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"Poder é algo a ser descoberto pelas mulheres", dia Márcia Tiburi

Filósofa deu entrevista exclusiva para o Jornal O DIA e falou sobre a importância do Dia das Mulheres.

08/03/2016 09:39

Escritora, doutora em filosofia, professora, mãe e feminista, Márcia Tiburi faz ecoar no país a voz das mulheres invisibilizadas ao longo da história e que ainda hoje lutam pelo direito de decidir sobre seus corpos e suas escolas. Confira a entrevista:

Têm-se falado muito em empoderamento feminino, sobretudo como sinônimo das mulheres que ocupam cargos institucionais de poder, como as mulheres senadoras, deputadas, presidente da república. Você percebe uma confusão nesse sentido, do que significa empoderamento feminino? 

O próprio conceito de empoderamento é um conceito que vem sendo muito usado pelos feminismos e, também, por outras vertentes de pensamento e de ativismo, e claro há algo importante, valioso e de válido nesse conceito, porque numa sociedade em que o poder fica nas mãos de alguns donos, digamos assim, pensar em empoderamento remete uma ideia de que o poder está sendo compartilhado. Ao mesmo tempo, no campo do feminismo, essa palavra nem sempre é vista com bons olhos, porque as mulheres, ou as feministas melhor dizendo, quando se relacionam com o poder, esperam outras formas de poder, outras formas às vezes tão diferentes que chamar de poder já é uma expressão, já é um erro epistemológico. Neste caso, eu acho que existem duas coisas interessantes. De um lado você ver que essa ideia de empoderamento não é muito ligada à ideia de valorização de si, fortalecimento da própria condição pessoal, daria para dizer até tomada de posição, ocupar-se da sua própria posição política, o tomar as rédeas da própria vida, algo também que diz respeito à consciência e à prática de uma autonomia pessoal em termos sócio-político e técnico. A outra questão é a ocupação dos cargos. No Brasil, a ocupação dos cargos, no caso da representatividade das mulheres, é absolutamente problemática. Primeiro porque o percentual de mulheres que ocupam cargos, tanto na esfera da vida pública quanto na iniciativa privada, é algo aviltante, digamos que é algo estarrecedor, é 10% ou 11% de mulheres ocupando cargos. Nas empresas, existem metas de adquirir percentuais, vamos alcançar um percentual tal de mulheres em posição de liderança. Então, as mulheres, independente de estarmos tratando de capitalismo ou de Estado ou de socialismo, não têm vez. Então, as mulheres que ocupam posição de poder nesses lugares, como figuras raras, ou atingiu esse lugar como uma figura especial e rara ou então essas mulheres são laranjas do poder masculino.

Foto: Simone Marinho

Muitas vezes, ela [a mulher] vem de uma forma tutelada pelo homem e, quando não vem, se busca construir nela essa percepção, é filha de fulano, é esposa de tal, ou foi indicada, apadrinhada.

Nesse caso, continua tendo uma grande questão também, o que significa uma ocupação do governo, por exemplo, dos cargos ou dos poderes institucionais? Continua sendo uma grande questão porque as mulheres são, por mil motivos culturais, políticos, sociais e históricos, alijadas, alienadas, praticamente proibidas de participarem desse lugar. Então, constantemente, as mulheres são usadas quando estão nestes cargos, são colocadas ali por motivos variados que não dizem respeito a sua autonomia, e continua sendo uma questão, para nós, a representatividade das mulheres, seja nas empresas, seja na esfera do poder público e, no caso então, dos cargos eletivos, legislativos. Para mim, essas esferas não estavam confusas, elas são esferas em que a ideologias são tão pesadas e as mulheres são tão vítimas dessas ideologias que elas mesmas não sabem como proceder, elas não sabem nem como se relacionar com o poder. Digamos que o poder é algo a ser descoberto pelas mulheres, e aí desconstruído e transformado.

O empoderar-se tem a ver com a liberdade para fazer escolhas de forma consciente. No entanto, a mulher ainda tem uma série de cobranças: a maternidade, o cuidado com a casa, com a família e ainda ser bonita, vaidosa, inteligente e profissional. Esta é uma pressão machista para colocar a mulher à prova ou é também uma cilada feminina, que acha que precisa provar ser uma super mulher?

Acho que esse desenho diz respeito aos grandes temas que são enfrentados pelo feminismo na história. Hoje em dia, nós enfrentamos ainda as mesmas questões que mulheres do século 19, 18 e 13 enfrentavam. As questões feministas continuam sendo muito atuais e é até um pouco triste falar isso, porque seria muito bacana se nós vivêssemos numa sociedade que não precisasse mais colocar essas questões, questões primitivas que já deveriam ter sido superadas em esferas histórica, social ou política. Neste contexto, está em jogo pensar o tema geral da desigualdade de gênero. A questão gênero é agora central, mas quando a gente fala da questão gênero, não podemos também tratar o gênero de maneira abstrata, porque gênero é um tema que está ligado à raça, classe social, a questões culturais, estéticas e por aí vai. É bem essencial que a gente pense nesta interseccionalidade dos temas para poder entender em que situação a gente se encontra hoje. As mulheres, esse é um outro aspecto importante, historicamente foram convidadas, foram seduzidas para a opressão. É estranho falar assim, pode parecer estanho, mas as mulheres foram produzidas como sujeitos dóceis e cada vez mais hostilizados. Foram como se conduzidas a uma adesão ideológica que só as prejudicou, mas elas precisavam acreditar que isso as favorecia. Você é uma heroína, você é maravilhosa. É uma sedução narcísica, que é o reconhecimento barato, digamos assim, que é vendido para as mulheres por meio do qual são compradas. Você é uma grande mãe, você é uma esposa maravilhosa, você é bonita, você é uma pessoa compreensiva, você é especial, e as mulheres, se a gente pensar, por exemplo, na teoria de Simone de Bouvari, que fala que as mulheres são o segundo sexo, o sexo no sentido de sujeitos marcados pela sua sexualidade, que é colocada numa posição de subalternidade. Então, as mulheres são marcadas para serem subalternas, secundárias, inessenciais, submissas e isso é introjetado. As mulheres passam a aceitar isso, digamos assim. Escapar disso é uma questão, o tema do empoderamento, por exemplo, as críticas que a gente pode fazer ao termo tratam justamente disso, da saída desse cenário secundário em relação ao poder, dessa posição subalterna em relação ao poder, fadado ao mundo público que sempre foi o mundo dos homens, um mundo em que os homens já eram essenciais, já eram primeiros, um mundo em que eles não precisam se justificar. Eles nascem, existem, eles estão aí, eles não precisam se justificar. Você ao ser jornalista, médica, advogada, professora de filosofia, escritora, presidenta, deputada ou o que quer que seja você tem que justificar onde é que você deixou seus filhos ou quê que você faz com o seu marido. Se você não é mulher de marido, nem mulher de filhos, você vai ter que justificar porque você não optou por isso, porque se considera ainda, na cultura, que uma mulher que não realiza a natureza pré-estabelecida para a sua condição, perde parte do papel de mulher. É importante, no nosso caso, do nosso ativismo, da nossa discussão, desconstruir isso, essas essências, esses ideais, a ideia de natureza, essa coisa da natureza feminina, esse ideário, essa ideologia, essa natureza feminina precisa ser desmontada para que a existência das mulheres possa se dar com menos sofrimento, com menos injustiça, com mais autonomia, com respeito e reconhecimento da condição singular de cada sujeito. Acho que a gente está numa época que a beleza política é a singularidade e isso tem crescido. Essa singularidade é, ao meu ver, uma descoberta que se deve muito ao feminismo. O feminismo vem ao longo do tempo remodelando, refazendo, desmontando a nossa sociedade. 

Você está encabeçando um movimento para criação da #partida. Qual é a proposta e no que difere do modelo tradicional de partido político que conhecemos no país?

A partida, o próprio nome já carrega o conceito. É um movimento que discute a questão do poder na esfera da vida das mulheres. É um movimento feminista, dialógico, ou seja, comporta as diversas correntes de feminismo, diversas posições. Não se trabalha com a ideia de um único feminismo, mas de um diálogo entre os feminismos existentes, e é um movimento que funciona como partido. Porque que a gente chama de partida? Porque ele é feminista, então a gente começou inicialmente assim como uma construção, quase que um jogo conceitual. Então, a gente resolveu em vez de chamar o partido, a partida, é uma ressignificação da ideia de partido. É um movimento, não é um partido. É um movimento que funciona como partido. Existem várias mulheres filiadas a outros partidos fazendo a partida. Eu sou filiada ao PSOL, por exemplo, existem muitas mulheres filiadas em diversos partidos, todas essas mulheres são feministas. Mas nós discutimos o feminismo porque a ideia desse movimento também passa nos autoafirmar e nos fazer entender e melhorar as condições da nossa prática feminista e, também, formar as mulheres dentro de uma conceituação feminista. É absolutamente político. Quando a gente fala política, quando a gente fala partida, a gente está fazendo política. Qual é o nosso foco? Mulheres para ocupar o Governo, essa é a nossa intenção com a formação política, a autocompreensão política, a discussão política. Tudo isso nos interessa, mas nos interessa ocupar os cargos, queremos prefeitas, vereadoras, deputadas estaduais e federais. Nós queremos eleger feministas, não nos interessa simplesmente eleger mulheres. Porque não basta ser mulher. Sem feminismo não há política para mulheres, só políticas machistas que pesam sobre a vida das mulheres. No caso do Brasil, tudo isso que nós conhecemos, a ilegalidade do aborto, por exemplo, a sua criminalização, a inexistência de uma educação, de leis de um modo geral, que possam promover a educação das mulheres, o descaso em relação às leis do trabalho, inclusive a desigualdade de salários, a desigualdade doméstica, tudo isso nos toca, tudo isso nos interessa, mas é muito fundamental que, no Brasil, esses 10% de mulheres que estão ocupando cargos sejam ultrapassados no sentido positivo. Nós queremos ser 50%, 60%, 70% de mulheres ocupando cargos de Governo. A gente tem que ter cidades feministas, cidades em que as mulheres não tenham medo de andar nas ruas, cidades em que os espaços públicos respeitem a condição das mulheres, a condição feminina, a educação, trabalho todas essas esferas precisam está também voltadas para a vida das mulheres, porque as cidades, as sociedades foram construídas para os homens. Tudo. As leis, a polícia, as instituições são todas sexistas e machistas. Tudo que é dessa sociedade obedece a uma estrutura patriarcal. Nós queremos mudar isso, nós queremos pensar como podemos integrar numa cultura, numa sociedade, numa cidade e nos espaços públicos, nas instituições, como nós podemos criar espaços para que a vida das mulheres e as suas questões sejam contempladas. Então para nós, no nosso movimento, a gente quer mexer com o poder.

Tem representação do Piauí na Partida?

A gente deixa a coisa nascer, o nosso movimento não é um movimento tradicional. A gente não fica indo atrás das pessoas para que elas se identifiquem. O que existe é uma adesão espontânea, 16 estados do Brasil têm sua roda da partida. Mulheres que são feministas, gente que já se envolveu com política, outras que nunca se envolveram, mas há essa adesão das pessoas espontaneamente, quando escutam falar, quando ouvem, quando entendem como surgiu isso. As pessoas se manifestam, se relacionam e começam a criar a sua própria forma de fazer a partida no seu Estado, na sua cidade e tal. Mas assim, nós não somos um movimento hierarquizado, somos um movimento espiralado e um movimento que não é estático, não temos líderes, temos pessoas, cada um com sua singularidade, que faz a sua contribuição. Então, as diversas profissionais, as diversas ativistas propõem as discussões e a gente vai construindo isso na intenção de acordar as feministas, as mulheres que não se dizem feministas, mas que gostariam de comparecer, de se relacionar com o movimento feminista, na intenção justamente de focar no poder. A gente quer esse poder que tem a ver com Governo, com o Executivo e com o Legislativo. Essa é a nossa intenção, ir para as cabeças com aquilo que é o poder tradicional dos homens para poder desconstrui-lo.

Em entrevista, você falou da expressão moralina, de Nietzsche. Esse moralismo que percebemos hoje no mundo real e no mundo virtual são uma espécie de reação à visibilidade conquistada hoje pelo movimento LGTB, por exemplo?

Esse conceito encontrei um dia lendo “A Genealogia da Moral de Nietzsche”. Ele escreve esse livro no século XIX, ele diz que a moralina é a droga dos moralistas. Os moralistas ficam se embebedando de moralina, ficam cheirando moralina assim como os cocainômanos ficam cheirando cocaína, era nesse sentido que ele falava. É uma droga, é um entorpecente, é uma coisa que preenche um vazio, Nietzsche é um crítico da moral. Ora a nossa sociedade, como todas as sociedades, é uma sociedade também bastante moralista, é difícil existir uma sociedade que não seja moralista. Os moralismos só se modificam conforme a necessidade e os contextos, o machismo defende o moralismo. Na nossa cultura, ao mesmo tempo em que existe um peso do moralismo e as pessoas se locupletando subjetivamente nesse moralismo, se trabalha com a ideia da democracia, mesmo que ela não consiga realizá-la a todo momento, a gente tem pelo menos o desejo que a democracia ainda transite entre nós. Essa palavra como ideia está posta ainda, então mexe com a cabeça de alguns. Então, a gente vê que as pessoas se colocam também em posicionamentos contrários ao moralismo. E no caso da moral sexual, da moral relacionada ao gênero, evidentemente o machismo se beneficia e até usa e patrocina o moralismo, porque o moralismo faz com que o gênero, por exemplo, não seja uma questão desejável de se debater. No ano passado, quando se discutiu a questão do Plano Nacional de Educação, e o termo gênero foi extirpado do PLN, e os planos estaduais e municipais tiveram que obedecer a isso, o gênero foi extirpado, isso foi um ato de moralismo, mas esse moralismo, na forma como ele vem sendo exacerbado entre nós, na forma como ele se expressa de maneira exacerbada entre nós, já virou autoritarismo mesmo. O moralismo seria a forma enfraquecida e esmaecida do autoritarismo que é vivido por nós hoje de uma maneira aterradora, de uma maneira difícil de contornar, de uma maneira muito violenta, portanto. 

Você participou do Saia Justa, programa da GNT, que tinha como foco discutir os mais diversos temas a partir da perspectiva feminina. A partir desta experiência, você acredita que a mídia ainda apresenta uma visão machista?

O Saia Justa nunca foi um programa feminista, assim pelo mesmo não na minha época. Antes, eu não assistia, na época eu também não assistia, mas depois também não sei o que aconteceu com esse programa. Mas eu tenho certeza que a única apresentadora de televisão, a única apresentadora da esfera da televisão na história até hoje do Brasil que se autoconfirmou na televisão como feminista, fui eu. Disso eu tenho certeza. Gostaria que aparecessem outras para se contrapor, para eu não estar falando a verdade, mas eu realmente suspeito que eu tenha sido a única pessoa que disse “eu sou feminista”. O Saia Justa foi muito importante na configuração da minha experiência como feminista, porque ali eu vi o desfile de preconceito em relação às mulheres, muitas vezes postos na boca de mulheres, mulheres que, em vez de politizarem a sua posição, simplesmente defendiam posturas conservadoras e antifeministas, faziam um discurso irrisório das essências, discurso da natureza feminina e um monte de lixo epistemológico desse teor. Acho que a televisão, nos últimos anos, desde junho de 2013, tem sido um braço muito forte – como sempre foi, aliás – do poder. A televisão é um meio de comunicação, os meios de comunicação de massa, de um modo geral, são braços do poder, mais que isso, eles estão servindo ao poder. Então, o saber que pode pegar na hora que lhe convém justamente para manobrar a população. Não há duvidas que existem manobras mil, manipulações mil em relação á mentalidade da população, tanto na construção da distração da alienação de certas ideias. A sociedade, por exemplo, tem a ideologia da segurança, a ideologia antipolítica que a gente vive hoje em dia, de aviltamento da política, de entendimento da política. Não existiria capitalismo sem televisão, a televisão é a propaganda, o lugar onde a propaganda do capitalismo pode vingar. E o capitalismo precisa de propaganda, se não ele não vinga. As pessoas podem encontrar outras formas mais interessantes de desenvolver e organizar a sua vida fora do capitalismo. Bom, então acho que a televisão, no Brasil, vai de mal a pior e, nos dias de hoje, no contexto autoritário em que a gente está vivendo, evidentemente, a televisão tem sido uma arma muito poderosa de construção dessa mentalidade autoritária, que inclui, no seu autoritarismo, o tema do machismo.

Os números de violência doméstica e estupros têm crescido muito nos últimos anos. Você acha possível relacionar esses casos de violência à dificuldade masculina de lidar com o empoderamento feminino?

Acho que isso existe porque nessa hierarquização, numa sociedade autoritária, as hierarquizações são bem vindas. E por quê? Porque numa sociedade autoritária se lida com a estrutura binária, não só pensamento, não só da linguagem, mas também categorias, como inferiores e superiores. Mas o sistema de opressão e o sistema de dominação masculina, o sujeito do privilégio neste sistema se considera, se coloca ou se está colocado no lugar de superioridade. Então, esse sujeito subalterno, considerado historicamente como inferior, quando ele sai do seu lugar, quando eles se deslocam, eles causam mal-estar. A gente pode falar das mulheres que chegam ao poder e que incomodam os homens, do seu marido ao seu chefe, a inveja masculina vem à tona. Mas a gente pode falar também do pobre, que sai da sua favela, do seu ônibus lá da periferia e vai para o aeroporto, isso também incomoda a classe média, incomoda o feudo rico, incomoda aquele que está dentro de outra classe social e econômica. Então, o que incomoda as pessoas é justamente aquilo que é interpretado como uma espécie de invasão do território. Então, as mulheres invadem o território dos homens, os pobres invadem o território dos ricos, os negros invadem o território dos brancos. Ora! Quem definiu a existência de um território prévio? Aquele que tomou à força o poder para si. Pensemos no caso da escravização: os negros não eram negros, não eram marcados como negros antes dos brancos terem feito essa marcação, as mulheres não eram marcadas como mulheres se os homens, se a dominação masculina não tivesse feito essa marcação. O que está em jogo é a gente ter esquecido um grande véu de esquecimento, na nossa cultura que faz a gente não se dar conta que gênero, raça e classe social também foram inventados dentro de processos históricos e a ausência de consciência em relação a isso é evidentemente preocupante, mais do que preocupante, porque os efeitos dessa ausência de consciência é uma sociedade injusta e violenta e todos os movimentos sociais hoje que se insurgem contra o status quo estabelecido se posicionam nesses âmbitos, digamos da luta ou das lutas contra esses padrões, essas verdades. Esse arranjo da violência, que se faz simbólica e que se faz física, essa tomada de média entre as duas formas de se exercitar a violência que nos conduz ao fracasso social, ao fracasso como comunidade humana.

Muitas mulheres são feministas, mas têm dificuldade em assumir essa posição devido à visão distorcida de que feministas lutam numa guerra de sexos. Você percebe uma distorção neste sentido?

Não entre as feministas, mas no senso comum. O senso comum é patriarcal, é organizado pela dominação masculina, é senso comum misógino. O discurso antifeminista faz parte da história da misoginia; então, falar mal das feministas, se esforçar para não entender do que se trata, evitar que o feminismo cresça e apareça como uma proposta política razoável para a nossa época, esse é o esforço do discurso misógino, e nós temos que ter lucidez que esse discurso existe, que ele é forte e que ele está naturalizado entre nós. O que é mais triste entre mulheres, muitas vezes, é a vítima fazendo a propaganda da ideologia do algoz, contra ela mesma, como se ela tivesse se beneficiando daquilo que faz mal a ela.

O que representa o Dia Internacional da Mulher para você?

Eu acho que o Dia Internacional da Mulher é uma data bem importante, ao mesmo tempo, não pode ser transformada numa data despolitizada. Por um lado, ela fica servindo ao comércio e, por outro, ela fica servindo como ilustração ou enfeite. Não podemos reduzir essa data a isso. Deve ser marcado como um dia de luta, um dia de memória da luta, da luta das mulheres por direitos. Direito a saúde, direito a educação, direito a participação política, direito ao respeito. Direito, enfim, a viver uma vida com a garantia do reconhecimento de que é uma pessoa que tem o direito de estar nesse mundo, direito de presença no mundo. Então, neste sentido, a data é absolutamente essencial como momento da nossa memória, desde que ela não seja reduzida a um evento comercial ou a uma festinha particular.

Por: Elizângela Carvalho - Editora Chefe de O DIA
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