado a lógica é diferente. A lógica do mercado e do capitalismo é obter lucro, não é cumprir função social. O cidadão tem direito porque está comprando, mas precisa de dinheiro”, diz ele, acrescentando que nem capacidade de regular o Estado possui atualmente, exemplificando com casos da telefonia brasileira, onde as empresas que prestam o serviço são campeãs de reclamações. 

Para Francisco Mesquista, questões políticas prejudicam a população (Foto: Elias Fontenele/ O Dia)

Na avaliação de Francisco Mesquita, não é falta de capacidade financeira e gerencial que fazem o Estado não atender de modo qualificado a demanda da popula- ção em setores estratégicos, mas sim questões políticas e ideológicas prioritárias do governo. “Assim, o governo joga a prestação do serviço para área privada, que comercializa os serviços visando o lucro e o cidadão fica dependente do mercado e não do Estado”, argumenta Mesquita. 

O especialista ainda contextualiza o cenário lembrando que o governo atual tem demonstrado disposição para aprovar medidas neoliberais, ainda mais fortes do que as do final da década de 1990, quando a falta de investimentos em áreas sociais fez o mercado avançar nas áreas de educação, saúde, habitação, assistência social, entre outras.

Por: João Magalhães
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