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Coletivos se organizam na luta por direitos em Teresina

Em Teresina, os grupos têm se unido em busca de objetivos comuns, sejam eles políticos ou sociais.

09/03/2019 08:39

A crise na política tradicional, em que partidos políticos ou representantes eleitos não conseguem abarcar as demandas das diferentes formas de existir, abre uma lacuna que está sendo preenchida por novas formas de se organizar politicamente. São grupos, coletivos ou frentes formadas de pessoas comuns, sem cargos públicos ou institucionais, que se auto-organizam para reivindicar direitos dentro da sociedade. Em Teresina, os grupos têm se unido em busca de objetivos comuns, sejam eles políticos ou sociais, para lembrar de pautas que podem ser esquecidas dentro das casas do Legislativo, não serão deixadas para trás. 

Perifala: universitários se reúnem em praça pública para debater com a comunidade

Aos domingos, a praça principal do bairro Esplanada, no extremo Sul de Teresina, recebe uma movimentação atípica dos outros dias da semana. No fim da tarde, uma roda de jovens e adultos se abanca em algum dos espaços do local e dali iniciam-se discussões com embasamentos teóricos a respeito de temas variados. São jovens universitários que falam entre si e com pessoas que nunca estiveram em uma instituição de nível superior com um objetivo claro: ampliar o alcance dos conhecimentos que aprendem dentro das universidades e mostrar que, mesmo para quem mora na periferia da cidade, os espaços acadêmicos também os pertencem. 


O Perifala se reúne na praça do bairro Esplanada, extremo Sul de Teresina, aos domingos (Foto: Arquivo Pessoal)

É assim que, semanalmente, atua o Perifala. O grupo se formou há um ano a partir de uma ideia da estudante de comunicação social, Mariana Costa, de 19 anos, e outros três amigos, todos tendo uma história similar e sendo um dos primeiros dentro da sua realidade de família a entrarem na universidade, sentiram a necessidade de discutir o que aprendiam no espaço acadêmico para além dos muros da instituição. 

“Nosso meio é periférico e nem todo mundo consegue entrar na universidade, então a gente queria, de certa forma, dar uma retribuição à nossa realidade. O que aprender aqui, transmitir pra lá”, explica Mariana, que é moradora da Vila Irmã Dulce e estuda na Universidade Federal do Piauí (Ufpi).

O grupo tem como trunfo a pluralidade. Em cada reunião, misturam-se as áreas de conhecimento e os perfis alcançados. São jovens que estudam política, geografia, artes, comunicação, que se colocam em contato com estudantes de nível médio ou trabalhadores interessados em ouvir mais sobre os temas propostos.

Para todos participarem das discussões que acontecem ao ar livre, antes, materiais de leituras são propostos em um grupo no WhatsApp, onde todos os integrantes do Perifala se organizam e uma pessoa fica encarregada para falar a respeito do tema escolhido na reunião presencial. 

“Têm pessoas de outras cidades no grupo que acompanham só por esperar o material que nós vamos disponibilizar. Como são muitas áreas, acabamos por aprender a visão de cada curso diferente e o que as pessoas entendem sobre os temas. O Perifala é uma forma de nos empoderar, mostrar que esses espaços [universitários] são para a gente mesmo. É mostrar que temos que estar presente neles, usufruindo e ampliando nossa visão de mundo”, destaca Mariana.

Os conceitos de levar o que aprendem dentro da universidade para outros espaços foram internalizados pelos jovens a partir de vivências do movimento estudantil. Agora, com o próprio grupo organizado, a intenção é sempre abarcar outras pessoas. “Aqui a gente constrói e muda realmente novas realidades”, avalia Jonas Vicente, que também faz parte do grupo.

RUA: movimento se organiza na luta por uma sociedade mais igualitária e justa

A luta pelo direito à cidade, por direitos estudantis, lutas feministas, LGBTI’s e raciais. As bandeiras abraçadas pelo RUA – Movimento Anticapitalista são diversas e têm em sua base de escolha a busca por uma sociedade mais igualitária. O movimento, criado desde 2014 em nível nacional e espalhado por todo o Brasil, reúne jovens de diferentes perfis que se encontram nas buscas por pautas similares, uma identidade em comum.


O RUA conta com a realização de reuniões de forma quinzenal e mensal (Foto: Jailson Soares)

O movimento se define anticapitalista porque não acredita em uma forma de vivência apenas baseada na busca pelo lucro. As ações dos jovens também são pautadas pela eliminação de todas as formas de exploração existentes como, por exemplo, as de gênero, raça e orientação sexual.

Letícia Lima, que é estudante de Direito na Universidade Federal do Piauí, é uma das jovens que integra o movimento desde o seu início, há quatro anos, em Teresina. Para ela, participar do RUA é uma forma de alcançar mudanças necessárias para si, em nível de conhecimento, e também para a sociedade, na luta por mudanças estruturais. 

“Somos um coletivo que se organiza para estar na rua, nos movimentos estudantis e comunitários, mas que também faz formação política e se aprofunda em várias demandas, seja quando participa da Marcha da Maconha e luta por uma segurança pública mais cidadã ou um estado penal menos punitivista, assim como também na luta contra o feminicídio e oferece políticas públicas de valorização das mulheres. Então, o papel social que a gente cumpre é de maior responsabilidade com determinados temas”, analisa Letícia.

As bandeiras abraçadas aproximam os jovens de diferentes realidades. Maria Antônia, estudante de Ciências Sociais na Universidade Estadual do Piauí (Uespi), considera que é na organização coletiva que as verdadeiras transformações conseguem ser alcançadas na sociedade. 

“A experiência que o RUA me dá é que, quando a gente consegue se organizar coletivamente, traçar essas lutas coletivas, conseguimos ter mais impacto, como quando a gente conseguiu barrar o aumento da passagem de ônibus. Temos também lutas que sabemos que não conseguiremos alcançar agora, mas que estamos construindo algo para as novas gerações e é muito gratificante ver que estamos buscando algo e não estamos sozinhos”, afirma Maria Antônia.

O RUA conta com a realização de reuniões de forma quinzenal e mensal tanto para que possa acolher novos membros, quanto para organizar as ações enquanto movimento multifacetado. “É importante lembrar que temos uma estrutura autônoma, não dependente de empresas, governos e temos nossas próprias formas de deliberação”, destaca Letícia.

De forma ampla, em Teresina e no Brasil, os jovens seguem aliando a combatividade, a democracia, o combate a todas as formas de opressões na busca para a reconstrução de um projeto de sociedade sem exploração e opressão.

Frente Bi: grupo atua na busca por políticas públicas e visibilidade de pessoas bissexuais

Apesar da sigla LGBTI abarcar as várias identidades sexuais: lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais, as nomenclaturas não impedem que algumas distorções aconteçam. Para alguns, principalmente os bissexuais, o enquadramento em estereótipos criam barreiras para sua expressão de vida. Por esse motivo, ano passado, surgiu em Teresina um grupo que se propõe a conversar sobre as políticas públicas, vivências e situações pelas quais passam as pessoas que se identificam nesta orientação sexual.

“As demandas das pessoas gays, lésbicas, que são identidades sexuais consolidadas dentro do movimento, a gente não questiona. Se alguém fala: eu sou gay, lésbica, não é uma fala questionada, mas quando fala de bissexualidade, sempre surge um: você tem certeza? Então, a Frente Bi nasce para dizer que o local de fala das pessoas bissexuais tem que ser respeitado”, explica Emanuelly Ferreira, uma das co-fundadoras do grupo.


 A Frente Bi do Piauí é o único movimento auto-organizado que pauta a temática bissexual no Nordeste (Foto: arquivo pessoal)

Estudante de Direito na Universidade Federal do Piauí (Ufpi), a jovem já tinha experiência com grupos de movimentos estudantis e sociais, como o Projeto Cajuína, uma assessoria jurídica universitária popular.

Emanuelly destaca que o Cajuína e outros espaços de militância pelos quais passou sempre foram construídos pela presença de pessoas LGBTIs, inclusive bissexuais. Isto a fez perceber, em conjunto com outras pessoas como Débora, Roney, Brenda, que poderia engatilhar a busca por mais representatividade do público bissexual dentro e fora da militância estudantil.

A partir de então, rodas de diálogo e espaços diversificados começaram a ser mais constantes dentro da atuação do grupo. Apesar disso, as transformações perceptíveis ainda avançam a passos tímidos.

“Ainda não consigo mensurar o impacto de ações que mudem a sociedade, porque ainda passamos muito pela invisibilização das pessoas, por sermos sempre julgados e criticados, mas a gente já consegue fazer a diferença para gente, nas reuniões, por exemplo, dizer as coisas que a gente sente. Hoje eu sei que nós conseguimos produzir saúde mental para nós do grupo e para outras pessoas que veem nossas postagens e se sentem minimamente representados e não se sentem tão sozinhas”, destaca.

A atuação nas redes sociais é um grande trunfo do grupo. A Frente Bi do Piauí é o único movimento auto-organizado que pauta a temática bissexual no Nordeste, por isso, as postagens que alcançam as pessoas no Estado e em outras regiões do Brasil contribuem para a informação, desmistificação e reconhecimento desta identidade sexual. 

Negritude Piauiense: mulheres negras fazem resgate da autoestima e empoderamento

Elas têm os cabelos crespos, cacheados, descoloridos, são altas, baixas e diversas. São mulheres negras dos mais diferentes traços e personalidades que, juntas, formam o coletivo Negritude Piauiense, que busca resgatar a autoestima e exaltar o empoderamento feminino no Piauí.

Tudo começou com a ideia da estudante de jornalista Camila Hilário e do fotógrafo Ronald Moura em produzir um ensaio que exaltasse a beleza da mulher negra piauiense. Da pretensão estética, posteriormente, surgiu um grupo que se mobiliza em prol de pautas e demandas da negritude. Agora, são mais de 80 mulheres que formam o movimento, que também é político.


 Mulheres negras dos mais diferentes traços e personalidades, juntas, formam o coletivo Negritude Piauiense (Foto: Ronald Lustosa)

O ensaio fotográfico e o texto que acompanha a valorização da beleza negra em forma de manifesto feito por Camila já foi parar em um dos sites mais conceituados da cultura negra no mundo, o Afropunk.

“Através dos ensaios, as meninas começaram a se conhecer e começamos a entender o negritude como um coletivo. O grupo serve para que a gente compartilhe tanto nossas histórias, frustrações, conquistas, quanto para prestar ajuda a quem precisa, serve para apoio e, hoje, amizade”, explica.

As mulheres, profissionais das mais variadas áreas e estudantes dos mais distintos campos de estudo, criaram uma rede de apoio e incentivo para atuar de forma coletiva na contribuição uma da vida das outras.

O grupo também organiza encontros e participa de espaços organizados. “Já fizemos dois encontros do Negritude e também organizamos uma roda de conversa no Memorial Esperança Garcia sobre transição capilar. Também participamos de debates a nível de universidade e escolas, é realmente um movimento que ganhou uma amplitude maior que imaginávamos”, explica Camila.

Segundo a jovem, a intenção, agora, é que seja criada uma rede para incentivar o empreendedorismo entre as mulheres negras que participam do grupo. Para ela, daqui em diante, a rede só se ampliará. “Nós nos tornamos mais fortes e conscientes do nosso lugar no mundo”, defina.


Fonte: Especial Jornal O Dia
Por: Glenda Uchôa
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